AGRO É TÓXICO: A legislação que escorre entre os dedos
Por Lucas Souza, Antony Corrêa, Jade Azevedo
Setor de comunicação do MST Grande Região Sul
No Brasil a regulamentação dos agrotóxicos é feita pela lei número 7.802, de 1989. Ela sistematiza a utilização destas substâncias em diferentes âmbitos, entre eles a aplicação, pesquisa, armazenamento e comercialização. Essa lei também estabelece como é feito o registro dos agrotóxicos no país, a fiscalização e as competências legislativas da União, estados e municípios.
Para especialistas, a lei de mais de 30 anos, embora contemple importantes medidas protetivas, têm falhas em diferentes aspectos, como, por exemplo, a regulamentação do uso destas substâncias. Dentre os principais problemas apontados pela advogada Naiara Bitencourt, da organização social Terra de Direitos, está o fato de que o registro desses produtos não têm validade no Brasil, ou sequer uma avaliação periódica, como acontece em outros países. É a falta de uma reavaliação periódica que abre a brecha para o uso de agrotóxicos que provocam danos à saúde e ao meio ambiente ainda serem utilizados no território nacional
“Embora a lei 7.802 tenha alguns problemas, nós acreditamos que por enquanto é um instrumento eficaz em comparação a outros projetos de flexibilização normativa que estão em tramitação na câmara de deputados”, diz Naiara ao fazer menção ao Projeto de Lei 6.299, de 2002. Esse PL é “um compilado de leis, do qual os movimentos sociais, ambientais e organizações científicas chamam de ‘Pacote do Veneno’ ”, explica a advogada.
Naiara ressalta que o Projeto de Lei já foi aprovado em uma comissão especial na câmara dos deputados, em reuniões que deveriam ser públicas mas foram fechadas. Para ela, os pontos mais prejudiciais desse pacote são: a alteração do nome “agrotóxico” para “pesticida”; e conferir maior poder ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) e menor a órgãos ambientais e de saúde – como a Anvisa e o Ibama – tendo o Mapa maior poder em relação aos registros dos agrotóxicos.
Além disso, o PL de 2002 estabelece o prazo de dois anos para que a administração pública se manifeste sobre o pedido de pesquisa ou liberação comercial dos agrotóxicos. De acordo com a advogada, esse tempo é muito curto para análise de um produto com todos os seus efeitos: análise toxicológica, análise ambiental e de eficiência agronômicas. Esse ponto em específico permitirá autorizações temporárias para o uso dos químicos, sem antes haver uma avaliação minuciosa.
Em contraposição ao Pacote do Veneno, existe no congresso, já aprovado em comissão especial, o PL 6.670/16, nomeado de Política Nacional de Redução dos Agrotóxicos (PNRA). Ao contrário do PL 6.299/02, o PNRA fortalece e incentiva a redução do uso de agrotóxicos. “Esse projeto de lei não significa o fim dos agrotóxicos no Brasil, mas fornece alternativas para uma redução e controle mais seguro da utilização”, afirma Naiara.
O PNRA também prevê o incentivo governamental de compra de produtos agroecológicos e a educação ambiental. Os dois projetos de lei aguardam a convocação do presidente da câmara, atualmente Rodrigo Maia (DEM), para irem à plenário e acredita-se que irão para votação juntos.
A onda de flexibilização
Há uma onda de flexibilização de leis que tem a função de proteger a saúde da população e a preservação do meio ambiente, impulsionada a partir de 2016. Um exemplo é o caso da legislação estadual sobre agrotóxicos do Rio Grande do Sul (RS). Uma tentativa de vetar o parágrafo segundo do primeiro artigo da Lei número 7.747, de 1982 foi para julgamento do Supremo Tribunal Federal.
O parágrafo segundo proíbe a utilização no Rio Grande do Sul substâncias que tenham sido banidas em seus países de origem de importação. Por exemplo: 51 dos 120 ingredientes ativos de agrotóxicos da Syngenta não estão autorizados no seu país de origem, a Suíça. As alemãs Bayer e o Grupo BASF – empresas químicas – comercializam na África do Sul e no Brasil no mínimo 28 ingredientes ativos que são banidos na União Europeia.
Essa lei teve origem nos anos 80, após muita pressão de organizações ambientais gaúchas, preocupadas com a contaminação da água no estado. Para Emiliano Maldonado, do Setor de Direitos Humanos do MST e da Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares (RENAP). “Essa lei é um instrumento de vanguarda, que leva em consideração o conceito de extraterritorialidade, de pesquisas e avanços científicos já comprovados em outros países”, conta Emiliano.
A flexibilização da lei foi proposta pelo partido Democratas (DEM), aliado da bancada e do mercado do agronegócio que recebe incentivos e apoio do Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Vegetal (Sindiveg). “Essa modificação na lei beneficia transnacionais como Syngenta e BASF, empresas que tem um estoque de produtos proibidos em outros países e que poderão ser distribuídos no Brasil”, explica Emiliano.
É importante questionar quem são os mais beneficiados pelas flexibilização das leis que autorizam a utilização de agrotóxicos. Os agricultores, o meio ambiente e a população são levados em consideração quando se discute a legislação de agrotóxicos no Brasil?
*A série especial “Agro é Tóxico” surge a partir da necessidade de mostrar questões relacionadas ao uso de defensivos agrícolas no Brasil e os diversos problemas que essas substâncias causam. Acompanhe a primeira matéria aqui.
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**Editado por Fernanda Alcântara