Mulheres do MST desenvolvem redes feministas pelo afeto e contra a violência
Por Jade Azevedo e Maiara Rauber
Da Página do MST
Dia 25 de novembro é uma data para gritarmos basta de violência. Ela representa o Dia Internacional de Combate à Violência Contra a Mulher, uma luta, que na verdade, é diária para quem nasceu ou decidiu-se pelo gênero feminino numa sociedade patriarcal e machista.
A data não foi escolhida aleatoriamente. Neste dia, no início dos anos 1960, foram encontrados os corpos das irmãs Mirabal, três ativistas que lutavam contra a ditadura do presidente Rafael Leónidas Trujillo, na República Dominicana. Elas foram torturadas e assassinadas pelo governo.
Infelizmente não é preciso ir até lá para encontrarmos histórias como essa e outras ainda mais tristes de milhares de mulheres torturadas e assassinadas até os dias de hoje. Muitas vezes por seus companheiros ou pessoas próximas que as violentam em casa, na rua, no trabalho e na escola.
No Brasil, a mobilização acontece entre os dias 20 e 25 de novembro. Neste período, mulheres e homens de todo o país podem se engajar na campanha nacional de Combate a Violência Contra as Mulheres, cujo lema dessa edição é “Cultivar afetos e Combater a Violência”.
No Brasil esse ano, entre os meses de março e agosto, período do isolamento social para o enfrentamento do coronavírus, uma mulher foi vítima de feminicídio a cada nove horas. Em cinco meses foram registrados 497 casos de assassinatos a mulheres, motivados pelo simples fato de elas serem mulheres. Os dados são do segundo monitoramento da série “Um vírus e duas guerras”, fruto da parceria entre sete veículos de jornalismo independentes, com o objetivo de monitorar a evolução da violência contra a mulher durante a pandemia.
O primeiro levantamento da série, divulgado em junho, mostrou que nos meses de março e abril, quando começou o confinamento, 195 mulheres foram mortas em 20 estados. A pesquisa revela ainda que existe subnotificação dessas informações, uma vez que nem todos os estados enviaram dados. Em muitos lugares, os serviços de atendimento às mulheres não estavam funcionando presencialmente durante a quarentena, assim como a presença constante do acusado e da vítima em casa impediu que muitas delas pudessem fazer a denúncia.
Priscila Monnerat, Integrante do Setor de Gênero do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra do Paraná (MST-PR), explica que “a violência contra a mulher está tão naturalizada na nossa cultura, que a gente só se dá conta dela quando vira violência física. Acontece que essa violência se expressa de diversas formas, por isso dentro do MST incentivamos sempre que as mulheres assentadas e acampadas criem suas organizações dentro dos seus espaço e por meio dos coletivos de mulheres”.
Ela explica que dentro dos coletivos elas realizam grupos de estudos, reuniões, oficinas e atividades diversas que servem como um espaço de diálogo, trocas e reflexões entre elas. “Por exemplo aqui no Assentamento Contestado, onde eu vivo, nos reuníamos uma vez por mês para bordar juntas. É importante para a gente conversar, contar um pouco sobre nossas vidas, é um momento descontraído para falarmos de outros temas e de algumas outras conversas que não só o bordado”, acrescenta.
Mulheres empoderadas fazem vigília contra violência em grupos no WhatsApp
Silvia Reis Marques, integrante do MST e do Setor de Gênero no Rio Grande do Sul, conta que desde o início da pandemia foi identificado o risco do aumento da violência e começou-se a trabalhar a campanha nacional “Mulheres Contra o Vírus e a Violência”. Ela conta que no estado Gaúcho foram criados grupos de WhatsApp com mulheres para que juntas elas entendessem, identificassem e combatessem qualquer tipo de violência, caso uma delas ocorresse em suas áreas.
Durante todo o ano foram trabalhados três eixos de debate e ação: primeiro o combate à violência contra os mais vulneráveis, identificando os vários tipos de violência (psicológica, moral, sexual, patrimonial e física). Segundo o autocuidado nos locais de trabalho, com o corpo, a mente, a saúde e nas relações homens e mulheres. Terceiro a resistência ativa no campo durante a pandemia, “período em que devemos ficar mais tempo em casa, mas ao mesmo tempo resistindo, cooperando, produzindo e promovendo a autonomia das mulheres dentro do Movimento”, explica Silvia.
Para Priscila e Silvia o acesso à informação, os espaços de troca, os coletivos de mulheres e a interação dentro dos assentamentos e acampamentos, são essenciais no combate à violência, no trabalho do empoderamento feminino e a sororidade. “O Movimento sempre incentiva e cria ações de formação, o debate do direito à terra, a inclusão e participação das mulheres em todas as tarefas e lutas”, afirma Priscila.
Ela ressalta a importância de se construir condições para que as mulheres possam se inserir nas atividades, como por exemplo as cirandas infantis para que as mães possam trabalhar e tenham onde deixar suas crianças. “É uma construção permanente que está em todos os níveis e em cada local com o intuito de criar condições para a vinda dessa mulher, para que ela participe. O Movimento sempre incentiva que a companheira eleve seu grau de escolaridade, de estudo, faça cursos de formação política e assuma tarefas de lideranças também”, assinala a assentada.
No Paraná, mulheres do MST vão entregar cestas em solidariedade a mulheres da cidade
Para a campanha nacional de Combate a Violência Contra as Mulheres, que acontece de 20 a 25 de novembro, o lema é “Cultivar afetos e Combater a Violência”. Priscila conta que este ano não haverá marchas, mas em todos os estados foram criadas ações que acontecerão dentro dos espaços do MST e algumas ações pontuais de solidariedade entre mulheres do campo e da cidade.
No Paraná, companheiras organizaram pequenos encontros nos assentamentos e acampamentos para debater sobre a violência. Em todos os locais serão entregues o panfleto informativo da campanha que alerta sobre a importância dessa data, os tipos de violência, onde e como pedir ajuda para enfrentar essa situação.
Além disso, Priscila conta que foram feitas três assembleias sociais para a criação de ações como visitas às vizinhas, trocas de mudas, sementes, quitutes e sabonetes naturais. Dessa forma, Priscila acredita que esses encontros criam espaço para que elas conversem com a companheira e criem esse ambiente de afeto e cuidado umas com as outras.
Em Londrina, além das atividades internas nos assentamentos e acampamentos, o coletivo de mulheres organizou uma ação de solidariedade de “mulheres para mulheres”, em que elas arrecadarão alimentos que serão entregues no dia 21 às mulheres em situação de vulnerabilidade social nos bairros periféricos de Londrina.
No Rio Grande do Sul, serão organizados debates online sobre o tema com as companheiras e também assembleias com os homens “para debater o tema da violência e do patriarcado olhando mais para esse âmbito interno, os espaços de trabalhos, a casa e a comunidade em que vivem”, ressalta Silvia.
Mulher sem terra: mulher valente, resistente e de luta
Priscila conta que as mulheres sempre estiveram na linha de frente de todas as ações do Movimento, mas foi no Congresso Nacional do MST, no ano 2000, que se definiu como linha política a participação igualitária das mulheres na organicidade, e a participação efetiva delas em funções de todas as instâncias, desde o núcleo de base a direções. Desde então, nas diretorias dos estados e nacionais, há sempre um casal em cada função e em cada setor.
Para Silvia, a Reforma Agrária Popular é uma luta também pelos direitos das mulheres “ter seu pedaço de terra para plantar, produzir, ajuda para que elas tenham liberdade econômica. A gente vai se tornando sujeitas dos nossos lotes, do que plantar, como plantar, a relação com a natureza. Vai, aos poucos, criando nossos espaços de trabalho”, defende.
Priscila afirma que a partir de 2006 as ações das mulheres se qualificaram muito, principalmente as Marchas de 8 de Março. “As mulheres inovaram em suas formas de lutas”. E lembra do ato de 2006. “Foi algo marcante a destruição dos canteiros de mudas de eucalipto, uma ação da Via Campesina, que reuniu 1.800 mulheres, e abriu um debate novo sobre as ações do agronegócio”, conta.
Silvia e Priscila relembram também o 1º Encontro Nacional das Mulheres Sem Terra no dia 8 de março deste ano em Brasília, com lema “Mulheres de Luta Semeando a Resistência”. Para Silvia, esse encontro foi inédito e reforçou a força da mulher. “Nós nos reunimos e debatemos sobre a Reforma Agrária, ocupação da terra, alianças entre campo e cidade, sobre democracia e sobre nossas lutas. Foi um momento de festejar e lutar pelos nossos direitos enquanto mulheres na sociedade”, finaliza.
*Editado por Ludmilla Balduino