Ameaça de despejo do assentamento Antônio Conselheiro, no Maranhão
Por Zé Luís Costa
Da Página do MST
Com 18 anos de existência e de muitas lutas, o assentamento Antônio Conselheiro foi surpreendido no dia 13 de setembro com a presença de um oficial de justiça para a notificação de reintegração de posse. Os assentados e moradores daquela comunidade ficaram apreensivos por conta de deixar em sua terra sua história e aquilo que já produziram nesses anos.
Em dezembro de 2002, o assentamento tinha 158 famílias cadastradas e e mais alguns encostados – como são chamados as pessoas que habitam no local e não têm cadastro –, parentes desses assentados, filhos que constituíram famílias. Hoje, ao todo, são aproximadamente 1.000 moradores no espaço.
O assentamento Antônio Conselheiro foi constituído após uma ocupação em outra área, sendo que, por conta de algumas determinações do governo federal à época, a terra ocupada não seria desapropriada. As famílias despejadas da área ficaram acampadas em frente ao assentamento Califórnia, às margens da BR-010 (Belém-Brasília), permanecendo no local de três a seis meses. Enquanto isso, o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) resolveu vistoriar áreas da região para a alocação dessas famílias. E, depois das vistorias o Incra, a instituição encontrou uma área devoluta da Fazenda Passo Livre e encaminhou as famílias acampadas no assentamento Califórnia para o espaço, que se transformou no assentamento Antônio Conselheiro.
Consolidado, foram criadas duas associações no assentamento que caminhavam sempre nos mesmos rumos, reivindicando melhorias e projetos para produção na agricultura pecuária. Assim, elas conseguiram aprovação em vários projetos, sendo o principal deles o Pronaf (Programa Nacional para a Agricultura Familiar). Algumas famílias passaram a cultivar a terra e criar gado e bodes, enquanto outros investiram em plantios de caju, urucum (corante) e plantaram macaxeira para fazer farinha. Trata-se um pouco da economia do lugar, na cidade de Bom Jardim.
Ethiel da Silva Sobral é filho de assentado, professor e lavrador. Ele possui magistério e concurso na prefeitura municipal da cidade de Bom Jardim, além de curso de especialização em Educação do Campo e vive no Antônio Conselheiro.
“Comecei trabalhar lá, no campo, sou lavrador e professor. Primeiro lavrador né [sic]… Minha primeira experiência com o cultivo foi no Antônio Conselheiro. Em seguida estudei magistério. Depois consegui fazer formação de nível superior. Fiz concurso. Passei e em seguida uma especialização em Educação do Campo. Para mim, filho daquela luta, será uma enorme decepção se tivermos que sair de lá”, afirma Sobral.
Ele acrescenta que, desde que começou a ter um pouco mais de consciência crítica, foram vários os pedidos de reintegração de posse por parte dos ditos herdeiros da fazenda ao lado. E argumenta: “Esse pedidos de reintegração de posse são pelo fato da terra onde hoje é o assentamento ser em uma área devoluta”.
Ethiel afirma ainda que o pedido de reintegração de posse é para Fazenda Rio Verde, vizinha ao assentamento. E que é um pedido de dois irmãos, que na época dos primeiros pedidos de reintegração de posse, ainda tinham dez e 11 anos e por isso não faz sentido esses pedidos reiterados hoje.
O Processo
Quem acompanha o processo de reintegração de posse é o advogado Aldenir Gomes da Silva, estudante de Pós-Graduação em Economia e Desenvolvimento Agrário e especialista em Direito Processual Civil, formado na segunda turma de Direito da Terra pelo Pronera. A ação foi movida pelo fazendeiro em apertada síntese, que aciona o Poder Judiciário, sob alegação de que “são legítimos possuidores do imóvel rural denominado ‘Fazenda Rio Verde’, localizada também no município de Bom Jardim, Estado do Maranhão”.
“Mediante a referida alegação, ajuíza ação de reintegração de posse com pedido de liminar no ano de 2010, contra as pessoas de Nanau, Dani, Sirnandes, Alex, Messias, Magno, Carlos, Neto e Francisco de Tal, sob alegação de que essas pessoas são as verdadeiras esbulhadoras do imóvel acima mencionado”, afirma o advogado, acrescentando que o fazendeiro alega que as pessoas que vivem no assentamento Antônio Conselheiro, embora estes relacionados nunca tenham sido localizados na área e nunca fizeram parte do assentamento.
Segundo a apuração para matéria, por ausência de prova, o Juiz da Comarca de Bom Jardim negou o pedido em sede de liminar. Houve interposição de agravo de instrumento e a mesma decisão foi mantida, e assim, essas decisões são importantes para a manutenção das famílias no assentamento.
Por outro lado, as pessoas citadas jamais foram encontradas. Além disso, a área reivindicada pelos fazendeiros é cheia de dúvidas sobre a sua existência, além de não possuir nenhuma relação com a área que cedeu a criação do assentamento Antônio Conselheiro, pois esta área já era da União e foi arrecada por meio da portaria/INCRA/SR-12 Nº 0034/2003 para criação do assentamento.
Segue trecho do processo: “…Liminarmente os fazendeiros não conseguiram obter a reintegração de posse das famílias, por outro lado houve omissão do INCRA em manifestar-se no tempo certo, para realização da defesa do Assentamento no processo. As famílias conseguiram fazer uma reunião com o superintendente interino do INCRA em São Luís-MA no dia 15/09/2020. No qual se comprometeu a fazer a devida intervenção no processo, para evitar qualquer decisão adversa a manutenção das famílias assentadas em seu território.”
Aldenir continua: “Diante disso não resta dúvidas que as famílias que residem no Assentamento Antônio Conselheiro foram devidamente assentadas pelo próprio INCRA no ano de 2002. Que apresentou como alternativa, tendo em vista que elas necessitavam de terra para morar, trabalhar e assim, produzirem a existência. E que logo em seguida consolidou o Projeto de Assentamento.”, finaliza.
Esse processo faz parte da demanda de despejos contra Sem Terra e outras comunidades tradicionais espalhadas pelo Brasil, em situações parecidas com a de Antônio Conselheiro. Nesse sentido, a maneira perversa, grosseira e infundada que a requerente utiliza ao tratar dos assentados é descabida e digna de total repúdio, pois, as famílias que residem no assentamento possuem posse legal e não utilizam de qualquer meio fraudulento ou ilegal para residirem na área.
*Editado por Fernanda Alcântara