Criada para democratizar comunicação na América Latina, Telesur completa 15 anos
Por Michele de Mello
Do Brasil de Fato | Caracas (Venezuela)
Nesse 24 de julho, o mundo celebra 237 anos do libertador da América Latina, Simón Bolívar, e a Telesur, canal internacional, completa 15 anos de história. A coincidência da data não é mera casualidade. Criada como um projeto dos ex-presidentes Hugo Rafael Chávez Frías, da Venezuela e Fidel Castro, de Cuba, o propósito da emissora era difundir assuntos pouco presentes nos grandes conglomerados de comunicação, trabalhando a notícia com um olhar contra-hegemônico.
Com apoio dos governos da Argentina, Venezuela, Nicarágua, Equador, Bolívia e Cuba, a Telesur foi fundada com sede principal em Caracas, capital da Venezuela, e mais tarde abriu outra sede em Quito, no Equador. Neste ano, inaugurou outra unidade em Havana, Cuba, ampliando a presença na ilha com transmissão 24 horas.
A primeira transmissão ocorreu ao vivo, no teatro Teresa Carreño, em Caracas. O canal foi formado com um conselho político, composto por figuras como Adolfo Pérez Esquivel, defensor de direitos humanos argentino, prêmio Nobel da Paz, e o jornalista espanhol Ignacio Ramonet, chefe de redação da Le Monde Diplomatique.
Entre as fundadoras está Aíssa García, jornalista cubano-mexicana, que hoje dirige a correspondência da Telesur na Cidade do México e em Washington. Ela assegura que, desde o primeiro momento em que ouviu falar do projeto, disse sim e se somou à equipe. “Nosso modelo de comunicação está ligado aos nossos povos e à emancipação, à luta contra as imposições hegemônicas”, explica.
Com o lema “Nosso norte é o sul”, a Telesur prioriza gerar conteúdo sobre os povos do sul global. Por isso, possui correspondentes em 42 países, com sinal televisivo para 123 países na América Latina e Caribe, Norte da África e Europa ocidental, além de transmissão ao vivo 24 horas por internet, com programação em espanhol, inglês e português.
Para marcar o aniversário da emissora, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) produziu um vídeo musical com a canção Aroeira, de Geraldo Vandré. Assista:
Grandes coberturas
Desde 2005, o canal cobre eventos políticos que marcaram o desenvolvimento político e econômico do nosso continente. A primeira grande cobertura foi o golpe de Estado contra o ex-presidente hondurenho Manuel Zelaya, em 2009.
A Telesur foi o primeiro canal a denunciar que se tratava de um golpe de Estado. Depois de Zelaya ter sido sequestrado pelas Forças Armadas, os meios de comunicação do Honduras afirmavam que o então presidente havia renunciado.
Durante essa década e meia, os correspondentes da multiestatal também deram a volta ao mundo para cobrir os conflitos no Oriente Médio, a crise migratória na Europa e desastres naturais. Aíssa García foi enviada especial da Telesur ao Japão para cobrir os desastres do terremoto, seguido do tsunami, em 2011. “Certamente foi a cobertura que mais me marcou e também com a qual eu mais aprendi. Foi interessante ver como os japoneses superam as adversidades”, comenta.
Em 2019, ela coordenou o trabalho de reportagem que acompanhou as caravanas migrantes – quando centenas de milhares de centro-americanos decidiram atravessar várias fronteiras até chegar aos Estados Unidos, fugindo da pobreza e da insegurança. Por essa cobertura, o canal ganhou o Prêmio Nacional de Jornalismo do México. Já em 2020, o canal ganhou o Prêmio Nacional de Jornalismo da Venezuela pelo programa Jugada Crítica, que analisa eventos da geopolítica mundial com especialistas, ao vivo, de segunda a sexta-feira.
E o reconhecimento não se expressa apenas pelas vias formais. Conversando com outros correspondentes que estão em campo cobrindo os fatos noticiosos, sobram as anedotas. Ignacio Lemus, repórter da Telesur em São Paulo, há cinco anos, conta que a mãe de uma colega jornalista a convenceu a instalar uma antena satelital para poder assistir ao canal na televisão.
Já Deisy Toussaint, correspondente em Santo Domingo, capital da República Dominicana, comenta o reconhecimento popular depois que acompanhou as manifestações que exigiam novas eleições legislativas, em fevereiro desse ano. “As pessoas se identificaram, porque entenderam que a sua luta era acompanhada pela Telesur.”
Do outro lado do mundo, Iramsy Peraza, correspondente em Pequim (China), afirma que, apesar da barreira de idioma, o canal é reconhecido pelo povo chinês.”Enquanto tentava uma entrevista na rua, o entrevistado me perguntou para qual canal e quando respondi, disse: ‘ah sim, Telesur, canal de Chávez, um homem bom para o povo”, recorda a jornalista.
Tentativas de golpe
“Sempre navegamos contra a corrente. Os meios hegemônicos quiseram nos estigmatizar, silenciar e até ignorar. Hoje, impostores sonham em desenvolver um projeto com o nosso nome. Nós sempre vencemos, porque trabalhamos e trabalhamos duro. E essa conquista ninguém nos arrebata”, afirma Aissa García.
No ano passado, o deputado opositor Juan Guaidó, quem se auto proclamou presidente encarregado da Venezuela, assegurou que nomearia uma nova direção para assumir a Telesur e “resgatar” o sinal da multiestatal. Apesar de a medida não possuir qualquer efeito legal, a estratégia era gerar instabilidade internacional.
“Fazem isso, porque não somos um canal tradicional, somos um canal público que conseguiu chegar em todo o mundo. Nem sempre interessa a todos um canal que informe com veracidade, inclusive em muitos lugares que alguns grandes meios simplesmente não vão. Nós contamos aquilo que os grandes monopólios de imprensa, canais tradicionais e senhores do dinheiro não querem que se saiba”, sentencia a jornalista.
A América Latina é uma das regiões com maior desigualdade social e concentração de meios de comunicação do mundo. / Brasil de Fato
História
Em setembro de 2004, foi aprovada a lei de Responsabilidade Social de Rádio e Televisão. A nova legislação tornou obrigatória a transmissão diária de cinco horas de produção nacional e independente, o uso de linguagem de sinais, o fim dos oligopólios de comunicação, a outorga de concessões para canais de rádio e televisão comunitários, entre outras medidas.
Até essa data, RCTV e Venevisión dominavam 80% da produção de conteúdos de radiodifusão no país e concentravam 85% do mercado publicitário, segundo a Comissão Nacional de Telecomunicações. Nessa época, 27 famílias controlavam cerca de 300 emissoras no país.
Com a democratização dos meios de comunicação, houve espaço para o surgimento de uma multiestatal, como a Telesur. “Chegamos a esses 15 anos com muita vontade de seguir por outros mais e estamos seguros que vamos triunfar”, afirma Aíssa García, uma das fundadoras do canal.
*Edição original por Rodrigo Chagas, do Brasil de Fato
**Editado por Luciana G. Console