Trabalho doméstico e os desafios das mulheres Sem Terra
Por Jamile Araújo
Da Página do MST
O trabalho doméstico no Brasil foi historicamente atribuído às mulheres. Tendo a responsabilidade por garantir a limpeza da casa, a comida, o cuidado com a educação e saúde dos filhos, com as roupas de cama e as roupas individuais de todos os que residem na casa. Por vezes, essas atividades se somam ao trabalho realizado pelas mulheres fora de casa, fazendo com que a jornada de trabalho seja duplicada ou triplicada, em alguns casos.
Além de muitas vezes não remunerado, os trabalhos domésticos, que garantem as condições de produção e reprodução da vida, não são valorizados e acabam sendo invisibilizados. Em 2019, as mulheres gastavam 21,4 horas por semana com afazeres domésticos e cuidado de pessoas. Esta carga horária representa quase o dobro do que os homens gastaram com as mesmas tarefas (11 horas). E mesmo trabalhando fora, as mulheres gastavam 8,1 horas a mais nas obrigações domésticas que os homens, segundo Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgada em 2020. Esses dados apontam uma divisão desigual entre mulheres e homens nos afazeres domésticos.
A região Nordeste apresentou maior discrepância na média de horas dedicadas aos afazeres ou aos cuidados entre mulheres e homens ocupados (9,1 horas).
Desde o início da pandemia do novo coronavírus e suas consequências, como o isolamento social e a adoção de medidas para higienização, as demandas de trabalhos doméstico aumentaram. Consequentemente, aumentou o trabalho para as mulheres, tanto para as que que estão trabalhando fora, quanto para as que estão trabalhando no home office, pois com a suspensão das aulas presenciais, que estão sendo realizadas online/remotamente, surgiram demandas de cuidados nos períodos em que, antes da pandemia, os filhos estariam nas escolas; maior demanda nas tarefas de preparo das refeições, limpeza da casa e das roupas, além de cuidados com os membros da família adoentados ou enlutados, uma vez que já foram mais de 140 mil óbitos e mais de 4,8 milhões de casos registrados da Covid-19 no país.
Margarida Silva, da Direção Nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) no Alagoas, diz que não há dúvidas de que são as mulheres que têm sofrido mais os impactos da pandemia com o isolamento social. “Seja os impactos e consequências na vida das mulheres do ponto de vista do aumento dos afazeres da casa, com os trabalhos domésticos, ou com o aumento da violência doméstica. Porque seus agressores estão em casa, e passando mais tempo com elas em casa, temos visto o aumento da violência doméstica contra as mulheres. E esse tem sido um fator que nós temos que denunciar e buscar formas de proteger as mulheres”, afirma Margarida.
A dirigente destaca que para as mulheres do campo, que também tem os afazeres com a roça, a pandemia trouxe grandes impactos e desafios.
“Não estamos tendo políticas públicas voltadas para a produção de alimentos saudáveis. Para vocês terem uma ideia, a Lei da Agricultura Familiar 735, passada pelo congresso nacional, pelo senado, o presidente Bolsonaro vetou quase na sua totalidade. Então lutamos por uma política de reforma agrária que possa avançar na organização da produção e comercialização que tenha como prioridade políticas públicas para as mulheres, entendendo que a partir da autonomia financeira das mulheres, poderá avançar e se livrar de seus agressores”, pontua Silva.
No que diz respeito ao trabalho doméstico, Margarida explica que é possível organizá-lo de forma igualitária. “De maneira que os afazeres domésticos e da roça sejam divididos com a família, pois não é só tarefa da mulher ou da filha. É tarefa de todos”, conclui.
As mulheres Sem Terra constroem a campanha das “Mulheres Sem Terra Contra os vírus e as violências“, buscando fazer ações de combate a violência contra as mulheres e os impactos da pandemia na vida destas. “Temos feito reuniões com debates sobre o combate a violência, e avançado bastante nesse processo de conscientização e de formação. Temos buscado, a partir da organização, a autonomia financeira das mulheres, seja no campo ou na cidade”, finaliza Margarida.
*Editado por Fernanda Alcântara