Organizações sociais anseiam que relatório da ONU colabore para enfrentamento à política brasileira do veneno
Da Terra de Direitos
A apresentação do relatório do ex-relator especial sobre substâncias e resíduos tóxicos da Organização das Nações Unidas (ONU), Baskut Tuncak, nesta segunda-feira (21), as 11h15 (horário de Brasília), como parte das agendas da 45ª sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU, deve reforçar a denúncia em âmbito internacional sobre a desastrosa política ambiental e de tratamento ao tema dos agrotóxicos pelo Estado brasileiro.
Após visita ao Brasil em dezembro do último ano, o agora ex-relator entregou ao organismo internacional na semana passada um contundente relatório sobre como o Brasil tem flexibilizado normativas e estimulado o uso dos agrotóxicos no Brasil, mesmo os de alta toxidade e proibido nos países de origem. “O enorme uso de agrotóxicos está resultando em graves impactos sobre os direitos humanos no Brasil”, destaca um trecho do documento. Com mandato encerrado em meados deste ano, o relatório será apresentado aos Estados-membros por Marcos Orella, novo relator para o tema já designado. Acesse aqui o relatório (documento em inglês).
“O relatório aponta o abismo de retrocessos em relação à garantia dos direitos humanos no Brasil nos últimos anos. Tanto que é a primeira vez que se recomenda que o Conselho de Direitos Humanos da ONU realize um inquérito internacional no país sobre os resíduos tóxicos, dentre eles os agrotóxicos.”, destaca a assessora jurídica da Terra de Direitos e representante da Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e Pela Vida, Naiara Bittencourt.
Durante a visita ao Brasil a Campanha Permanente entregou em mãos um dossiê sobre grave problemática dos agrotóxicos no país. O documento sistematizada um conjunto de medidas recentes adotadas pelo governo e dados de contaminação da população e meio ambiente. O material também relatava a obstrução de canais institucionais de diálogo entre a sociedade e o poder público, como o Consea, e a ocupação de assentos responsáveis pelo tema. Sob atual comando de Teresa Cristina, ruralista ex-presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) tem usado dos seus expedientes para avanço do registro desse produtos químicos. Na ocasião Baskut se comprometeu a analisar o dossiê e solicitou mais informações.
“De lá [da entrega do Dossiê] para cá a situação dos agrotóxicos no país só vem se agravando. Em menos de dois anos de governo já foram liberados 767 novas licenças para uso dos agrotóxicos. A gente espera que a divulgação do relatório e a cobrança de medidas criem, ao menos, um constrangimento ao governo brasileiro e a gente consiga barrar estes retrocessos todos”, destaca a integrante da Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e Pela Vida, Juliana Acosta. Mesmo com as atenções voltadas para a grave crise epidemiológica, desde o início da manifestação da Covid-19 no Brasil o Mapa já publicou 216 novos registros de agrotóxicos.
Com participação na agenda desta segunda, a Campanha Permanente e a Terra de Direitos devem reforçar como a adoção de projeto pelo Estado em favor dos venenos impacta especialmente o meio ambiente, trabalhadores rurais e comunidades em vulnerabilidade. Após apresentação do relatório por Marcos Orella e reação dos Estados-membros – entre eles o Brasil – a campesina Nivia Regina da Silva, integrante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), organização que compõe a Campanha, terá sua manifestação em vídeo exibida.
Inquérito internacional
Ainda que o conteúdo do relatório não tenha caráter vinculante, ou seja, Estado brasileiro não seja obrigado a adotar as medidas recomendadas pelo documento, a robusta denúncia apresentada pelo relator fragiliza ainda mais a relação entre o Brasil e países que defendem a adoção de uma política ambiental responsável. O fato ainda do Baskut propor ainda um inquérito internacional sobre a situação atual dos direitos humanos no Brasil, com foco especial em proteção ambiental, saúde pública e trabalho, eleva as atenções internacionais para o país.
“Se não for controlada, a situação no Brasil poderá se transformar não apenas em uma catástrofe nacional, mas também em uma catástrofe regional e global fenomenal, incluindo a destruição de nosso clima”, sublinha Baskut sobre os efeitos globais da política brasileira para o meio ambiente.
O instrumento do inquérito internacional é requerido apenas quando há quadro urgente e explícito de violação de direitos humanos. Deste o reestabelecimento da democracia no país esta é a primeira vez que o Brasil é alvo de uma sugestão de realização de uma investigação pela ONU. A última indicação de uma investigação pela ONU para contextos nacionais datava do período da ditadura.
Para que o desenvolvimento de um inquérito e uma sessão especial sobre o país ocorram é necessário que outro Estado-membro da ONU apresente um projeto de resolução e que este seja aprovado por voto da maioria. De todo modo a proposição acentua a tensão entre diplomacia brasileira e a dos demais países.
A apresentação do relatório ainda precede o discurso de Jair Bolsonaro (sem partido) nesta terça-feira (22) na 75ª Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas. A manifestação do presidente ocorre em meio à intensas críticas nacionais e internacionais sobre a condução do governo brasileiro para enfrentamento da pandemia e a intensificação das queimadas e desmatamentos no Brasil durante sua gestão.
Recomendações
No documento o ex-relator destaca o aumento de mais de 338% de consumo de agrotóxicos desde 2000 – o que posiciona o Brasil em um dos três maiores consumidores do mundo. Ele ainda sublinha o desrespeito a não pulverização em áreas próximas as escolas, casas e centros comunitários pela ação do agronegócio e a ausência de fiscalização adequada, na maioria dos casos. “A produção de alimentos e o crescimento econômico não são uma desculpa legítima para essas violações e abusos evitáveis”, declara.
Baskut ainda denuncia a expulsão de comunidades e povos tradicionais pela repetida contaminação criminosa de seus territórios. “Comunidades indígenas, afro-brasileiras e outras comunidades regularmente alegam que poderosos agronegócios borrifam agrotóxicos intencionalmente sobre eles como “armas químicas” para expulsá-los de suas terras, que os agricultores e pecuaristas desejam”, aponta outro trecho
O ex-relator ainda discorre no documento sobre a contaminação do solo, água e trabalhadores e a subnotificação de casos. Ele ainda destaca a liberação de novos registros e o esforço de bancadas legislativas em aprovar medidas de flexibilização para uso dos agrotóxicos. Ao final, Baskut Tuncak lista um conjunto de recomendações ao governo e empresas.
Veja no vídeo algumas destas recomendações:
*Livre tradução das recomendações.