São muitas terras em poucas mãos
Por Lays Furtado
Da Página do MST
Estudos do Censo Agropecuário de 2017 divulgados pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), que utilizam o índice Gini para medir as desigualdades sociais na distribuição de terras, mostram que a pontuação brasileira está acima de 0,86. O Gini é uma medida internacional que vai de 0 a 1, quanto mais próximo de 1 maior a desigualdade pontuada.
Tendo em vista esse parâmetro, as maiores concentrações de terras no país ocorrem nas regiões produtoras de grãos para abastecer o mercado exportador de commodities, com destaque para as regiões Nordeste, Centro-Oeste e Norte.
Considerando as regiões que englobam o Norte e Nordeste, se destaca a área conhecida como Matopiba ou Mapitoba – zona que abrange parte do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia–. Em área dominada por latifúndios, destinados a pecuária extensiva e monoculturas intensivas de grãos, sobretudo de soja (53%), milho (16%), arroz (12%), algodão (8%) e feijão (4%) (IBGE, 2016b).
O avanço da fronteira agrícola e as implicações da desertificação do Cerrado
A região Matopiba é predominada pelo bioma Cerrado, marcado pela ocorrência de pequenas áreas do bioma Amazônia e Caatinga. Contudo, ao longo dos últimos anos, o próprio Ministério do Meio Ambiente (MMA) divulgou nota em seu portal, advertindo que a expansão da monocultura e da pecuária para exportação tem sido a principal ameaça à biodiversidade do Cerrado.
Ainda segundo dados do Ministério do Meio Ambiente (MMA) divulgados em 2013, há 46 Unidades de Conservação Ambiental em Matopiba. Além de 35 Terras Indígenas (TI) presentes em 12 das 31 microrregiões inseridas na região, confirmadas pela FUNAI (Fundação Nacional do Índio). Já o INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) informa que na área há 745 Assentamentos Agrários, além de 36 Quilombos, este último dado confirmado pela SEPPIR (Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial).
Em convergência com o alerta do próprio MMA, estudos de organizações ambientais apontam que, se o ritmo atual de destruição desse bioma se mantiver, há previsões de que sua extinção ocorra dentro de 10 anos.
A tragédia pré-anunciada da destruição do Cerrado via processos de desertificação se intensifica com o aumento dos latifúndios. Isso compromete as condições de vida das comunidades e unidades de conservação presentes no território. Também afeta o abastecimento de água potável em várias regiões do Brasil, já que o fim do bioma Cerrado representaria a extinção dos grandes mananciais que abastecem diversas bacias hidrográficas do país.
Agronegócio continua estruturando desigualdades históricas
Toda a área do imenso Matopiba está composta por 337 municípios distribuídos por 73 milhões de hectares, ocupada por 6,3 milhões de habitantes. É atravessada pelas principais bacias hidrográficas das regiões Norte/Nordeste. E apesar de seu grandioso potencial agrícola, esconde muitas especificidades, uma vez que há uma enorme disparidade social, econômica e produtiva, como apontam pesquisadoras/es.
Atualmente, Matopiba é a fronteira agrícola em destaque no país, com participação de aproximadamente 10% no total de grãos produzidos em 2016. “Os dados do PIB mostram que o produto gerado na região cresce acima da média nacional. Porém ainda é mal distribuído, inclusive tendo havido aumento da concentração de renda em algumas localidades”. Informam especialistas do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), sobre os aspectos socioeconômicos de Matopiba, publicados em 2018.
Ou seja, a produção economicamente expressiva à nível nacional, tem gerado riquezas que ainda estão sendo mal distribuídas na região. A concentração de terras aumenta versus a renda das/os trabalhadoras/es rurais e os índices de IDHM (Índices de Desenvolvimento Humano), que é médio e baixo na maior parte do território de Matopiba.
“Isso pode vir a forçar ainda mais a estrutura para um viés mais desigual, o que reflete na renda e no desenvolvimento local. Sem esquecer também a questão hídrica, pois o oeste baiano, área de grandes propriedades, abriga um aquífero, tornando-se uma região de disputa de água, principalmente em Correntina (Bahia), que tende a se agravar num contexto de alta concentração fundiária.” – aponta Caroline Nascimento Pereira, pesquisadora do PNPD (Programa de Pesquisa para o Desenvolvimento Nacional), na Diretoria de Estudos e Políticas Regionais, Urbanas e Ambientais (Dirur) do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada); em artigo publicado no último ano, sobre a estrutura agrária de Matopiba.
Mapa da desigualdade atualiza dados sobre a concentração de terras no Brasil
Novas métricas de estudos que consideram a malha fundiária brasileira em conjunto ao cruzamento de dados de proprietários de imóveis rurais, localizam o crescimento da concentração de terras. Pois o relatório “Quem são os poucos donos das terras agrícolas no Brasil – Mapa da desigualdade”, publicado este ano, confirma:
“O estrato dos 10% maiores imóveis ocupam 73% da área agrícola do Brasil, enquanto o estrato dos restantes 90% menores imóveis ocupa somente 27% da área. Em todos os estados brasileiros os 10% maiores imóveis detêm mais de 50% da área. Em 6 estados e no Matopiba os 10% maiores imóveis detêm mais de 70% da área. Para todas as regiões do país, poucos imóveis (17 para a região Norte e 125 para o Centro-oeste) ocupam mais de metade da área dos imóveis da região.”
Por essas e outras fontes, podemos notar que as tendências regionais, também se aplicam em problemáticas de abrangência nacional.
“A não aplicação de instrumentos de política agrária e o fortalecimento e priorização da política agrícola para grandes produtores empresariais de fato alimentou um processo de especulação imobiliária, grilagem, violência, desmatamento, concentração da produção e renda agropecuária e aumento da desigualdade e exclusão social. Em resumo, uma política de crescimento econômico ao invés de desenvolvimento rural sustentável.” – concluem especialistas que elaboraram o “Mapa da desigualdade”.
Considerando que a concentração de terras nunca foi enfrentada no Brasil, esses estudos evidenciam a importância da reforma agrária e demarcação de terras para a diminuição das desigualdades estruturais no país. Salientando o alerta de que medidas como o Marco Temporal e MP 910 devem agravar ainda mais as violências adjuntas a concentração fundiária.
Conflitos, violência no campo e a MP da Grilagem
De acordo com a 34ª edição do relatório de “Conflitos no Campo Brasil 2019” – lançado ainda no início da pandemia do coronavírus –, foram registrados uma média de 5 conflitos por dia. Ao todo, somam 1833 conflitos por terra, 489 por água e 90 por trabalho. Em meio à esses conflitos, 35.553 famílias sofreram violências no campo no Nordeste, e ao todo cerca de 860 mil pessoas foram afetadas em todo o país.
Na grande região Nordeste, por anos consecutivos, concentrou-se a maior quantidade de disputas por territórios, onde o Maranhão é área em destaque em relação a quantidade de famílias e extensão territorial envolvidas.
A parte leste do estado maranhense está integrada à zona definida como Amazônia Legal (AML). E é justamente nesta região Amazônica, distribuída em nove estados, o novo foco dos conflitos nas zonas rurais. Só no último ano, mais de 100 mil famílias foram afetadas na região, cerca de 6 mil com expulsões e despejos. O que representa cerca de 60% dos conflitos do campo ocorridos no Brasil em 2019.
É também na região da Amazônia onde se concentrou índices de violência extrema, com 27 (84,4%) dos 32 assassinatos registrados no último ano, considerando quase um terço dessas mortes de indígenas. Entre 1985 e 2018, 1938 pessoas foram executadas em conflitos por terra, água e trabalho, desse total 92% dos casos continuam impunes.
Dados do mesmo relatório elaborado pela CPT (Comissão Pastoral da Terra), também apresenta artigo da jornalista Eliane Brum, que destaque: “Sob o Ministério Contra o Meio Ambiente, a Amazônia literalmente queima”. Onde a autora comenta como a tomada da Medida Provisória 910/2019, favorece a legalização da grilagem de terras, pistolagem e o aumento da violência no campo, ampliando a “Miliciarização da Amazônia, onde o crime vira lei”.
Por outra parte, entre as categorias camponesas identificadas pela CPT, “a que mais sofreu tentativas de desterritorialização provenientes do Estado foi a categoria Sem Terra, representando 46,67%. Em seguida, foram as famílias posseiras, com 23,25%, e as comunidades tradicionais com 22,86%. Já com relação às tentativas de expulsão protagonizadas pelo poder privado, as Comunidades Tradicionais foram as que mais sofreram este tipo de violência, correspondendo a 45,76%. Em seguida, foram as famílias posseiras com 30,50%, e as famílias Sem Terra com 16,10%.”
Além disso, os conflitos por água tem crescido assustadoramente ano a ano, em 2019 bateu recorde com um acréscimo de 77% referente ao ano anterior, em vista do assédio do hidronegócio. É o maior número de ocorrências desde que a CPT começou a registrá-los em 2002.
Diante desse quadro, é possível verificar que se o Nordeste foi nos últimos anos o foco de disputas territoriais, há uma intensificação dos conflitos por terra que tem sido aberta pela nova fronteira agrícola rumo ao Norte – nas margens adentro do Cerrado em direção a Amazônia.
Por tanto, enfrentar a crescente concentração de terras nessas regiões e em todo o país é um aspecto fundamental para reduzir as desigualdades sociais, a concentração de riquezas, os desmatamentos e desertificações; que geram diversas violências no campo devido, sobretudo, aos interesses do agronegócio e sua ânsia pelo capital contra à vida e a natureza.
*Editado por Fernanda Alcântara