Um ano depois, quais foram os aprendizados da Vigília Lula Livre?
Por Pedro Carrano e Neudicléia de Oliveira*
De Jornalistas Livres
Poucos movimentos na História recente, em apoio a um preso político, duraram tanto tempo como a Vigília Lula Livre, que ficará marcada pela capacidade de resiliência, mesmo em Curitiba, uma das capitais mais conservadoras do país.
Foram 580 dias de resistência e aprendizado. Que aprendizados foram esses?
Ao final da vigília, que completou um ano, com a saída de Lula, no dia 8 de novembro de 2019, estima-se que milhares de pessoas tenham passado no espaço de resistência diante do prédio da Superintendência da Polícia Federal, no bairro Santa Cândida.
Desde o começo da Vigília Lula Livre, no dia 7 de abril de 2018, a coordenação foi conduzida por uma série de organizações, pela Frente Brasil Popular, nacional e do Paraná, sobretudo com a presença do Partido dos Trabalhadores (PT), Central Única dos Trabalhadores (CUT), movimentos populares como o MST e Movimento dos Atingidos por Barragem (MAB), sindicatos, militantes independentes, e também organizações como Partido Comunista do Brasil (PCdoB) e Consulta Popular.
Partidos de esquerda, caso do Partido Socialismo e Liberdade (Psol) e Partido da Causa Operária (PCO) também realizaram atividades na vigília, bem como várias plenárias de federações sindicais, categorias e ramos, foram deslocadas para esse centro de resistência.
Uma luta que segue
Como sempre lembra o Comitê Nacional Lula Livre, o ex-presidente deixou há um ano o cárcere, uma prisão duríssima, na qual encarou momentos de verdadeira solitária. Sua saída representa uma conquista importante. Significou uma derrota da Operação Lava Jato e da condenação sem a garantia à ampla defesa, num processo marcado por irregularidades.
Entretanto, Lula ainda luta para recuperar seus amplos direitos políticos, pela anulação de seus processos em vista da suspeição do então juiz Sérgio Moro. A palavra de ordem dos movimentos é “Anula STF”.
Marco latino-americano de resistência
A experiência de resistência contra a prisão injusta de Lula dialogou também com as lutas latino-americanas.
Lula foi preso, em 2018, no mesmo contexto de perseguição contra lideranças latino-americanas de orientação voltada a uma política independente dos EUA (para entender o que é independente dos EUA, basta olhar o lado contrário: a submissão atual do governo Bolsonaro). Vimos a mesma perseguição contra o ex-presidente do Equador, Rafael Correa, e contra a atual vice-presidenta da Argentina, Cristina Kirchner – muitas vezes por mecanismos jurídicos usados a serviço da perseguição política, o chamado lawfare.
Que dizer então da perseguição violenta, racista e conservadora, que levou, também há um ano, o ex-presidente boliviano Evo Morales para o exílio? A resistência que temos visto nesse período recente no Chile, Bolívia, Argentina e México animam a pensar novamente um futuro de contraposição no continente ao modelo neoliberal.
A Vigília também foi ponto de referência do debate latino-americano. Foi ponto de encontro de ativistas, intelectuais, artistas de Nuestra América. Passaram por ali Adolfo Perez Esquivel, prêmio Nobel da Paz de 1980; Lula foi visitado também por Pepe Mujica, ex-presidente uruguaio, depois de uma experiência dura de cárcere de doze anos, visitou o amigo, com receio, à época, de que não veria mais o amigo.
Ernesto Sampler, ex-presidente colombiano, Aleida Guevara, vários intelectuais e políticos passaram pela Vigília, reforçando a percepção de que nossa resistência é uma só. Noam Chomski, a diretora de Relações Internacionais do Sindicato dos Metalúrgicos dos Estados Unidos da América, Kristyne Peter, entre outros, ao lado de ativistas europeus, representaram também a voz democrática dos países centrais.
Experiências organizativas acumuladas
Ao lado disso tudo, há uma série de experiências acumuladas pela Vigília – em um momento como sabemos de defensiva da classe trabalhadora e reorganização da esquerda em nosso país -, que conversam com as resistências e desafios dos trabalhadores na América Latina.
A Vigília foi um acumulado de 580 dias de atividades diárias, rodas de conversas, debates, atividades, refeições coletivas de manhã, tarde e noite, uma experiência que não se tem notícia. E um formato muito propício para a formação de quadros ao mesmo tempo com muita abertura a apoiadores. Um espaço de formação e propaganda de militantes, mas também de diálogo e agitação com a sociedade.
Vamos lembrar alguns ensinamentos da Vigília Lula Livre que a esquerda não pode esquecer:
1. Comunicação Popular
A vigília virou um centro de comunicação popular fundamental com entrevistas, coletivas de imprensa e reportagens diárias. Foi uma experiência marcante de comunicação colaborativa das diferentes organizações, com vários veículos alternativos e populares participando.
Tivemos a experiência da Casa da Democracia, experiência diária, instalada ao lado da vigília, de onde mantivemos um programa de rádio de quinze minutos (Rede Lula Livre) e entrevistas colaborativas com as personalidades que passavam diariamente pela Casa.
2. Papel central da arte e da cultura
A cultura teve papel central na programação da Vigília Lula Livre, no encontro entre luta política e expressões culturais. Ressalta-se o papel da cultura, da mística, do teatro e da articulação com artistas – militantes e também os progressistas. Sem a criatividade, a inventividade e a valorização da arte, não teria sido possível aos militantes presentes, muitas vezes afastados de casa, suportar a expectativa, as frustrações, a angústia e as pressões daquele momento. Mais que isso, foi um canal de comunicação e polo de atração da vigília com a sociedade.
3. Ato inter-religioso
Sem dúvida, uma das atividades consolidadas da Vigília Lula Livre, e que deveria ser uma experiência organizada em outros estados, é o ato inter-religioso, que ocorria todos os domingos, às 18h, com a presença de lideranças de diversas matrizes religiosas, de evangélicos a umbandistas, conseguindo sintetizar a mística dos movimentos, aglutinar os setores progressistas das religiões, com muita capacidade de diálogo para além da militância.
4. Unidade da esquerda
A esquerda brasileira é plural, apresenta uma grande diversidade e estamos em meio a um debate estratégico, organizativo e programático decisivo para os próximos anos. Assim mesmo, é fato que a unidade é um desafio desde o golpe de 2016 e a vigília foi um exercício de convívio diário, no marco sobretudo das organizações da Frente Brasil Popular. Dialogando com autores importantes como Marta Harnecker, sabemos que é decisivo para uma revolução, para os trabalhadores chegarem ao poder, a unidade das forças de vanguarda em momentos decisivos.
Tivemos, nessa experiência, exercícios importantes de temas centrais para a esquerda. A Vigília Lula Livre foi um impulso importante para toda uma série de militantes e quadros da esquerda que se viram obrigados, naquela situação adversa, a se reinventar, a panfletar de casa em casa nos bairros de Curitiba, a praticar o convencimento mesmo em situações difíceis, a fazer a agitação, a propaganda e formação cotidiana, a comunicação popular, a construção da unidade da esquerda em torno da bandeira Lula Livre, que aglutinou essas questões.
E a liberdade política de Lula é bandeira fundamental no atual período de enfrentamento contra o governo Bolsonaro e as forças do neofascismo.
*Militantes, respectivamente, da organização Consulta Popular e do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), ambos integraram a coordenação da Vigília Lula Livre.