Artigo | Irresponsabilidade

Uma análise pessoal sobre a volta às aulas durante a pandemia

 

Acampamento Pátria Livre reconstrói escola do campo em Minas Gerais
Acampamento Pátria Livre reconstrói escola do campo em Minas Gerais. Foto: Arquivo MST

Por Maria Hermes Jóia*
Da Página do MST

No belo e ensolarado dia no qual escrevo esse manifesto, mais de duas milhões e setecentas mil pessoas estão diagnosticadas com o novo coronavírus, ou Covid-19. Funesta declaração, eu diria, porém nada menos que verdadeira; sua grande responsável, no entanto, reside nos corações de nossos governantes, chefes e manda-chuvas no geral: a irresponsabilidade. 

Quando eleitos, todos os governantes fazem um voto de cuidar e proteger o povo que o elegeu: ao menos são essas as palavras que permeiam tão notáveis discursos cuja lábia manifestam os nossos prefeitos, governadores e presidentes. No entanto, o descuido e o descaso com um possível – e palpável – desastre sanitário demonstra a falta de estrutura de nosso país para lidar com quaisquer abalos em nossos pilares. 

Mas a última coisa que poderia ser classificada como uma “medida de prevenção” é a retomada de atividades que envolvam o contágio e a disseminação do atual problema. A atividade em questão envolve a retomada das aulas presenciais em alguns estados do país, como o Rio Grande do Sul, a partir do mês de setembro, com mais de dois milhões de casos confirmados de Coronavírus assolando nosso país.

Tomo uma posição muito parcial e muito inflexível, confesso, quando afirmo a irresponsabilidade de entidades governamentais ao cogitar a possibilidade de realmente retomar às aulas em plena pandemia. Mas não desapego de tal posicionamento quando percebo que dois fatores lógicos de juntam: 

* O vírus se dissemina através do contato entre a pessoa portadora do vírus e a não-portadora, ou seja, muito mais em aglomerações; 
* Retomando as aulas presenciais pela economia, ou o que quer que seja, haverá, incontestavelmente, aglomerações que poderiam ser evitadas.

Posso afirmar, por experiência própria, o quão incômodas são as aulas online e o quão tediosa é a quarentena. Mas jamais trocaria tédio/incômodo por mortes que podem ser evitadas. 

A balança pende irremediavelmente para um só lado, mas a irresponsabilidade novamente cega as pessoas a tal ponto que essa balança é derrubada. Todo e qualquer bom senso é derrubado, e voltamos novamente à estaca zero. Acredito firmemente que as aulas não devam ser retomadas presencialmente até a disseminação de uma vacina, assim como qualquer outro tipo de aglomeração desnecessária. 

Além disso, devemos considerar a posição dos educadores durante tal pandemia. Da pré escola até as mais variadas graduações, milhares de educadores estão fazendo o que está a seu alcance para que o conhecimento não se dissolva, e, ao mesmo tempo, cuidando de si e dos seus para que o vírus não os atinja. Tudo isso por míseros dois mil reais carregados de impostos, diga-se de passagem.

O desgaste mental consequente de ser professor na pandemia destoa da situação de toda uma sociedade isolada, desestabilizada e fragilizada, mas, graças aos educadores, não perdida. Pausada, mas não perdida. O esforço envolvido na profissão de educador, combinado com a resistência em retornar às aulas presenciais, também demonstra e justifica todo o perigo que este infundado ato acarretaria. 

Em suma, sabemos que a educação é um dos Direitos Humanos mais importantes para a constituição da pessoa como ser social, mas não podemos educar mortos. O direito à vida é a primeira e fundamental necessidade a ser cumprida, pois a partir dela se pode usufruir dos outros direitos. Não retomemos as aulas enquanto não houver uma maneira segura de prevenção; não transformemos nossas escolas, lugar de construção do ser humano, em matadouros. 

Jóia, 02 de agosto de 2020 

*Maria Hermes
Época de pandemia mundial – Atividade de Língua Portuguesa
Educadora Marivani da Silva Martins Adler
Terceira série – Escola Estadual de Ensino Médio Joceli Corrêa

**Editado por Fernanda Alcântara