“Sou agricultora, guardiã de sementes e cisterneira também”, relata Ana Maria
Por Ana Maria Gomes
Da Campanha Permanente contra os agrotóxicos
Em mais uma edição da série sobre os impactos dos agrotóxicos nos biomas brasileiros, a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida se juntou com a Articulação do Semiárido Brasileiro (ASA) e desembarcou na Caatinga.
Para conhecer um pouco mais sobre este bioma através da sua gente, que há muito tempo aprendeu que não se pode combater a seca e sim conviver com ela, contamos com a presença de Paulo Pedro Carvalho, coordenador da ONG Caatinga em Ouricuri (PE) e da dona Ana Maria Gomes, do Assentamento Maurício de Oliveira, no Rio Grande do Norte, que fez um relato sobre suas vivências.
Confira!
“Sou agricultora, guardiã de sementes, pescadora, artesã, cabeleireira… Eu sou de tudo um pouco. Cisterneira também. Uns anos atrás, trabalhei em grande empresas com agrotóxicos. Primeiro foi com melão, depois, eu passei pra outra fazenda, que era de manga. Lá foi que o veneno cobria, porque a gente trabalhava embaixo e a máquina trabalhando por cima dava aquele banho na gente.
Pra ir pra essas empresas eu saía duas horas da madrugada, chegava lá no serviço cinco e pouco. Seis horas já tinha tomado café e caía no campo até onze e meia. Parava aqueles minutos para almoçar, continuava de novo até cinco e meia, seis horas. Então era um trabalho muito difícil. Eu não desejo pra ninguém ter um trabalho escravo, tomando banho de agrotóxico…
Depois eu comecei a trabalhar nas terras alheias e eu vi que também não tinha futuro porque o que a gente trabalhava não lucrava, tinha que dividir pros patrões. Então eu parti na luta pela conquista da terra pra ter uma vida melhor, uma vida mais abundante. Com três anos e pouco, ali em 2006, a terra foi desapropriada e foi quando nossa vida foi tendo sentido.
Hoje, graças a Deus, temos o nosso pedacinho de terra. Depois que veio a formação do grupo de mulheres, aí foi que melhorou cada vez mais a nossa vivência no meio rural, no meio da Caatinga. É gratificante mesmo, porque eu tiro o meu sustento da terra e tudo que nós produzimos é orgânico. Meu quintal é tudo!
Hoje eu tenho um banco de sementes crioulas e de sementes nativas. No início era com cem espécies, hoje já está passando de duzentas. Eu planto de um tudo aqui: feijão, milho, gergelim, batata doce, macaxeira, inhame, caju, manga, pinha, graviola…Tudo que você imaginar, eu tenho aqui no meu quintal! Quando chega o inverno, eu já tenho minha semente guardada, de tradição. Do meu avô que passou pro meu pai, do meu pai passou pra mim. A semente é vida, a semente é natureza.
Eu não cheguei sozinha. Foi com ajuda das capacitações e com as trocas de experiências. Depois da formação dos grupos de mulheres e dos intercâmbios que a gente buscou, e através da Articulação do Semiárido, foi que nós conquistamos a primeira água. Depois conquistamos a segunda água, que é a cisterna calçadão. Minha cisterna foi construída por mim e uma companheira. Não foi fácil! Meu marido era um dos que não acreditava que mulher era capaz de construir uma cisterna.
Eu e ela, com a força, fizemos o curso e a capacitação pelo Centro Feminista 8 de Março. O grupo de mulheres fortalecendo… No momento que a gente tá pra baixo, é o grupo que está ali fortalecendo, abraçando uma à outra, uma palavra amiga… Meu marido veio acreditar que a gente era capaz, a gente já tava terminando a cobertura. ‘Ah, agora vi que você é capaz. Quando você diz que vai fazer, você faz’.
Já foi na reta final, mas mesmo assim eu fiquei tão feliz, porque a gente tinha construído! E até hoje minha cisterna nunca deu um vazamento. Até hoje está firme e forte, cheinha. É de onde eu tô tirando o meu trabalho todinho aqui do viveiro de mudas. E eu não gosto de desperdiçar nem um pingo de água. É muito gratificante você trabalhar e ver o resultado. Esse resultado foi através da união, do fortalecimento dos grupos! Tudo o que eu faço é com muito amor, principalmente mexer com o meio ambiente, com a Caatinga, salvar.
Eu chamo vidas, porque eu resgato essas sementes… Enquanto os homens estão eliminando a mata, eu tô resgatando, mais o meu marido. Quando a gente tá sentindo algo, eu digo: ‘Ah, homem, vamos voltar pra mata’. Porque a mata no momento que você entra você recebe tipo uma cura. Nós somos vivos, a mata também é viva. Pela mata eu enfrento qualquer coisa!
No decorrer do tempo, das andadas, das trocas de sementes, cada encontro que eu fui é uma plantinha plantada, que eu chamo uma vida. E dessa vida já tá dando os frutos, já tá dando sementes. Eu tô trazendo a mata pra dentro do meu quintal. Eu nem sei quanto frutos têm, mas eu tô trazendo a mata pro meu quintal!”
Acesse o debate na íntegra:
*Editado por Luciana G. Console