Massacre de Felisburgo completa 16 anos
Por Clivia Mesquita e Julia Giménez
Da Página do MST
Em 20 de novembro de 2004, após dois anos de resistência e organização pelo direito à Reforma Agrária, o grileiro Adriano Chafik Luedy, acompanhado por 15 pistoleiro, invadiu o acampamento Terra Prometida e comandou um violento ataque contra mais de 200 famílias acampadas no município de Felisburgo, localizado no Baixo Jequitinhonha (MG).
O episódio culminou no assassinato de cinco agricultores, dezenas de feridos e inúmeras casas, plantações e projetos de vidas arrasados. Após 16 anos, a justiça mineira condenou parte dos responsáveis pelo crime, mas as famílias ainda aguardam a emissão da posse da terra e a reparação dos danos.
“Falar do Terra Prometida para mim é falar de uma história de resistência, luta, coisas bonitas, produção, mas também de dor”, relata Kelly Gomes Soares (30), do pré-assentamento Terra Prometida (MG). Ela comenta que Felisburgo é uma cidade onde o poder está concentrado na mão dos fazendeiros, “ainda tem coronelismo, grilagem e exploração do homem, coisas comuns em várias regiões do nosso país”, conta.
Foi no começo dos anos 2000, em meio ao processo de expulsão das famílias rurais para as cidades, que o MST começou a se organizar na região do Baixo Jequitinhonha. A Fazenda Nova Alegria foi ocupada em maio de 2002, por cerca de 230 famílias para pressionar o governo de Itamar Franco a desapropriar as terras que não cumpriam função social. Como acontece na maioria dos processos de ocupação, Adriano Chafik Luedy, suposto proprietário da fazenda, entrou com uma liminar de despejo na justiça. Porém, o antigo Instituto de Terras de Minas Gerais (ITER) decretou que 567 hectares pertenciam ao Estado.
Nesse contexto, explicou Kelli, Adriano Chafik Luedy e seu primo Calixto Luedy (ex-policial) passaram dois anos ameaçando e coagindo as famílias Sem Terra. E após terem o pedido de despejo negado, começaram a planejar o massacre. “Essa ocupação trouxe muita dignidade para as famílias que estavam na cidade. Foi um resgate da dignidade. Só que o fazendeiro começou a perceber que o MST aqui era uma ameaça porque queria colocar as pessoas de volta na terra”, explicou Kelly, que nessa época participava do Setor de Educação do acampamento.
Vidas interrompidas
“Foi um momento de muita dor, você chegar onde tinha beleza e produção e ver tudo destruído, famílias assassinadas. Ver seu espaço queimado é muito dolorido. E ver que isso foi feito em nome da ganância, do lucro e do poder. Me lembro do ‘seu’ Miguel José dos Santos, um dos meus educandos, quando ele me disse ‘professora, será que vou ter paciência de te esperar? Quero me formar’. Ele estudava o 4º ano. Falei ‘calma, seu Miguel, quando voltar a gente conclui as aulas e você vai formar’. Ele em uma brincadeira me disse ‘e se eu não esperar?’”, relembra.
“Voltei no sábado, depois de uma ligação contando que, infelizmente, o fazendeiro Adriano tinha invadido o acampamento, colocado fogo e atirado no meu pai e em várias outras pessoas. Mas, o momento mais duro foi quando vi os companheiros assassinados e reconheci o seu Miguel. Vi que seu sonho foi interrompido e fiz uma promessa pra mim mesma, que iria sempre honrar e continuar a luta deles”, contou Kelly.
Além de Miguel José dos Santos (56), foram assassinados Iraguiar Ferreira da Silva (23), Juvenal Jorge da Silva (65), Francisco Ferreira Nascimento (72) e Joaquim José dos Santos (48). Ainda que não tenham sido julgados o total dos réus pelo massacre, Adriano Chafik, Calixto Luedy e outros três pistoleiros foram condenados pela justiça a mais de 100 anos de prisão.
Porém, as famílias acampadas aguardam a continuidade das ações da justiça, exigem o direito à reparação e a emissão da posse da terra que garanta o direito à Reforma Agrária. “É vergonhoso para o nosso país ter acontecido um massacre nessa terra e até hoje a gente não ter a posse dela. São 16 anos do massacre e a gente pergunta onde está a justiça. Nossas famílias, as viúvas, os jovens e adolescentes hoje sofrem com depressão e outras consequências que o massacre trouxe. Até hoje as famílias não foram indenizadas, algumas nem recebem pensão”, lamenta Kelly.
Atualmente, o pré-assentamento de resistência conta com 4 grupos de moradia. As famílias produzem alimentos agroecológicos de qualidade que abastecem o mercado local, o Armazém do Campo em Belo Horizonte e a cooperativa Concentra. “Produzimos grande quantidade de mandioca, farinha, polvilho, hortaliças, gado, porco e galinha. A terra que antes só criava gado, hoje serve pra produção agroecológica e a resistência. Temos [turmas] da educação infantil ao 5º ano. Sabemos que é um momento de dor, que nunca vai passar. Mas estamos transformando isso em luta e produção de qualidade”, encerrou Kelly.
*Editado por Yuri Simeon