156 anos da Primeira Internacional
Por Reynaldo Costa
Da Página do MST
As décadas que antecederam o ano de 1864 na Europa apresentavam uma expansão comercial e industrial nas principais economias do continente, ao mesmo tempo que a super-exploração dos trabalhadores aumentavam. Também aumentaram os impostos sobre a população, e nada se apresentava sobre a proposta de melhoria nas condições de trabalhos dos operários e de camponeses que viviam em condições miseráveis, principalmente nos países do Reino Unido.
O período foi também de expansão de várias organizações trabalhistas, como a Liga dos Comunistas de Marx e Engels; ainda havia partidos revolucionários de trabalhadores, associações e sindicatos que buscavam um diálogo com a burguesia e governos reivindicando direitos trabalhistas, como redução da jornada de trabalho. O cenário era de luta entre trabalhadores contra a burguesia que enriquecia aceleradamente às custas dos mais pobres. E nesse cenário que surge a Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT), também conhecida como Primeira Internacional,
Fundada em 28 de setembro de 1864, a AIT foi puxada em um encontro com mais de 2 mil trabalhadores realizado a Inglaterra um ano antes, e contou com delegados de organizações operárias inglesas, francesas, italianas, alemãs, suíças e polonesas. A Primeira Internacional foi a primeira organização operária a superar fronteiras nacionais, reunindo membros de todos os países europeus e contava também com operários dos Estados Unidos.
A organização abrigou em seus espaços trabalhadores das mais diversas correntes ideológicas de esquerda, desde os comunista marxistas até anarquistas bakuninistas e proudhonianos, além de sindicalistas, reformistas, republicanos e democratas radicais e cooperativistas.
A Internacional foi fundamental para o desenvolvimento do movimento operário europeu, apoiando greves, sindicatos, grupos de resistência dos mais variados, e ter prestado apoio à Comuna de Paris, considerada o primeiro governo operário da história, iniciado em março de 1871 na capital francesa, desta muitos dos membros da Internacional participaram.
Entre 1866 e 1872, foram realizados cinco congressos gerais, onde eram discutidas questões de interesse da classe trabalhadora como: as condições de trabalho do proletariado da época, as relações de trabalho, a função e importância dos sindicatos, a coletivização da terra e dos meios de produção, e outros tantos temas.
Ainda neste período, os congressos aprovaram diversas resoluções, como a promoção da solidariedade e colaboração entre os operários em lutas por toda a Europa, a promoção do trabalho cooperativo, a redução da jornada de trabalho para oito horas e melhores condições de trabalho, sobretudo para mulheres e crianças. Estima se que neste período a AIT já somava mais de 150 mil membros.
Papel de Marx
A organização era dirigida por um Conselho Geral, que tinha Karl Marx como um de seus dirigentes. Apesar de já ter lançado o manifesto comunista, Marx foi incumbido de redigir a mensagem inaugural da AIT e seus estatutos gerais por ser o único membro do comitê capaz de se exprimir em francês, alemão e inglês. Posteriormente teria uma grande relevância da condução da Organização para o campo socialista.
Marx foi conciliador e nos documentos da organização sempre deu vozes aos diversos grupos heterogêneos, garantindo que fosse uma organização firmemente classista e que ambicionava ser de massas e não sectária. Ele valorizava as melhores ideias dos vários componentes da organização, ao mesmo tempo que eliminou inclinações corporativas e sectárias, produzindo uma síntese política de todas as tendências presentes nos diversos contextos nacionais.
A Primeira Internacional se desenvolveu e cresceu no período precedente à Comuna de Paris. Não se manteve à margem dos problemas cotidianos do proletariado. Pelo contrário, estava constantemente envolvida nos trabalhos práticos do movimento operário. Reivindicou a igualdade entre homens e mulheres e lutou pela melhoria das condições da mulher e dos jovens, que eram os que mais sofriam a opressão do capitalismo. Em abril de 1865 a organização se abriu à militância das mulheres e a AIT desenvolveu uma série de consignas para a mulher trabalhadora.
Legados
A Primeira Internacional foi fundamental para a luta dos trabalhadores em todo o mundo, já em sua fundação a organização teve a criação de um fórum internacional de discussão para examinar, os principais problemas relacionados aos trabalhadores sob uma ideologia inicialmente marcada por lemas gerais de caráter ético–humanitário, tais como a fraternidade entre os povos, por isso era chamada de Associação Internacional dos Trabalhadores.
Para o Jornalista e historiador Miguel Stedile, um dos grandes legados da Primeira Internacional foi revelar, deste o seu início, que a luta socialista é uma luta internacionalista. “Era natural daqueles lutadores e lutadoras de que a libertação da classe trabalhadora só poderia se dar em escala internacional, e não apenas em nível local ou nacional” aponta Miguel, que também é membro da Direção Nacional do Movimento Sem Terra.
Ele acrescenta que “o exemplo do internacionalismo foi a emergência da Comuna de Paris, onde vários associados a AIT, de diferentes países se somaram ao povo parisiense contra a opressão”. Segundo o historiador, isso foi fundamental pois se compreendia que a burguesia, inimiga dos trabalhadores, não se movia só por interesses nacionais, mas sim atua para além das fronteiras de seus países. “Não existe luta socialista se não for uma luta internacional”, observou.
O entendimento às diferencia também é um legado da AIT que teve muitas tendências distintas entre si. Israel Dutra, sociólogo, secretário de relações internacionais do PSOL e militante da Quarta Internacional, aponta a diversidade de pensamento como uma conquista do movimento. “A AIT, reuniu não só sujeitos marxista como também outras correntes de pensamento da época: proudhonistas, sindicalista, anarquistas, anacos-comunistas… A Primeira Internacional foi uma unidade de ação, uma frente única entre diferentes tendências do movimento operário”.
Na vasta composição da AIT o sindicalismo inglês eram de dirigentes com maioria reformistas, interessavam-se sobretudo por questões de caráter econômico, lutando pela melhoria de condições dos trabalhadores mas sem colocar o capitalismo em discussão.
Outro ramo significativo da organização, inicialmente dominante na França e na Bélgica, os proudhonistas, seguidores de Pierre-Joseph Proudhon, eram defensores de um sistema cooperativo sobre uma base federalista, não acreditavam na ação política das classes operárias e acreditavam ser possível modificar o capitalismo mediante o acesso igualitário ao credito. Muito forte também foi a presença dos comunistas, representados por Karl Marx, com ações principalmente na Alemanha, suíças e em Londres, os comunistas se opunham ao sistema de produção capitalista, reivindicando a necessidade da ação política para sua derrubada.
Sem menos relevância, os camponeses também se fizeram presenteeis desde o início AIT munidos de concepções democráticas eram principalmente dos países do Leste Europeu. Por fim, vários grupos de trabalhadores franceses, belgas e suíços também aderiram à Internacional.
Outro legado de extrema importância produzida pela a AIT é a solidariedade entre classes, desde o início de sua construção o movimento expandiu pela Europa um sentimento de solidariedade entre os trabalhadores independente do pais e isto era apresentado como princípio nos documentos da organização.
“Nosso objetivo é elevar os salários dos operários pior remunerados, e não permitir que nossos empregadores nos joguem uns contra os outros e nos empurrem, assim, para a condição mais baixa possível, adequada a sua busca avarenta pelo lucro.” Parte do texto preparatório do encontro que consolidaria a fundação da Primeira Internacional, se observa nele a clareza da solidariedade e a preocupação que a organização tinha com trabalhadores de todas as nações.
A Primeira Internacional começa a ter divisão a partir dos debates da tática e estratégia de como os trabalhadores poderia de fato melhorar suas condições de vida, dividiu-se em 1872, onde se definiu a conquista do poder político como uma meta a ser alcançada pelo movimento operário. Em 1876 a organização foi dissolvida, mas seu legado e os debates acerca da organização dos trabalhadores no mundo todo produziram posteriormente outras três Internacionais, além de muitos movimentos do campo e da cidade que lutam pela liberdade concreta de trabalhadores e trabalhadoras.
*Editado por Fernanda Alcântara