Despejo no acampamento Quilombo Campo Grande (MG) acende alerta durante a pandemia
Por Redação da Região Sudeste/ MST
Da Página do MST
Após 56 horas de resistência, acompanhada de numerosas manifestações de apoio e solidariedade nacional e internacional, na sexta-feira (14) a Polícia Militar de Minas Gerais despejou uma das áreas do acampamento Quilombo Campo Grande, demolindo as casas de 14 famílias camponesas, lavouras e a Escola Popular Eduardo Galeano.
Conhecido pela produção do café Guaií, o acampamento Quilombo Campo Grande, situado em Campo do Meio (MG), é formado por 450 famílias, que há mais de 20 anos produzem alimentos sem veneno. As famílias Sem Terra exigem da justiça a garantia do direito à Reforma Agrária nas terras da antiga usina de cana Ariadnópolis, que faliu deixando dívidas com o Estado e os trabalhadores.
Em nota, a direção estadual do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) denunciou que a área de 26 hectares inicialmente constatadas no processo judicial, que já estavam desocupados, foi ampliada para 52 hectares no último despacho da Vara Agrária e a operação policial foi além da determinada pela liminar, se colocando contra os interesses do povo e promovendo a escalada de violência no campo, agravada pela crise sanitária e econômica de Covid-19.
Segundo o Movimento, com a ação iniciada da última quarta-feira (12), Romeu Zema (Novo-MG) e demais autoridades judiciárias descumpriram o acordo firmado em mesa de diálogo sobre conflitos de terra, para que as famílias permaneçam no local ao menos enquanto houvesse necessidade de isolamento social pela pandemia. Dom Vicente Ferreira, bispo auxiliar da arquidiocese de Belo Horizonte, denunciou que “é inadmissível despejar durante a pandemia, não há argumento que justifique essa violação dos direitos humanos fundamentais. O respeito à dignidade da pessoa humana é um princípio basilar da Constituição brasileira”, disse o bispo.
Diante das aglomerações provocadas pela truculenta ação policial, as famílias do acampamento Quilombo Campo Grande protocolaram na Prefeitura de Campo do Meio um pedido de testagem em massa e atendimento mínimo de assistência social. Entretanto, nenhum das famílias teve resposta do poder público até o fechamento desta reportagem.
Para Michelle Capuchinho, da direção estadual do MST, “desde o início da operação criminosa, a gente tentou diálogo com o governo do Estado, denunciando que era um crime realizar um despejo em meio a pandemia. Nós entendemos que esse governo é criminoso, e a prefeitura municipal que está sob gestão de Robson de Sá é omisso e coautor dessa atrocidade, colocando em perigo todo Campo do Meio e o Sul de Minas”.
Rio de Janeiro
O caso do Quilombo Campo Grande não é isolado e revela um cenário mais amplo de reiteradas tentativas de remoção forçada na região sudeste do Brasil. Além do risco para milhares de famílias camponesas, visto que muitos despejos recorrem à violência policial, esse contexto é ainda mais grave diante da crise de saúde pública no país.
O uso da força policial foi autorizado pelo Tribunal Federal do Rio de Janeiro em agosto de 2019 para execução do despejo no Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PSD) Osvaldo de Oliveira, na região serrana de Macaé (RJ). É o primeiro desta modalidade no estado, localizado em área de recuperação da Mata Atlântica. Feijão, milho, abóbora, melancia, jiló, banana, coco, graviola, aipim e hortaliças são alguns dos produtos cultivados.
Com a pandemia, o prazo inicialmente estipulado em 90 dias para a remoção foi suspenso. “É um quadro completamente controverso porque o assentamento é consolidado. São 63 famílias produzindo alimentos agroecológicos, temos participação em feiras e no Programa de Alimentação Escolar (PNAE)”, aponta Nelson Bernardes, da direção nacional do MST no Rio de Janeiro, explicando que a permanência das famílias tem relevância comprovada na conservação ambiental da área.
“As famílias do PDS passaram por um processo muito extensivo de formação na agroecologia, assimilando uma matriz fundamental para a produção e preservação ambiental. O desembargador relator tem um olhar tendencioso porque fundamenta a decisão apenas da leitura dos pareceres do proprietário”, relata a advogada do setor de direitos humanos do MST-RJ, Fernanda Vieira.
Conhecido anteriormente como Fazenda Bom Jardim, o assentamento Osvaldo de Oliveira está localizado no distrito Córrego do Ouro, região norte fluminense. A propriedade foi considerada improdutiva pelo Incra em 2010, sendo decretada para fins de reforma agrária. No mesmo ano, cerca de 300 famílias do MST ocuparam as terras da fazenda no dia 7 de setembro, com o objetivo de pressionar a desapropriação que até hoje não foi completamente concluída.
São Paulo
Recentemente, o Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (Condepe) condenou as reintegrações de posse que estão curso em todo o estado de São Paulo em plena pandemia de Covid-19. Em ofício publicado no dia 16 de junho, o Condepe cita 24 casos ocorridos ou em andamento em todo estado.
No estado de São Paulo, três áreas em luta pela Reforma Agrária estão com despejo suspenso por tempo indeterminado. Eles são o acampamento Marielle Vive!, situado em Valinhos, o acampamento Paulo Botelho, no município de Jardinópolis, e o assentamento Luiz Beltrame, em Gália, que recebeu a suspensão no dia 29 de julho por ordem do Tribunal Regional Federal de São Paulo (TRF).
Localizado a 60 km de Bauru, no interior do estado, o assentamento Luiz Beltrame existe há cerca de seis anos enquanto território reconhecido judicialmente. Em 2014, as fazendas Portal Paraíso e Santa Fé foram desapropriadas do empresário Jorge Ivan Cassaro por crime ambiental e improdutividade, em favor das 77 famílias Sem Terra que, em 2009, iniciaram sua luta pela terra.
Lá são produzidas mandioca, batata doce, milho, feijão, maracujá, entre outros grãos, frutas e folhagens, além da produção animal e de derivados, como leite e queijo. Toda semana, são comercializadas mais de 100 cestas agroecológicas em Bauru, Marília e região.
No acampamento Paulo Botelho, as famílias ocupam uma área da antiga Rede Ferroviária Federal S.A. (RFFSA) administrada pela Secretaria do Patrimônio da União (SPU), antes utilizada ilegalmente por empresas para a produção de cana-de-açúcar e como lixão de rejeitos agroindustriais. Ao risco de despejo, se somam ações criminosas e intimidações provocadas por terceiros.
Em ofício publicado em 16 de junho, o Condepe denunciou o incêndio criminoso ocorrido no último dia 28 de abril no Acampamento Paulo Botelho, fato que abre suspeitas sobre possível intencionalidade no incêndio acontecido na tarde da quinta-feira (13), que atingiu alguns dos barracos das famílias acampadas.
Despejo Zero
Segundo o Condepe, a pandemia de Covid-19 demonstra de forma dramática as profundas desigualdades sociais na sociedade brasileira. Contrário às reintegrações, o órgão ressalta a existência de apontamentos na Constituição que protegem a dignidade da pessoa humana e que justifica a não remoção das famílias “enquanto perdurarem as necessárias medidas de isolamento social e de enfrentamento da doença”.
Diante da falta de responsabilidade de alguns setores do poder público com a garantia dos direitos humanos mais fundamentais em relação aos despejos e remoções durante a pandemia, mais de 40 organizações sociais e movimentos populares lançaram a campanha “Despejo Zero – Pela Vida no Campo e na Cidade”.
A iniciativa, composta por mais de 100 movimentos populares, entidades e organizações sociais, denunciou na Organização das Nações Unidas (ONU) a destruição da escola e a retirada das famílias do Quilombo Campo Grande (MG).
Nas redes sociais, a campanha contra a remoção mobilizou as hashtags #SalveQuilombo #DespejoZero e #ZemaCovarde. Após a operação que contou com cerca de 200 policiais armados, viaturas e helicópteros, o movimento busca apoio na solidariedade da população para reconstruir coletivamente a estrutura da escola e das moradias afetadas.
*Editado por Fernanda Alcântara