Com a pandemia, MST no Nordeste adota comércio online de cestas agroecológicas

Trabalhadores Sem Terra no Nordeste vendem alimentos saudáveis pela internet e entregam em casa; veja exemplos no Ceará e em Alagoas e encomende a sua cesta
Em Alagoas, a cesta de produtos agroecológicos pode ser encomendada para o Alto Sertão e Maceió (foto: Coletivo de Comunicação do MST em Alagoas)

Por Jamile Araújo
Da Página do MST

O povo brasileiro precisou se adequar aos impactos da pandemia, que vão além dos números. Até o dia 15 de outubro, o Brasil marca mais de cinco milhões de pessoas infectadas, enquanto o número de óbitos causados por coronavírus é superior a 150 mil – e segue aumentando.

Com as medidas de isolamento e a crise econômica – que já vinha sendo estruturada antes da pandemia -, o desemprego aumentou e as condições de trabalho pioraram, com a crescente informalização da classe trabalhadora. A fome e a insegurança alimentar cresceram em todo o mundo, e na população da América Latina, o risco de fome aumentou em 269%, segundo o World Food Programme (WFP, programa de Combate à fome, em tradução livre), da Organização das Nações Unidas (ONU).

Ao mesmo tempo, torna-se evidente a importância da reforma agrária nesse cenário de agravamento das crises política, econômica, ambiental e social. A comercialização e doação dos produtos do Movimento Sem Terra mostra que a reforma agrária dá resultados concretos.

As feiras e os mercados são espaços de comercialização importantes para os agricultores. O que é produzido nos assentamentos é consumido pelas famílias, e o excedente é comercializado para garantir aquilo que não é produzido.

“A comercialização da produção garante renda para as famílias assentadas. Além disso, mostra à sociedade que é necessário outro modelo de agricultura, baseado na agroecologia e no cuidado com a natureza”, afirma Manoel Missias Bezerra, assentado da reforma agrária e trabalhador do setor de produção do MST no Ceará. 

De acordo com Missias, no que diz respeito ao debate da alimentação saudável, o grande capital, representado pelas empresas do agronegócio, tem levado para as prateleiras dos grandes supermercados produtos ultraprocessados, com valor nutricional baixo e preços inacessíveis para maioria dos brasileiros.

Os alimentos produzidos nos assentamentos e comercializados nas feiras e mercados, além de não ter veneno, são produtos de uma transição agroecológica e socioambiental. “Isso vai além do debate sobre orgânicos, pois nossos produtos carregam consigo outras relações de produção e de convívio com o meio ambiente”, diz Missias.

Desde março, com início das medidas de isolamento social, os espaços como feiras e mercados buscaram a comercialização online e as entregas domiciliares. O MST também buscou alternativas para garantir a comercialização dos produtos, adotando as medidas sanitárias necessárias.

“Além de garantir a venda dos produtos, o comércio online nos permitiu alcançar ainda mais pessoas, que não conseguíamos atender apenas com a feira presencial. A adequação a tudo isso não foi fácil, ainda mais vivenciando todo o peso que esse momento tem, mas tem sido um aprendizado importante”, diz Missias.

(foto: Coletivo de Comunicação do MST em Alagoas)

Desde o início da pandemia, o setor de produção do MST no Ceará criou um site de vendas, melhorou a logística das entregas, avaliou o tipo de material usado nas embalagens dos produtos e substituiu os sacos plásticos por caixas de papelão. “Com esse aprendizado constante, também estamos constantemente buscando melhorar.” 

Esse trabalho agroecológico é realizado com a participação de todos, inclusive mulheres, jovens, crianças e idosos, e permeia todos os processos da produção, baseada no plantio sem veneno e no cuidado com o meio ambiente.

“No período da pandemia, temos buscado continuar o debate e a prática dentro das nossas áreas. Mesmo de forma remota, temos mantido a mobilização da juventude, das mulheres, dos grupos de produção, das escolas, dos coletivos de saúde. Enfim, com todas as limitações que o momento de crise sanitária proporciona, temos desenvolvido ações importantes e impactantes”, diz Missias.

Não é à toa que o MST lançou em 2019 o “Plano Nacional Plantar Árvores e Produzir Alimentos Saudáveis”, com o objetivo de plantar 100 milhões de árvores em 10 anos: “o intuito do Plano Nacional é produzir alimentos para o povo brasileiro, sobretudo os mais pobres, e cuidar do nosso planeta Terra”, pontua Missias.

A opinião de quem adquire os produtos da reforma agrária

Em Alagoas, consumidores falam sobre como o consumo de produtos da reforma agrária fortalece a saúde e a agroecologia (foto: Coletivo de Comunicação do MST em Alagoas)

A abrangência do MST não se dá apenas nos grandes centros urbanos ou nas vendas online. A população da cidade de Piranhas, que fica à beira do Rio São Francisco, em Alagoas, é amplamente beneficiada com os produtos livres de veneno, saudáveis e sustentáveis do Colegiado Territorial do Alto Sertão de Alagoas.

Ana Cristina, do Instituto Palmas, começou a encomendar as cestas agroecológicas do MST há cerca de seis meses e recebe semanalmente alimentos frescos em sua casa, desde então. “Ao mesmo tempo em que estou cuidando da minha saúde e a saúde da minha família, estou ajudando uma causa, que luta pela alimentação saudável e pela segurança alimentar, e também contribuindo para lutar contra a desigualdade agrária que é tão séria no nosso país”, diz.

Além da cestas agroecológicas, os moradores de Piranhas também podem adquirir os produtos de forma avulsa e esporádica. “Essa simples ação de consumidores e consumidoras tem um impacto importante para as famílias de assentados e assentadas, acampados e acampadas, para fortalecer a luta pela segurança alimentar e justiça agrária”, reitera Ana Cristina.

Lucas Lima, professor do campus Sertão, da Universidade Federal de Alagoas (UFAL) em Delmiro Gouveia (AL), revela que tem sido uma experiência incrível participar como consumidor das cestas, pois isso tem permitido conhecer melhor a produção dos assentamentos e acampamentos do MST. 

“Nós temos acesso a uma variedade de alimentos como feijão, alface, cebolinha, coentro, batata doce, cenoura, frutas, além de outras variedades. São alimentos produzidos com muita dedicação por parte das famílias camponesas. E o melhor, são alimentos sem veneno, sem agrotóxicos”, diz Lucas.

O professor defende que a experiência das cestas agroecológicas é um bom exemplo da evidente importância da reforma agrária para o país, sobretudo no contexto político em que vivemos. “Nesse momento em que brasileiros sentem no bolso o aumento dos preços dos alimentos, em que o agronegócio prefere exportar do que produzir para o mercado interno, provocando o aumento do custo de vida das famílias brasileiras, o MST tem feito diferente, oferecido comida de verdade para todos nós”, diz. 

De acordo com ele, a terra deve ser usada por quem produz para o povo, para as pessoas que produzem pela soberania alimentar do país. “Se você ainda não conhece as cestas agroecológicas do MST, eu faço um convite especial a conhecer. Você não vai se arrepender”, conclui o professor.

Cestas agroecológicas da reforma agrária são entregues respeitando os protocolos de saúde na pandemia (foto: Coletivo de Comunicação do MST em Alagoas)

MST discute soberania alimentar na Jornada Nacional da Alimentação

No Brasil, apesar de haver diversidade de produção de alimentos, o preço em que esses produtos chegam às prateleiras, junto às consequências econômicas e sociais da pandemia, estão contribuindo para que esse risco da fome, cada vez mais, bata à porta das casas dos brasileiros.

Os movimentos populares do campo, da cidade, das águas e das florestas estão construindo durante toda essa segunda semana de outubro, ações para denunciar o governo Bolsonaro e apontar as saídas para a soberania alimentar e para combater a fome e a miséria que voltaram com força. 

A “Jornada Nacional da Alimentação” foi lançada na última segunda-feira (12). A sexta-feira (16) marcará o Dia Internacional de Ação Pela Soberania Alimentar dos Povos e contra as corporações transnacionais, e vários eventos relacionados à saúde, alimentação e autonomia popular estão sendo realizados pelo MST e organizações parceiras.

“Alimentar é um ato político, com certeza, mas antes disso, precisamos compreender que muitas famílias não têm condições de escolher seus alimentos, e muitas vezes não têm sequer o que comer. A luta por reforma agrária é importante no combate a esse modelo perverso que temos vivido, que leva à fome, à pobreza, à exclusão e à destruição da vida”, conclui Missias.

Onde e como adquirir produtos do Movimento Sem Terra no Nordeste

Alagoas
O Colegiado Territorial do Alto Sertão de Alagoas tem atendido na região, e agora expandiu os negócios oferecendo encomendas aos moradores de Maceió, a capital alagoana.
O cadastro mensal de cestas, classificadas em grandes ou pequenas de acordo com os itens, pode ser feito pelos números (82) 98724-15/11 e (82) 98703-2483. 

Ceará
A Feira Cultural da Reforma Agrária ocorre presencialmente desde 2016, e antes da pandemia do novo coronavírus era realizada no segundo sábado de cada mês, a partir das 9 horas, com exposição e venda de produtos, debates, comidas típicas e música ao vivo. Hoje, a feira organizada pelo Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Sem Terra (MST), da Cooperativa Central das Áreas de Assentamentos de Reforma Agrária (CCA) e do Centro de Formação Capacitação e Pesquisa Frei Humberto, é virtual.
Pedidos podem ser feitos através do site do Centro Frei Humberto, sempre na primeira semana do mês. 

Bahia
No município de Prado, extremo Sul do estado, os pedidos podem ser feitos de segunda a quinta, através do telefone (73) 9845-2293. A entrega é realizada às sextas-feiras, com taxa grátis para residências localizadas a até 10 km do entorno do Assentamento Jaci Rocha, e também para compras acima de R$ 25, com pagamento em dinheiro. As entregas em outros locais ficam com taxa a combinar.

Paraíba
A Cesta de Produtos Terra Boa aceita encomendas em Campina Grande, João Pessoa e Lagoa Seca.  Os pedidos são feitos através do site Produtos Terra Boa.

Pernambuco
Em Pernambuco, o MST conta com Armazéns do Campo em Recife e em Caruaru. 
Armazém do Campo Recife
Funcionamento: de segunda a sexta, das 9h às 17h, sábado das 07 às 17h. Trabalhando com delivery, a partir do contato: (81) 99673-4327; ou com o formulário dos pedidos da semana.
Endereço: Avenida Martins de Barros, 387.
Armazém do Campo Caruaru
Compras presenciais: segunda a quarta, das 10h às 19h; quinta a sábado, das 10h às 20h. 
Endereço: Rua Cleto Campelo, 87 – Nossa Senhora das Dores.
Nos Armazéns é possível adquirir livros da editora Expressão Popular que estão com 50% de desconto.

Piauí
Produtos podem ser encontrados em Teresina, Palmeirais, São João do Piauí, Canto do Buriti e Luzilândia. Confira os horários e locais:
– Teresina: 
Feirinha da UFPI – quartas e sextas-feiras, das 8h às 12h.
Feira da Chapadinha Sul – de segunda à sexta-feira, das 8h às 12h.
– Palmeirais:
De segunda à sexta-feira, das 8h às 12h.
– São João do Piauí:
Segundas e quintas-feiras, das 8h às 11h.
– Canto do Buriti:
Quintas e sábados, das 8h às 11h.
– Luzilândia:
Mercado público – de segunda a sábado, das 8h às 12h.
Feira agroecologica – sábados, as 8h às 12h.

Rio Grande do Norte
Os produtos podem ser adquiridos em Natal, na Central de Abastecimento da Agricultura Familiar (Cecafes). Há também barracas de produtos in natura nos acampamentos que ficam localizados nas RNs e BRs.
Em breve será possível adquirir cestas em Natal, onde a entrega será feita por delivery ou retirada no Cecafes.

foto: Coletivo de Comunicação do MST em Alagoas

*Editado por Ludmilla Balduino