Professores driblam dificuldades para manter o acesso dos alunos à educação no campo

“Eu já estava insone, sem dormir direito, cabelo caindo e pensei: eu vou parar”, conta uma das alunas

Isoladas, escolas do campo precisam de alternativas diferenciadas de acesso ao ensino – Foto: MST

Por Mariana Castro
Do Brasil de Fato

O rio Grajaú tem 770km de extensão. O curso de água banha o estado Maranhão e deságua no rio Mearim, mas antes disso é caminho para muitos estudantes das áreas rurais do estado terem acesso à educação. No entanto, em março, devido à pandemia do novo coronavírus, as aulas foram suspensas e tentativas de manter o ensino vêm sendo testadas.

Desde agosto, um decreto do governo do estado tornou obrigatório o ensino remoto, o que tem sido um desafio ainda maior aos estudantes, pais e educadores.  

No Maranhão, quase 40% da população vive em áreas rurais (IBGE, 2010) e a maioria das escolas do campo não têm acesso à internet, é o que confirma a Pesquisa sobre o Uso das Tecnologias de Informação e Comunicação nas Escolas Brasileiras, de 2018.

De acordo com a pesquisa, 69% das escolas rurais do Nordeste não possuem nenhum computador com acesso à internet, e quando possuem, enfrentam o desafio de efetivação do uso por causa da baixa velocidade de conexão e falta de estrutura na região, que disponibiliza no máximo 2Mbps.


Assentamento Califórnia (MA)

O professor Elson Lopes, que atua na educação do campo há 13 anos na Escola Municipal Antônio de Assis, escola rural do Assentamento Califórnia, tem tentado driblar as dificuldades e manter o acesso dos alunos à educação. O assentamento fica há 14 km da cidade sede, Açailândia (MA) e a escola não tem sala de informática.

Com a suspensão das aulas no mês de março, em razão da pandemia do novo coronavírus, o ensino remoto foi adotado como alternativa para manter minimamente o ritmo escolar, e a partir de agosto, tornou-se obrigatório no Maranhão.

Mas segundo o professor, “nem todos os alunos têm acesso por meio de uma internet de qualidade ou por meio de um celular que suporte os vídeos e suporte os programas que possam estar conversando e recebendo as atividades.”

Professor Elson entrega fones de ouvido às mães de alunos que têm se destacado nas aulas online. / Arquivo pessoal

Outra preocupação apontada é o aumento da evasão escolar. De 19 alunos matriculados na sua turma, 14 começaram acompanhando as aulas, mas hoje são somente cinco com estabilidade de acesso.

“Liguei para as mães, perguntei o que estava acontecendo e a resposta era sempre a mesma: ‘Elson, minha internet não suporta, é fraquinha, meu celular também está muito ruim.” Nesses casos, os professores encaminham as atividades para a diretora da escola, que faz a impressão do material e entrega aos alunos semanalmente.

É muita criatividade dos professores, um ajudando o outro, é um trabalho coletivo

Para superar as barreiras, os educadores e a gestão contam com o trabalho coletivo e a colaboração de cada envolvido no processo pedagógico.

“É muita criatividade dos professores, um ajudando o outro, é um trabalho coletivo. Nós do campo temos uma preocupação muito coletiva, os assentamentos são formados por essa ideologia da coletividade, do trabalho unido […] quando um professor tem dificuldades com as aulas online, outro está lá ajudando.”

Outra questão é que os professores também não têm acesso à tecnologia e, diante da emergência precisam fazer investimentos do próprio salário, como aconteceu com o professor Elson.

“Eu tive que trocar minha internet por uma com mais gigas para poder suportar. Tive que trocar o celular e comprar outros equipamentos para as minhas aulas online. Então nós tivemos que fazer investimentos, porque afinal de contas, agora são instrumentos de trabalho, os meios de tecnologia.”

Famílias

Apesar da compreensão de que as novas tecnologias devem somar ao ensino, muitas pessoas acompanham distantes ou com muita dificuldade essa evolução.

Maria da Conceição é assentada no Califórnia e mãe de duas alunas da Escola Municipal Antônio de Assis, Maria Cecília, de 9 anos, e Gabriela Costa, de 12 anos.

Conceição compreende que está em uma situação mais confortável que muitas outras mães, pois além de ter acesso à internet, já foi educadora e atualmente não trabalha fora de casa. Além disso, Gabriela, a filha mais velha, ajuda a acompanhar as atividades da irmã mais nova.

Conceição não levaria as filhas para um possível retorno presencial. / Arquivo pessoal

Ainda assim, relata algumas dificuldades e lamenta a situação de outras mães. “Ela [a mais nova] ouve os áudios, assiste os vídeos do youtube que o professor manda, mas eu tenho que estar ali explicando o que tem que ser feito. Está puxado. Ela atrasou muitas atividades e estamos tentando atualizar, mas eu fico pensando: meu Deus, e se eu trabalhasse fora?”, desabafa Conceição.

Eu falo por mim, que tenho acesso à internet, tenho conhecimento lógico da didática e tenho disposição e condições de estar em casa […] mas tem mães que moram lá dentro, na roça, e às vezes vem aqui na vila só para baixar uma atividade para levar para os filhos fazerem.

Pressão Psicológica

A estudante Gilliane Costa, de 15 anos, é aluna do Centro de Educação do Campo Roseli Nunes e parou todas as atividades extracurriculares por causa da pressão psicológica, que chegou a provocar insônia e queda de cabelo.

Roseli Nunes é a primeira escola de ensino médio do campo do Maranhão, inaugurada em 2017 pelo governo Flávio Dino, por meio de reivindicações dos movimentos sociais. Localizada no assentamento Cigra, distante 18km do povoado Lagoa Grande, ela atende jovens dos municípios Lagoa Grande do Maranhão, Lago da Pedra, Itaipava do Grajaú, Marajá do Sena e Arame, todos entre os 30 com menor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do estado.

Gilliane (de óculos) percebe que a isolamento social intensificou o estresse e a pressão psicológica. / Arquivo pessoal

Costa tinha uma vida muito ativa, entre aulas de violão, caminhada, curso de enfermagem e atividades escolares. “Eu não estava entendendo porque meu cabelo estava caindo”, comenta ela entre saudosas lembranças dos colegas e professores.

“Eu entregava trabalhos pela metade, coisa que odeio, nunca gostei […] se eu ganhasse sete saía quase chorando da sala”, conta a estudante.

Com a pressão, decidiu cancelar tudo que, segundo ela, lhe fazia tão bem, para conseguir se dedicar apenas aos estudos. “Eu não vou endoidar. Eu já estava insone, sem dormir direito, cabelo caindo e pensei: não, eu vou parar.” 

Além do seu caso em particular, por diversas vezes ela relata preocupação com os colegas que, mesmo antes da pandemia, já tinham inúmeras dificuldades, como atravessar o rio Grajaú para poder chegar à escola. Hoje, muitos desses colegas sequer conseguem ter acesso às aulas e já desistiram do ano letivo.

Enem

A estudante explica que a escola apoiou a campanha pelo adiamento do Enem. Ela está tranquila em relação a isso e garante que prefere cuidar da saúde. “Acho engraçada essas propagandas da TV, eu fico aqui em casa só sorrindo. Eles contratam um branco, bota ali na TV dizendo ‘o Enem tem que ir, nós vamos pra frente’, tipo motivando as pessoas, mas eles não entendem quem está ali na zona rural trabalhando todo dia, na foice […] queria ver eles lá no lugar dos meus colegas tentando aprender alguma coisa e tendo que ir trabalhar, e também ficando em dúvida se ajuda o pai na roça ou vai na cidade tentar ter uma aula só.”

Edição: Leandro Melito