MST denuncia despejos no campo durante a pandemia na Comissão de Direitos Humanos da OEA
Por Solange Engelmann*
Da Página do MST
Em audiência realizada nesta quarta-feira (09), junto à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (CIDH/OEA), representantes do MST denunciaram a efetivação de despejos forçados no campo, durante a Covid-19 no Brasil.
Foram apresentadas denúncias sobre a gravidade desses despejos em meio à pandemia e um pedido de medida cautelar de proteção às famílias que sofreram despejo e seguem ameaçadas no acampamento Quilombo Campo Grande, em Minas Gerais. Além do caso de Minas, o MST relatou também as ameaças sofridas por famílias assentadas no extremo sul da Bahia.
Lucinéia Durães, da direção estadual do MST na Bahia, relatou que em setembro deste ano, as famílias da região do Extremo Sul foram surpreendidas pelo uso da Força Nacional requisitada pelo Incra para efetivar a reintegração de posse de famílias que já haviam sido assentadas.
“O Jaci Rocha, o Rosa do Prado e diversos assentamentos no município de Mucuri já são assentamentos. No caso do Assentamento Jaci Rocha, o Incra [Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária] encaminhou ao Poder Judiciário uma solicitação de despejo, reintegração de posse de diversas famílias, que já foram assentadas desde 2010 e que até hoje não estão regularizadas por falta de atenção do próprio Incra”, contesta.
A dirigente explica que a Região Extremo Sul do estado conta com mais de oito mil famílias acampadas, aguardando a posse da terra e denuncia que, em vez de agilizar o assentamento dessas famílias “em mais de 31 mil hectares de terra, que já estavam em negociação para serem destinadas à Reforma Agrária, o Incra está entrando nos assentamentos, que não são áreas de conflito, para despejar famílias que já vivem nesses territórios”.
João Pedro Stedile, da Direção Nacional do MST, também denunciou e apresentou vários dados sobre a violação dos direitos humanos, relacionados aos conflitos agrários no campo, e sobre a paralisação da Reforma Agrária no país pelo atual governo.
“Desde 2016 há um abandono completo, de garantir que os camponeses pobres possam resolver os futuros das suas famílias, um direito constitucional. Como diz a Constituição de 1988, todas as grandes propriedades improdutivas devem ser desapropriadas, mediante vistoria dos órgãos públicos e o pagamento das indenizações que a lei determina aos seus antigos proprietários”, pontua.
Segundo Stédile, o atual governo e as diferentes esferas do Estado brasileiro têm atuado para interromper e impedir o direito do acesso à terra. Uma das medidas nesse sentido foi o fechamento do Departamento de Obtenções de Terras, por parte do Incra. O que tem agravado as condições de vida dos trabalhadores Sem Terra. “Temos nesses últimos anos, mais de 80 mil famílias acampadas, na beira de estrada ou em áreas irregulares que estão esperando por providências, que vivem em condições precárias, sofrendo todo tipo de dificuldades que se acumulam com as dificuldades apresentadas pela Covid-19”, denuncia o dirigente do MST.
O integrante da Direção Nacional do MST em Minas Gerais, Silvio Netto, criticou o despejo violento do acampamento Quilombo Campo Grande, em Campo do Meio (MG). Em agosto, em plena pandemia, mesmo com todas as contradições do processo jurídico, a PM do estado realizou ação violenta para remoção forçada das famílias que vivem há mais de 20 anos no local. A área ocupada havia sido abandonada por uma empresa falida, com dívidas aos cofres públicos e dívidas trabalhistas com os funcionários da antiga Usina.
Netto conta que a remoção levou sofrimento e tristeza às famílias, que viviam e produziam alimentos no local. Principalmente pela truculência usada pela força policial contra as pessoas em um momento de pandemia e a destruição da escola da comunidade.
“Essa remoção nos causou um imenso sofrimento, não só pelo uso de bombas, por toda pressão psicológica que sofremos, os idosos, as crianças, os trabalhadores, as famílias. Mas nos causou muito sofrimento ver também a destruição de nossa escola, escola que nós batizamos de Escola Popular Eduardo Galeano, que foi destruída com maquinário e fogo, ao longo das mais de 50 horas de conflito. Também nos causou sofrimento ver o aumento do número de casos de Covid no município de Campo do Meio, após a ação truculenta. Nós tínhamos 14 casos de Covid-19, mas depois da remoção forçada, dessas horas de conflito, saltou para 57 o número de casos e hoje já chegou aos 200”, denuncia o dirigente.
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Balanço da audiência
O integrante do Setor de Direitos Humanos do MST, Ney Strozake, aponta que a realização da audiência com a denúncia dos movimentos populares foi uma importante conquista para as trabalhadoras e trabalhadores do campo.
“Conseguimos demonstrar ao Presidente da Comissão e para as autoridades da mesma as graves violações dos direitos humanos causados pelo Estado brasileiro, no caso da ação truculenta da Polícia Militar de Minas Gerais, além de apontar as ameaças que pairam sobre as famílias assentadas no extremo sul da Bahia”, argumenta.
Strozake explica que os trabalhadores dos movimentos do campo confiam na capacidade e responsabilidade da CIDH e aguardam uma decisão e intervenção junto ao Estado brasileiro “para garantir os direitos universais de trabalho, moradia, acesso à terra, saúde dos camponeses, quilombolas, indígenas, ribeirinhos. E que, se possível, seja enviada uma missão especial para analisar a violência dos despejos durante a pandemia no Brasil”, conclui.
A Audiência Temática da CIDH foi conduzida pelo presidente da Comissão, Joel Hernandez, do México, e transmitida ao vivo nas redes da entidade, às 11h do Brasil.
Acompanhe a audiência na íntegra:
*Com colaboração de Maria Aparecida
**Editado por Ludmilla Balduino