Solidariedade de classe reúne trabalhadoras(es) do campo e da cidade
Por Lays Furtado
Da Página do MST
Há sete meses o MST se mantêm mobilizado com outros movimentos da Frente Brasil Popular e Povo Sem Medo nas campanhas populares para o enfrentamento do novo coronavírus e a fome em todo o país. No Nordeste, as atividades de solidariedade do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra estão integradas as ações realizadas pelas campanhas Periferia Viva Contra o Coronavírus e Mãos Solidárias (PE).
Ao longo desse período, essas ações envolveram milhares de pessoas entre militantes e voluntárias(os), onde foi possível arrecadar 800 toneladas de alimentos. Sobretudo de produtos da Reforma Agrária Popular, que saíram das roças da agricultura familiar camponesa para abastecer as mãos e as mesas das periferias das cidades. Em todo o Brasil mais de 2 mil toneladas já foram doadas pelo MST.
Na grande região Nordeste, também foram doadas 270 mil marmitas e refeições, 43 mil máscaras de proteção e milhares de cestas básicas. Além de água, álcool, sabão, entre outros itens de higiene e equipamentos de proteção individual (EPI’s).
Entre as diversas ações solidárias realizadas pelo MST no Nordeste, destacamos as centenas de toneladas de alimentos doados por acampadas(os) e assentadas(os) em Alagoas, Pernambuco e Bahia. Em Sergipe mais de 40 entidades foram beneficiadas com as doações dos produtos da Reforma Agrária. Rio Grande do Norte produziu e distribuiu mais de 10 mil máscaras de proteção. Paraíba distribuiu 24 mil litros de leite. No sertão do Piauí, 150kg de sabão foram produzidos e distribuídos pelo coletivo de mulheres Sem Terra. No Ceará, além das doações de alimentos e marmitas, foram plantadas 1500 mudas de árvores frutíferas para contribuir para um presente e futuro sustentável que não se abata pela fome.
Análises de conjuntura em tempos de pandemia
Desde o início da pandemia, as análises de conjuntura do MST já previam que os efeitos das crises provocadas pelo novo coronavírus impactaria o povo durante muitos meses.
É nesse sentido que tomamos medidas como o lançamento do Plano Emergencial de Reforma Agrária Popular, incidimos para a construção do Projeto de Lei (PL 735) para fortalecer a agricultura familiar, tal qual a produção de alimentos. Reinventamos nossas articulações com as bases e reforçamos ações de solidariedade que sempre estiveram presentes no movimento atuando com e para o povo.
Ocasião em que nos dedicamos à traçar estratégias, chamando atenção para as possíveis soluções frente aos riscos em que estamos envolvidas(os). Principalmente com o aumento das desigualdades e da fome, adoecimento e mortes na falta de um pacto federativo contra o genocídio da população brasileira. Que alcançou mais de 153 mil mortes subnotificadas por contágio ao covid-19 no país.
Isso sem contar as mortes e adoecimentos causadas pelo aumento das misérias e da fome, tendo 4 em cada 10 brasileiras(os) em situação de insegurança alimentar no Brasil, onde 1/3 dos lares onde há fome estão no Nordeste (IBGE 2017-2018), com indicativos agravantes nas zonas rurais. Com a pandemia esses números são potencialmente maiores e devem se apresentar mais pontualmente em levantamentos de dados futuros.
Contudo, apesar de haver uma recente queda do contágio e mortes em todas regiões, a falta de transparência e providências sobre os dados e efeitos do Covid-19 pelo governo federal continuam afetando a vida das pessoas nos centros urbanos e zonas rurais. Estamos sendo empurradas(os) a acreditar que a pandemia acabou e que não passou de uma “gripezinha”, como afirma o presidente Jair Bolsonaro.
Solidariedade de classe entre trabalhadoras(es) e comunidades
Diferente da caridade, o que se destaca nas ações de solidariedade promovidas entre trabalhadoras(es) do campo e da cidade é sobre os significados e afetos sobre o que é solidariedade ativa, de classe.
“E assim vai se fortalecendo esses vínculos do campo com a cidade. O vínculo da classe trabalhadora. O vínculo onde se partilha o que se tem não se dá o que sobra, como a gente vê com essa solidariedade SA aí que a TV propagandear tanto.” – conta Paulo Mansan, dirigente nacional do MST e coordenador da campanha Mãos Solidárias em Pernambuco.
Em Pernambuco, a campanha começou como em muitos outros estados: com as Marmitas Solidárias, que foram sediadas no Armazém do Campo Recife, dirigidas para as pessoas em situação de rua. E agora, com a expansão de suas articulações e trabalho de base, a campanha conta com várias brigadas e instituições parceiras que fortalecem a atuação em todo o estado e para além dele. Criando redes do povo cuidando do povo, mesmo sabendo que isso não isenta o Estado de suas obrigações.
“Então nesse momento de pandemia uma medida emergencial de curto prazo foi a produção de marmita solidária e logo depois a gente começou a entrar para as comunidades e bairros de Recife ajudando a resolver os problemas do povo. Sabendo que é uma é uma função do Estado garantir as condições dignas de vida como o Estado não resolveu, os trabalhadores organizados deram as respostas tanto na saúde. Como na alimentação e assim fortalecendo vínculos e garantindo a solidariedade dos trabalhadores do campo com os trabalhadores da cidade”, conta Mansan.
Com isso, as brigadas se consolidaram como frentes de atuação que abrangem direitos, saúde, alimentação, geração de renda e educação popular – formando Agentes Populares nas comunidades onde atuam por meio da Campanha Mãos Solidárias e Periferia Viva Contra o Coronavírus.
“Aqui em Pernambuco nós conseguimos construir esse vínculo e de várias formas, em várias comunidades que nós não atuavam, que nós não trabalhávamos antes. O MST tem um pouco essa experiência, que acumulou com a educação popular de organizar o povo”. – analisa o dirigente do MST, Paulo Mansan.
Foi durante esses processos organizativos que surgiu também a formação de Agentes Populares de Educação, que ocorreu em setembro em Recife. Contando com a participação de brigadas das campanhas de solidariedade de Pernambuco e Alagoas.
Entre essas diversas trocas de saberes e processos formativos, William Souza – membro do MTD (Movimento das Trabalhadoras e Trabalhadores por Direitos) – conta que atuar em seu bairro com solidariedade ativa é uma oportunidade de buscar soluções comunitárias em meio às crises que se agravam no cotidiano das periferias.
“Como a gente não tem esse direito, o direito nosso são cortados. São vetados pra gente boa educação, são vetados pra gente a saúde, e a gente se vira na medida como pode diante da sociedade. Por que a sociedade tem que enxergar mais as comunidades.” – desabafa William, que tem apenas 18 anos mas já se formou como Agente Popular de Saúde na comunidade da Muvuca, em Maceió, onde mora há oito anos.
*Editado por Fernanda Alcântara