Assassinato de Luís Ferreira Costa, em Valinhos (SP), completa um ano

Agricultor foi atropelado durante manifestação por falta d'água de moradores do Acampamento Marielle Vive!
Seu Luís Ferreira Costa, de 72 anos, foi assassinado durante manifestação do MST. Foto: MST

Por Tassi Barreto* e Maria Julia Giménez**
Da Página do MST

No dia 18 de julho de 2019, as famílias do MST estavam na Estrada do Jequitibá, na cidade de Valinhos, interior de São Paulo, realizando um ato de denúncia aos poderes públicos locais por conta da falta da garantia do direito fundamental à água. Essas pessoas representavam o Acampamento Marielle Vive!, composto por cerca de mil famílias vindas de Campinas e região decididas a lutar por Reforma Agrária e conquistar um pedaço de terra para trabalhar e viver.

A ação não era um bloqueio de estrada, como geralmente reportam os grandes meios de comunicação. Os acampados e acampadas solicitavam aos carros, caminhões, ônibus e motos para diminuírem a velocidade para entregar um panfleto informando da demanda por água e distribuir alguns alimentos já produzidos na área que estava improdutiva antes da chegada dos Sem Terra.

Logo no início da manifestação, uma caminhonete acelerou detrás de um ônibus que estava parado, entrou na contra mão, passou por cima das pessoas (acampadas e apoiadores) que estavam participando da jornada pela água e fugiu sem prestar nenhum socorro. O fato foi registrado pelas câmeras no local. Várias pessoas ficaram feridas e Seu Luís Ferreira Costa, de 72 anos, foi arrastado por dez metros, morrendo na hora.

Seu Luís, como era conhecido por todos, era um nordestino que, como tantos homens e mulheres, tinha migrado à região sudeste do Brasil em busca de trabalho. Pai de família e forte lutador, tinha encontrado no Acampamento Marielle Vive! a possibilidade de realizar dois grandes sonhos: voltar à terra e aprender a ler e escrever. Seu Luís estava concluindo o programa de alfabetização de adultos “Sim, eu posso”, desenvolvido no próprio acampamento, e planejava iniciar os trâmites para tirar sua licença para conduzir.

Porém, antes disso acontecer, Leo Luiz Ribeiro, um homem branco, classe média, empreendedor individual e pai de família, o assassinou. As redes sociais do assassino estavam cheias de publicações pró Bolsonaro e memes carregados de ódio. O irmão dele declarou, horas depois da tragédia, que se tivesse com um caminhão, passaria por cima de todas as pessoas.

O trágico episódio não foi casual nem fortuito. É parte de uma longa história de desigualdade e opressões no Brasil, mas que nos últimos anos – em meio a uma grave crise política, econômica, social e ambiental – tem disparado discursos de ódio que parecem legitimar a morte de quem luta pelos direitos mais fundamentais, como Seu Luís: terra e água.

Nos últimos anos, discursos racistas, xenófobos, misóginos e antidemocráticos tem impregnado as redes sociais digitais e as estruturas dos diferentes poderes públicos do país, da mão de um Golpe que tem rasgado a Constituição. O congelamento da Reforma Agrária e das políticas de fomento à agricultura familiar, que se institucionalizou com o Golpe do governo de Michel Temer e se aprofundou com Bolsonaro e seu governo criminoso, aumenta os conflitos e mortes no campo.

Como mostram os dados da Comissão Pastoral da Terra, mais de 60 projetos de assentamentos estão paralisados pelo poder público, ao mesmo tempo que brotam as ameaças de despejo e as marcas da violência. Segundo os dados, esse ano foi contabilizado 29 assassinatos decorrentes de conflitos no campo.

A história do Acampamento Marielle Vive! onde Seu Luís morava há mais de um ano, insere-se neste contexto de Golpe e embate à democracia e aos direitos sociais e ao ataque à política de Reforma Agrária. Foi durante as Jornadas de Abril de 2018, transcorrido exato um mês do assassinato da vereadora e militante carioca Marielle Franco, que centenas de famílias iniciaram o processo de organização e luta junto ao MST na ocupação da Fazenda Eldorado Empreendimentos Imobiliários, terras improdutivas destinadas à especulação imobiliária.

Hoje, o Acampamento Marielle Vive! tem mais de dois anos de organização, sem, contudo, ter sido tarefa fácil. À falta de atenção do poder público local em questões de saúde, educação das crianças e água, as famílias tiveram que suportar numerosas ameaças e a morte de um dos seus companheiros. Ainda assim, elas continuam resistindo e produzindo alimentos saudáveis e sem agrotóxicos.

Foto: MST

O assassino de Seu Luís foi capturado horas depois, graças às câmeras do ônibus no local, que registraram tudo. Mas, desde o dia 16 de dezembro de 2019, o assassino conseguiu o beneficio de Liberdade Provisória, enquanto o processo está em fase instrutória (uma fase que tem como objetivo a produção de prova pericial, prova oral e documental), no aguardo de sentença, na qual o juiz decidirá se o réu vai ou não à Júri Popular.

Leo Ribeiro poder responder em liberdade traz uma imensa sensação de injustiça para a família de Seu Luís e para o MST. Assassino que, fomentado pelo crescente neofascismo da sociedade brasileira e com plena sensação de impunidade, jogou intencionalmente sua caminhonete em cima de centenas de pessoas.

Não vamos deixar que o caso de Seu Luís fique impune. Isso implica punir o assassino, reparar à família Ferreira Costa e garantir os direitos das famílias acampadas no Marielle Vive!

LUTO POR SEU LUÍS, para que não se esqueça, para que nunca mais aconteça.

*Direção Estadual MST São Paulo
**Setor de Comunicação MST São Paulo


***Editado por Luciana G. Console