Che Guevara inspira luta pela Reforma Agrária no sudeste do Brasil
Por Clivia Mesquita Danielle Mello e Julia Giménez/Redação MST Sudeste
Da Página do MST
“Tu mano gloriosa y fuerte, sobre la historia dispara / Cuando todo Santa Clara, se despierta para verte”, canta o trovador cubano Carlos Puebla em homenagem ao Che Guevara em “Hasta Siempre, Comandante”. O fragmento narra um momento fundamental do processo revolucionário cubano, quando, em dezembro de 1958, o Exército Rebelde sob o comando do Che venceu na cidade de Santa Clara às forças do ditador Fulgencio Batista, fator determinante para a vitória revolucionária.
Desde então, o Che ficou nas páginas da história como uma das figuras mais importantes do século XX. E, mais do que isso, seu exemplo inspira os povos que querem escrever a sua própria. Hoje, numerosos assentamentos, acampamentos, escolas populares, coletivos e brigadas da Nossa América levam o nome do grande lutador popular. Na região sudeste do Brasil, três territórios de Reforma Agrária carregam seu legado.
É o caso do primeiro assentamento do MST São Paulo na Regional do Pontal de Paranapanema, que há 29 anos segue produzindo alimentos saudáveis no município Mirante do Paranapanema, fronteira com o Paraná. Como se a terra tivesse escolhido o novo nome, foi no dia 1 de Setembro 1991, quando 150 famílias em luta ocuparam a Fazenda Santa Clara, uma área de grilagem, que desde então leva o nome Che Guevara.
“Eu conheci o Che antes de conhecer ao MST. Tinha 16 anos, na década de oitenta, e comecei a participar das lutas operárias em São Bernardo do Campo”, relembra José Venzel, antigo militante da regional.
“A partir daí, comecei a fazer algumas leituras, admirei muito os posicionamentos do Che e fui formando meus próprios ideais. Mas foi nos anos noventa, quando participei da ocupação da Fazenda Santa Clara, e ingressei no MST, que me inspirei nos valores de companheirismo e solidariedade do Che”, completa Venzel.
O nome do Che Guevara foi escolhido já nos primeiros dias da ocupação. Deu nome ao núcleo de base do qual José e outras famílias acampadas faziam parte, até que finalmente se converteu no nome da área. “Foi a partir do Che Guevara e do assentamento Che Guevara que me tornei um militante”, diz José.
Histórico de luta do MST: Che presente!
O assentamento Che Guevara deu início à luta do MST na região do Pontal do Paranapanema, que compreende 32 municípios de São Paulo e 117 áreas de Reforma Agrária. Só em Mirante do Paranapanema existem 36 áreas destinadas à Reforma Agrária e 48% da população é do meio rural. Contudo, a luta não foi fácil e esteve marcada pela disputa com os grandes fazendeiros, alguns ligados a União Democrática Ruralista (UDR), ávidos pela exploração da Mata Atlântica que ocorre na região, explica José.
A grande produção agroecológica e os circuitos de comercialização desenvolvidos pelos assentados e assentadas do Pontal tem fomentado a economia do município e da região. Hoje, apesar da falta de investimento na agricultura familiar, o assentamento Che Guevara é constituído por 70 famílias dedicadas à pecuária leiteira e à produção de legumes e hortaliças. Ademais, conta com infraestrutura que privilegia o desenvolvimento do assentamento com escola de educação do campo, posto de saúde e agrovila.
“Eu tenho orgulho de fazer parte dessas história do Pontal que começou no assentamento Che Guevara. Já somos três gerações que fazem parte desta luta cultivada no companheirismo e na solidariedade do Che”, exalta José Venzel.
No Rio de Janeiro, outro assentamento Che Guevara também marcou os primeiros anos de luta do MST pela Reforma Agrária, desta vez em Campos dos Goytacazes, no norte fluminense. Assim como outros assentamentos da região, o Che Guevara foi resultado da falência de um latifúndio canavieiro. A exploração da terra e dos trabalhadores para atender aos interesses capitalistas das usinas de cana de açúcar é uma das atividades agroindustriais mais antigas de Campos (RJ).
Os antigos proprietários da Usina Santo Amaro eram os cubanos De La Riva, que teriam se refugiado da Revolução liderada por Che e Fidel Castro nos Estados Unidos e depois no Rio de Janeiro, mais precisamente em Campos. A ironia consagrou o novo nome da terra ocupada na madrugada do dia 4 de janeiro de 1998, explica o assentado David Nascimento.
“Por mais que o capital queira aniquilar a vida das pessoas, a história de luta, o espírito revolucionário e a sede de fazer justiça continuam. O ex-proprietário da usina veio pra cá correndo da revolução cubana. Ou seja, ele foi derrotado de qualquer maneira. Não tinha oportunidade melhor de colocar o nome Che Guevara no assentamento”, afirma David Nascimento do Setor de Produção do MST.
O assentamento Che Guevara no Rio de Janeiro foi oficializado pelo Incra nos anos 2000 e beneficiou 74 famílias Sem Terra e ex-trabalhadoras da Fazenda Marrecas. As principais produções são de quiabo, coco e cana. “O que mais gostei dessa história toda foi que alguém teve a ideia e sugeriu que o nome do assentamento fosse Che Guevara durante uma assembleia. E por ironia do destino, mesmo estando morto, Che continua fazendo revolução no mundo”, constata David, que integra o assentamento desde as primeiras semanas de ocupação.
A escolha do nome foi unânime devido à trajetória do fazendeiro, e a admiração pela figura do revolucionário se consolidou entre os assentados, inclusive entre aqueles que não conheciam Che. “Ele era argentino, mas correu atrás do sonho de ajudar a humanidade contra todo sistema opressor do capitalismo selvagem. Sou fã número um”, finaliza David.
O assentamento Che Guevara foi a segunda ocupação do Movimento em Campos, apenas um ano após a tomada da Usina São João, transformada no assentamento Zumbi dos Palmares (1997). O setor da cana de açúcar teve fortes conexões com a ditadura civil-militar no Brasil. No caso da Usina Cambahyba, no norte fluminense, o complexo industrial foi utilizado para incinerar desaparecidos políticos do regime.
Che continua exemplo de luta
O mais recente assentamento que carrega o legado do argentino Che Guevara no sudeste do Brasil existe há 15 anos no Espírito Santo. A inspiração para a escolha do nome se deu a partir de diversas personalidades que tombaram na luta. Listados entre eles, estava o de Che. A partir de então, com 630 hectares e 44 famílias, se consolida o assentamento Che Guevara localizado no município de Mimoso do Sul, parte da Regional José Marcos de Araujo.
“Che Guevara sempre foi um exemplo para nós, um militante que, além de médico, trazia em suas atuações uma grande importância na luta por uma nova sociedade, na luta de classes, e deu muitos exemplos para nossa luta”, diz Ivan Pereira, da Coordenação Estadual do MST.
Já nos anos 2000, outro acampamento Ernesto Che Guevara foi levantado no Espírito Santo. Desta vez em São João do Sobrado, município de Pinheiro. A ocupação se deu com o objetivo de barrar uma plantação de eucalipto e recebeu o nome Che Guevara. Cerca de 15 famílias permaneceram no local por um breve período de tempo, como lembra Ademilson Souza, da Coordenação Estadual do MST.
“O acampamento ficou uns 15 dias na área e sofremos uma ameaça de despejo, a Polícia Militar esteve lá e para evitar uma situação de conflito, como a região tinha muita pistolagem, a gente optou por desocupar e evitar o despejo”, diz. Anos depois, o primeiro plantio de eucalipto ocorreu na região. Antes de serem assentadas no projeto do Assentamento Otaviano, em Itamira, município de Ponto Belo (ES), as famílias do Ernesto Che Guevara chegaram a acampar na beira da estrada.
*Fotografia retirada da Dissertação “Assentado e Assentados: formas de diferenciação entre agricultores no Projeto de Assentamento Che Guevara (Campos dos Goytacazes/RJ)” apresentada por Rodrigo Pennutt da Cruz ao Programa de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade Federal Fluminense (UFF) em 2013.
**Editado por Fernanda Alcântara