MST constrói processo de reparação coletiva aos crimes da Vale
Por Bruno Silva Diogo
Do Setor de Produção do MST
O 5 de novembro de 2015 marca a data do maior crime ambiental da história do Brasil, que ceifou a vida de 19 pessoas e condenou o Rio Doce a lama da nascente à foz. Completam-se 5 anos de impunidade do crime da Vale (Samarco e BHP) pelo rompimento da barragem de Fundão, em Mariana.
O crime expôs as debilidades do modelo de mineração no estado de Minas Gerais, que continua resultando em graves problemas como o rompimento da barragem em Brumadinho, ocorrido em janeiro de 2019, matando desta vez 272 trabalhadores.
De lá para cá, o luto permanente em memória dos mortos, lutas sociais pelos direitos as indenizações dos atingidos e a construção de alternativas populares de recuperação da bacia por parte dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST, são algumas das ações, na tentativa de devolver a vida ao Rio Doce.
O atual modelo de mineração
Logo após o rompimento da barragem, foram detectadas cerca de 400 minas abandonadas ou desativadas no Estado, empresas que deixaram um iminente risco ambiental e social.
Segundo a própria Agencia Nacional de Mineração (ANM), Minas Gerais possui 3 barragens classificadas no nível 3, o mais alto em risco de rompimento. São a BR/B4, da Mina Mar Azul, em Macacos, a Forquilha III, em Ouro Preto e a Sul Superior da Mina Gongo Soco, em Barão de Cocais. Todas pertencem à Vale. No início deste ano, 37 barragens foram interditadas por não apresentarem Declaração de Condição de Estabilidade.
Este modelo de mineração não deixa apenas problemas ambientais e sociais. Economicamente, pouco fica de arrecadação aos municípios que sediam as cavas e as barragens de rejeitos.
Cria-se um círculo de dependência, no qual o município fornece os serviços que atendem a exploração da minerária. Os empregos gerados oferecem risco iminente à vida dos trabalhadores e pratica-se amplamente a isenção de impostos, “acordões” com prefeitos, vigilância e perseguições às pessoas e organizações críticas ao modelo.
Quando o minério acaba, não sobra alternativa econômica aos moradores destas cidades. Ainda, a manutenção da concentração e especulação de terras, sobretudo nas áreas onde o subsolo tem potencial para ser explorado impedem que um programa de distribuição de terras possa ser uma opção de desenvolvimento para o campo.
Esta cadeia produtiva suja é voltada para a exportação de minério de ferro como uma comódite. A matéria prima vai para o exterior com o mínimo beneficiamento e desde a Lei Kandir de 1996, favorece os lucros contínuos das grandes empresas. Sobra apenas o ônus para os territórios explorados.
O governo federal permanece omisso às mortes da mineração, mas comemora a entrega da soberania brasileira. Com o aval de Bolsonaro, as mineradoras continuaram operando durante todo período de maior intensificação do isolamento social. Arriscando mais uma vez a vida dos seus 55 mil trabalhadores, a Vale lucrou R$ 15 bilhões até o terceiro trimestre de 2020, mais que o dobro comparado ao mesmo período de 2019.
Reforma Agrária Popular como alternativa à mineração
Neste contexto, os camponeses organizados no MST vem travando lutas que denunciam o insustentável modelo minerário brasileiro, além de reivindicar as indenizações e reparações necessárias para a recuperação ambiental, econômica e social destes territórios destruídos pela lama das mineradoras. Foram muitas marchas, atos políticos, ocupações de trilhos e a própria constituição de acampamentos em áreas de mineradoras, apontando um caminho para a transformação desta realidade.
As propostas de reparação e recuperação na bacia do Rio Doce e na bacia do Médio Paraopeba apresentadas pelo MST buscam efetivar a Reforma Agrária Popular. O programa agrário do movimento busca através da democratização das terras improdutivas ampliar o sentido da função social da terra, ao colocar as áreas de reforma agraria como guardiãs dos recursos naturais e celeiros de produção de alimentos saudáveis, de qualidade e em quantidade.
Desta forma os territórios rurais se tornam extremamente importantes para os trabalhadores que moram nas cidades, já que garantem a proteção dos biomas, dos mananciais de água, além de aumentar a oferta de alimentos, baixando, assim, o preço da cesta básica.
No campo, o objetivo do nosso programa é transformar os assentamentos da reforma agrária no melhor lugar para se viver, estruturar todos os serviços públicos de direito dos trabalhadores, como escolas em todos os níveis, aparelhos dos SUS e espaços de arte e cultura.
Assentamentos devem ser áreas de moradia, trabalho digno e renda para todas as famílias. Portanto, afirmamos que a mineração é o projeto da morte e a Reforma Agrária o projeto da vida.
A proposta popular de recuperação das bacias do Rio Doce e Médio Paraopeba
Diante da morosidade das propostas de reparação e recuperação encampadas pelas empresas, e no caso da bacia do Rio Doce, pela Fundação Renova, os trabalhadores sem-terra atingidos pelos crimes da Vale decidiram assumir o protagonismo das ações.
Desde 2018, tomou-se as seguintes diretrizes para as ações nas bacias impactadas: é legitimo o direito das famílias impactadas de buscar o acesso as indenizações e participar dos processos de recuperação.
Todas as ações construídas nos territórios da reforma agrária precisam fortalecer a Agroecologia, que se opõe ao modelo minerário atual. É necessário envolver as entidades dos trabalhadores nos processos de elaboração e execução dos projetos.
Assim, na Bacia do Rio Doce, o Programa Popular de Recuperação já iniciou. São projetos de reflorestamento em áreas de recarga hídrica e áreas de proteção permanente, focando na implantação de Sistemas Agroflorestais, que conciliam o plantio de arvores e produção de alimentos. Assistência Técnica às famílias com intuito de garantir a recuperação econômica e ambiental das áreas atingidas. E um programa de formação em agroecologia, com capacitações, envolvendo diretamente as famílias atingidas.
O desafio agora é iniciar o Programa Popular de Recuperação na Bacia do Médio Paraopeba, onde o reflorestamento, a construção de um viveiro de mudas regional, assistência técnica e um projeto de formação às famílias atingidas também estão propostos.
A maior expectativa é com a construção da Escola Popular de Agroecologia Ana Primavesi. Este centro de formação pretende ser um laboratório de produção e socialização dos conhecimentos e tecnologias agroecológicas.
A futura escola presta homenagem pelo centenário da agricultora, professora e pesquisadora Ana Primavesi, por toda sua dedicação às bases ecológicas da produção de alimentos.
A Escola atenderá as famílias sem-terra e os camponeses do território do Paraopeba. O investimento na educação, em todas suas esferas, sustentará as mudanças necessárias ao modelo minerário.
Sendo bem-sucedidos na execução destes planos, o MST acredita que a resistência ativa, necessária nesta conjuntura tão desfavorável, permitirá seguir a luta e expandir a Reforma Agrária Popular em Minas Gerais.