Agro é Tóxico: Os impactos na saúde e no meio ambiente
Por Antony Corrêa, Jade Azevedo e Lucas Souza/Setor de comunicação do MST – Região Sul
Da Página do MST
O quê está no ar que a gente respira? No leite da mãe que amamenta? Na comida que a gente come? Na água que a gente bebe? A resposta para essa charada, não é nenhum jogo de palavras. O fato é que os agrotóxicos estão no meio de nós, contaminando o campo, a cidade e toda sua população, de tal forma que são um risco, inclusive àquelas pessoas que ainda irão nascer.
Em um copo de água potável podem estar presentes 27 tipos diferentes de agrotóxicos. Este coquetel tóxico foi encontrado em um em cada quatro municípios brasileiros, de estados como Santa Catarina, Mato Grosso do Sul, São Paulo, Tocantins, entre 2014 e 2017. As três capitais da região Sul também estão entre os locais com contaminação múltipla.
Várias dessas substâncias estão associadas ao desenvolvimento de doenças crônicas, como malformação fetal, disfunções hormonais, reprodutivas e câncer. Na época, foram encontradas na água de 1.396 municípios todos os 27 agrotóxicos que as empresas de abastecimento devem testar por lei. Desses, 16 foram considerados pela antiga classificação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) como extremamente ou altamente tóxicos.
Os dados são do portal Por Trás do Alimento, divulgados em abril de 2019. O estudo realizado pela Agência Pública, Repórter Brasil e Public Eye expõe os números sobre a contaminação da água por agrotóxicos no Brasil, a partir de dados do Ministério da Saúde, disponibilizados no Sistema de Informação de Vigilância da Qualidade da Água para Consumo Humano (SISAGUA)
Conversamos sobre o assunto com Leonardo Melgarejo, engenheiro agrônomo e integrante da coordenação do Fórum Gaúcho de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos. Melgarejo é colunista do Brasil de Fato e do Coletivo Catarse, neste último, publica semanalmente o podcast, “Um outro fim de mundo é possível”.
Os agrotóxicos estão fixados e contaminando tudo à nossa volta?
Melgarejo: Os estudos que são realizados estão identificando resíduo de agrotóxicos na água que nós consumimos, até na água da chuva, nas cisternas, nas amostras coletadas em bacias de captação para consumo humano e na água que chega ao consumir, assim como nos alimentos, no leite materno, e no solo. Para você ter uma ideia, um estudo recente da Universidade Federal de Santa Maria, do Danilo Rheinheimer encontrou resíduos de DDT na água, […] um agrotóxico proibido há mais de 30 anos.
Então, todos nós estamos impregnados com essas substâncias?
Há uma grande possibilidade de haver resíduo de agrotóxico nas zonas de produção, e em grande parte dos organismos, porque há uma passagem na cadeia trófica [ou cadeia alimentar, é a passagem de energia/matéria entre os organismos no ecossistema, na qual um organismo serve de alimento para o outro]. Algumas bactérias, acumulam agrotóxico, os fungos decompõem essas bactérias, as plantas se alimentam dos resíduos desses fungos, alguns animais se alimentam dos resíduos dessas plantas, e isso pode ir subindo [até o ser humano]. O agrotóxico se dilui na água e se expande nessa diluição de tal maneira que depois de algumas chuvas a quantidade é muito pequena, para ser identificada em análises comuns, entretanto, nesse processo, ele passa por alguns organismos que fixam o agrotóxico, os bioindicadores, que são algas, animais que concentram esse agrotóxico em seu organismo. E nesse processo de transferência de um organismo para outro há o que se chama de bioconcentração, daí que uma quantidade insignificante na água segura para as bactérias e para as algas, poderia ir se acumulando na cadeia alimentar até chegar numa quantidade tóxica aos seres que estivessem mais acima.
Há como retirar o agrotóxico dos alimentos e da água?
É falso que lavando as verduras nós podemos tirar os venenos dela. Podemos tirar alguns, mas, grande parte dos agrotóxicos circulam na seiva da planta, circulam dentro da planta e esse não há como retirar.
Existe agrotóxico biodegradável?
Biodegradável significa que a vida decompõem aquela substância química, mas, não significa que a degradação resulta no desaparecimento do agrotóxico. Nesse processo de biodegradação podem ser geradas substâncias mais perigosas inclusive do que o próprio veneno original.
Temos algum exemplo dessa biodegradação?
Um exemplo muito comum é um produto da metabolização do glifosato, o AMPA [ácido aminometilfosfônico], muito mais perigoso do que o glifosato. Existem outros que são degradáveis na água, o que significa que em grande quantidade de água eles terminam desaparecendo do ponto de vista das análises comuns, se tornam doses “homeopáticas” de veneno, tão pequenas que não se consegue detectar. O mais relevante é que grande parte desses produtos que causam alteração celular, eles em quantidades tão pequenas que não podem ser percebidas, provocam alterações celulares, e isto significa que em subdoses – doses abaixo das clinicamente observáveis -, podem deflagrar alterações metabólicas que podem levar ao câncer, a problemas mutagênicos, de tal forma que não existiria uma dose mínima tão pequena que pudesse ser considerava irrelevante para esses venenos.
Conseguimos saber quanto de agrotóxico o Brasil tem utilizado? Somos um dos maiores consumidores de agrotóxicos?
É verdade que somos um dos maiores consumidores. Uma estimativa muito interessante, é feita pela metodologia do doutor Wanderlei Pignati, da Universidade Federal do Mato Grosso, que multiplica as informações de uso dos principais produtos, nas principais culturas, pela área cultivada dessas culturas, nos principais municípios produtivos que geram a média, que extrapolam para toda a área cultivada. Com essa metodologia são incorporados os números que nos faltam nas vendas correspondentes ao contrabando, a venda sem nota, a venda irregular. E essa estimativa é de um bilhão de litros de agrotóxicos por ano. Dá uns 30% a mais do que as vendas contabilizadas pelo IBAMA. Eu confio muito nesse número, acho que nós chegamos perto disso, perto de um bilhão de litros de agrotóxico por ano no Brasil.
E os estudos que dizem que o Brasil NÃO é o maior consumidor de agrotóxicos?
Esses estudos são divulgados amplamente pelo Ministério da Agricultura, pela Frente Parlamentar da Agricultura, pela Bancada Ruralista, e por professores comprometidos com esse negócio, esses números são feitos com base em outro quociente. Não é no volume utilizado, nem por hectare, nem no total. É no valor do agrotóxico utilizado por hectare, e aí o Japão aparece na frente do Brasil como se usasse mais veneno, porque tem um gasto maior por hectare. Essa conta é falsa, porque os produtos mais perigosos são os mais baratos. Produtos que não têm mercado em lugar nenhum do mundo estão sendo vendidos aqui no Brasil, e os mais caros são os mais seguros, e no Japão estão utilizando os mais seguros, portanto, os mais caros. Outra coisa é que o Japão não tem grandes áreas de pastagem, nem de soja. Eles têm grandes áreas de horticultura, e nessas áreas se usa aqui no Brasil, 60 vezes mais agrotóxico do que nas grandes lavouras. No Brasil, se usa produtos mais baratos no numerador, e no denominador você inclui as áreas de pastagem, se inclui áreas recentemente ocupadas onde se usam pouco agrotóxico. Então, nessa conta parece que no Brasil se usa menos do que fato é utilizado. Nós usamos mais venenos e os piores venenos.
Como será o impacto disso a longo prazo?
O impacto disso é aterrador, porque um bilhão de litros dos piores venenos, dos mais baratos, todos os anos, vai gerar gradativamente uma contaminação das águas de profundidade, dos seres que estão vivendo nesses espaços, e de todos os organismos, inclusive aqueles que não nasceram.
Há um número de contaminação/intoxicação por agrotóxicos no país?
Existem vários números, mas, todos eles são considerados subestimados na razão de 1 para 50. Isso significa que para cada caso registrado, temos 50 casos que não são observados. E esses registros via de regra são relacionados a intoxicações agudas, o agricultor se sentiu mal, foi no posto, e o médico no posto relacionou aquele se sentir mal com o agrotóxico. Existem números que mostram inclusive grande quantidade de pessoas que se suicidam com agrotóxicos. Essa intoxicação de longo prazo, que podem estar afetando crianças, só vão aparecer daqui a anos, essas nós não percebemos.
Que sintomas uma pessoa intoxicada por algum tipo de agrotóxico pode apresentar? E o que ela deve fazer?
Desde dor de cabeça, tontura, ânsia de vômito. Existe uma condição tão vasta de sintomas iniciais que podem ser confundidos com o fato de o sujeito estar trabalhando no sol há muito tempo ou estar estressado. Então, se o sujeito teve contato com o agrotóxico, sentiu o cheiro do agrotóxico, acredita que foi intoxicado, qualquer inconformidade como seu estado normal, que for percebida, é motivo suficiente para ir com urgência a um posto de saúde, registrar onde esteve, o que sentiu, se possível levar informações de qual era a cultura, qual foi o produto aplicado, e tentar mapear ao máximo de informações, porque os sintomas são múltiplos e se confundem com outras coisas.
E o consumidor final dos alimentos, como fica?
Os riscos para o consumidor final dos alimentos estão associados à ingestão de alimentos que contenham esses xenobióticos, esses produtos de síntese química, que uma vez introduzidos no organismo, o organismo procura dar uma utilização para eles, [que] sob o ponto de vista de funcionamento normal do organismo, nos gera disfunções.
Que riscos são esses?
De alteração de funcionamento no organismo, alteração no sistema reprodutivo, no sistema circulatório, no sistema nervoso, no processo de reprodução celular, gerando vários tipos de câncer… alteração mutagênica nas células germinativas, no esperma, no óvulo, podendo afetar gerações futuras, e levar problemas para seres que ainda não nasceram. A gama de riscos é imensa e variável.
Como conscientizar o consumidor?
Ele tem que ser informado dos riscos que corre. E para isso precisamos que os meios de comunicação façam esse trabalho, porque as campanhas de mídia de marketing das grandes transnacionais que controlam esse mercado, tratam de ocultar esses riscos. O agrotóxico que é aplicado, acaba se acumulando nos meios de água e termina fazendo parte dos organismos que consomem aquela água. Todos os organismos vivos são majoritariamente formados por água, e se a água ingerida carrega agrotóxicos, esses riscos de disfunção, das funções orgânicas tende a ser reproduzido.
Na internet, por vezes se encontra a afirmação de que não há qualquer estudo que conecte doenças como o câncer com os agrotóxicos. É isso mesmo?
De fato podemos encontrar qualquer informação na internet, grande parte delas sem responsabilidade científica alguma. É possível encontrar na internet que a terra é plana, assim como é possível encontrar na internet que não existe nenhuma relação entre câncer e agrotóxicos. Os estudos publicados em revistas científicas, com a revisão de pares, são publicações, nas quais predominam os estudos que encontram relações cancerígenas, e alterações celulares em sistemas específicos, como o reprodutivo, o sistema nervoso e também relações com os vários tipos de câncer, [e doenças] que se manifestam mais efetivamente em seres humanos, como Alzheimer e Parkinson.
Podemos dizer que o uso em larga de agrotóxicos está conectado ao aumento de doenças na população, como o câncer?
Existem vários estudos que afirmam que sim. Existe também uma presunção na literatura científica que quando não se pode estabelecer uma relação direta de causa e efeito, quando muitos fenômenos podem se somar para gerar um determinado resultado, não se pode afirmar que seja [unicamente] um dos causadores. Mas, estudos em laboratórios com animais, têm demonstrado essa relação. O Paraquat, por exemplo, recentemente proibido no Brasil e depois autorizado a ser usado, até que se acabem os estoques é um desses casos.
O contorcionismo na legislação: o caso do Paraquat
A flexibilização da legislação tem aumentado o descuido com a informação e, consequentemente, a contaminação. É o que conclui Leonardo Melgarejo, quando apresenta como exemplo o caso do Paraquat, proibido em 2017 pela Anvisa, com o prazo de três anos para a retirada do produto do mercado brasileiro. “No final de 2020 ele deveria ser banido e excluído de todas as prateleiras, o que não aconteceu. Contrariando as suas decisões anteriores”, afirma.
O Paraquat é utilizado principalmente como dessecante e na pré-semeadura no plantio direto nas lavouras de algodão, arroz, cana-de-açúcar, banana, batata, café, feijão, citros, maçã, trigo e principalmente soja e milho.
Em 2008 o Brasil iniciou um processo de reavaliação do Paraquat após a União Europeia definir o banimento da substância em 2007. Juliana Acosta, da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, conta que foram dois fatores que determinaram o banimento do Paraquat pela Anvisa em 2017, nove anos depois de iniciado o processo de reavaliação da substância.
O primeiro fator foi a mutagenicidade do princípio ativo, que é a capacidade de induzir ou aumentar a frequência de mutação em um organismo, o que favorece o desenvolvimento de câncer. O segundo fator é a relação do uso prolongado do Paraquat com a doença de Parkinson, uma doença neurodegenerativa e sem cura.
Mesmo assim, com todas as evidências de centenas de pesquisas comprovando os malefícios na saúde causados pelo herbicida, uma força tarefa composta de empresários do agronegócio e parlamentares tentaram reverter a decisão da Anvisa de 2017. Essa decisão baniria o agrotóxico do país após o dia 22 de setembro de 2020.
Após o prazo de banimento, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) enviou um ofício para a diretoria da Anvisa com o intuito de liberar a utilização do material em estoque. “O que a gente considera que nem deveria existir, de 2017 a 2020 o Paraquat deveria ter diminuído a ponto de desaparecer”, diz Juliana Acosta.
Em decisão unânime, no dia 7 de outubro de 2020, a diretoria da Anvisa concedeu a liberação dos estoques do agrotóxico altamente perigoso à saúde humana para utilização nas safras de 2020 e 2021. Para Juliana, é uma decisão que causa indignação, pois a Anvisa deveria zelar pela saúde da população e não proteger os interesses econômicos do setor produtivo.
Vale destacar que houve ampla divulgação de uma propaganda pela Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), pedindo a manutenção do agrotóxico, e indicando que sua retirada neste momento triplicaria o custo da lavoura brasileira e da produção de alimentos, fazendo o país perder mercado. “Todas essas afirmativas não são verdadeiras, mas induzem a descuidos, e induzem, como a gente viu, a flexibilização das leis, porque quando a Agência Nacional de Vigilância Sanitária diz que pode usar, o agricultor tende a ser menos cuidadoso”, lembra Melgarejo.
Em 2018, uma nuvem de Paraquat avançou sobre uma escola no interior de Espigão Alto do Iguaçu, no Paraná, a 356 quilômetros de Curitiba. Foram 96 pessoas intoxicadas, das quais 52 eram crianças. Como aponta aAgência Pública e Repórter Brasil, em reportagem de 2018. Esse é um recorde de casos de intoxicação por agrotóxico, registrados no Sistema de Informação de Agravos de Notificação do Ministério da Saúde (Sinan), que registrou 113 casos de intoxicação de 1975 a 2017.
Já a Secretaria da Saúde do Paraná tem dados maiores entre 2007 e 2017, registrando 4.761 vítimas, destas, 369 apenas da região de Guarapuava, onde está localizado Espigão Alto do Iguaçu. O DataSUS registrou de 2008 a 2017, a intoxicação de 130 crianças por venenos agrícolas ー dado que considera apenas intoxicações ambientais, quando o veneno chega através do vento, solo ou vegetação.
O levantamento inédito feito pelo portal Pública aponta a estimativa de que para cada caso, 50 casos não são registrados. Em dez anos cerca de 6,5 mil crianças podem ter sido contaminadas, o que representa mais de uma criança intoxicada por dia no Brasil.
Um solo doente e envenenado impacta diretamente na “saúde” das relações da sociedade. A agroecologia é um modo de cultivar a terra, de construção de consciência e de outro caminho para a humanidade. É sobre isso que trataremos no próximo texto do especial.
Fontes consultadas e para estudo:
Agência Pública, Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, Brasil de Fato, Coletivo Catarse, Fio Cruz, Por Trás do Alimento, Repórter Brasil, Dossiê Abrasco, UFSC.
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*Editado por Solange Engelmann