Saiba porque o MST do sul do Brasil doou mais de 850 toneladas de alimentos em 2020
Por Setor de Comunicação do MST da Grande Região Sul
Da Página do MST
O ano de 2020 foi marcado pela solidariedade entre a classe trabalhadora. As ações se intensificaram em meio a pandemia da Covid-19. Nesse período, mesmo com a pandemia, políticas de seguridade social foram desmontadas no âmbito da política nacional. Mais de 300 novos agrotóxicos foram aprovados na flexibilização das leis. O sistema de saúde entrou em colapso com o aumento das infecções pelo novo coronavírus. Houve, mais uma vez, recordes de desmatamento e queimadas nos biomas brasileiros, com a fumaça se espalhando pelo Brasil. Um ambiente de insegurança e incerteza se instaurou no dia-a-dia do brasileiro médio, que ficou desempregado, vendo os custos da cesta básica aumentarem e a fome bater à porta.
Como se apresentou em dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgados em setembro deste ano, a fome, insegurança alimentar grave, afetou entre 2017 e 2018 cerca de 4,6% da população do país. Naquela época, eram mais de 10 milhões de brasileiros com acesso menor do que o necessário para suprir as demandas nutricionais. Números preocupantes, que ainda não consideram os impactos da pandemia da Covid-19 e que se agravam rapidamente com os desmontes da política de segurança alimentar.
Diante das ameaças, atos de despejo, aumento da intolerância e violência, o povo periférico, campesino e Sem Terra, resiste. O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) da região Sul do país foi responsável por grandes ações de solidariedade entre o campo e a cidade. Muitas, realizadas em parcerias com outros movimentos da Via Campesina, movimentos populares, partidos de esquerda, mandatos, pastorais sociais, organizações de juventude e Periferia Viva. Foram doados no sul do país cerca de 856,4 toneladas de alimentos saudáveis produzidos pela Reforma Agrária. Separando os números, foram cerca de 501 toneladas no Paraná, 65,4 toneladas em Santa Catarina e 290 toneladas de alimentos no Rio Grande do Sul.
As doações foram compostas por uma diversidade de alimentos agroecológicos, orgânicos e saudáveis. Para citar alguns, distribuímos arroz, feijão, mandioca, alface, acelga, couve, chuchu, abóbora, abacate, farinha de milho, ervas medicinais, beterraba, batata, couve, temperos, cenoura, moranga, repolho, melancia, cebola, laranja, pepino, pimentão, abobrinha, tomate, batata doce, mandioca, milho verde, mel, ovos, pães, doces, cucas, bolos, bolachas, leite, bebida láctea, queijo, macarrão caseiro, produtos fitoterápicos, de higiene como álcool 70%, sabão caseiro, e até móveis. A variedade de frutas, verduras, legumes, grãos e tubérculos ultrapassaram aproximadamente 100 tipos de alimentos.
As ações de solidariedade integram o projeto popular de sociedade, defendido pela Reforma Agrária Popular que inclui o plantio de árvores, distanciando-se do assistencialismo. Como observa Ceres Hadich, assentada e integrante da direção nacional do MST no Paraná, “solidariedade com um sentimento de construção de classe não é caridade. A gente não está dando nada pra ninguém. A gente está construindo possibilidades junto à classe trabalhadora”.
As ações abrangeram um grande espectro de atividades místicas e formativas, articuladas nacional e internacionalmente ao longo do ano. Podemos citar a Jornada Nacional da Alimentação Saudável e Contra a Fome, ações do Grito dos Excluídos, Jornada Internacional de Lutas Anti-Imperialista, Jornada dos Sem Terrinha, Jornada Nacional da Juventude Sem Terra, Plano Nacional Plantar Árvores e Produzir Alimentos Saudáveis, Dia Internacional de Luta ao Combate à Violência Contra as Mulheres, Novembro Negro e Jornada de Lutas Terra, Teto e Trabalho: Reforma Agrária Popular.
A produção da Reforma Agrária chegou às famílias em situação de vulnerabilidade de bairros periféricos, hospitais públicos e Santas Casas, trabalhadores e trabalhadoras da saúde, ocupações urbanas, periferias de pequenas cidades, cozinhas coletivas, terra indígena, sindicato de trabalhadoras domésticas, sindicato de trabalhadores que coletam materiais recicláveis, lares de idosos, associações de moradores, de catadores, abrigos, e pessoas em situação de rua.
Foram compartilhados alimentos plantados em mutirão, que foram colhidos frescos, preparados por mãos voluntárias e entregues na forma de marmitas, provenientes desse vínculo consciente e respeitoso com a terra. Só no estado do Paraná foram produzidas até o dia 23 de dezembro mais de 38 mil Marmitas da terra. Alimentos compartilhados gratuitamente com pessoas em situação de rua, trabalhadores de aplicativos e de moradores/as de bairros da periferia de Curitiba e Região Metropolitana. A ação envolveu um coletivo de aproximadamente 130 pessoas voluntárias, entre elas integrantes de coletivos, movimentos, mandatos populares e campanhas.
O que significa solidariedade para o Movimento Sem Terra
Ao analisar o ano de 2020, Ceres Hadich observa que “a pandemia é consequência desse modelo agroalimentar hegemônico, e fruto dessa crise estrutural do capitalismo, que não só tem suas dimensões econômicas, sociais, ambientais, são também alimentares, e com a Covid-19, sanitárias”. Ela destaca a importância do MST em fazer a crítica ao sistema capitalista, e construir e propor alternativas para a sociedade brasileira.
Ceres destaca a articulação nacional do Movimento ao ter suas ações pautadas em um plano de ação voltado a um projeto de sociedade. E observa: “o programa agrário aponta um projeto de desenvolvimento para o campo e para a cidade no Brasil, passando pela reforma agrária como forma de desenvolver não só as forças produtivas, mas também, de desenvolver humanamente a nossa sociedade”.
“A solidariedade de classe sempre foi um valor extremamente presente no Movimento nesses quase 37 anos de existência. O Movimento sempre cultivou a solidariedade como um valor da classe trabalhadora”, pontua Ceres. Parte das ações promovidas ao longo da pandemia pelo MST nascem da resposta do povo campesino diante da necessidade de intensificar essas atitudes. Foi um ano de massificação dessas ações em todo o país e de fortalecimento das redes de cooperação e busca de saídas coletivas.
Plantar árvores como tarefa da construção de uma nova relação com a natureza
Para Álvaro Santin, do Assentamento Dom José Gomes e da direção estadual do MST em Santa Catarina, o grande legado do MST nesse período histórico está ligado à tarefa de desenvolver uma outra relação com a natureza, e destaca a importância do lançamento do Plano Nacional de Plantio de Árvores, em um momento em que o planeta clama por por cuidado e mudanças. “Do ponto de vista político, foi de grande relevância, para nós, nos colocar nesse plano o plantio de 100 milhões de árvores pelo Brasil afora”, observa.
Álvaro explica que para o Movimento plantar árvores tem o significado de continuidade da vida no planeta, de contribuir para o meio ambiente, a produção de alimentos, criação de animais e o embelezamento. “No Assentamento Dom José Gomes, dedicamos um espaço de terra, que para nós tem uma simbologia, um significado, a de um grande legado, que é o Dom José Gomes, bispo dos Sem Terra que contribuiu enormemente na luta pela terra aqui na região sul onde inicia o MST”, conta. Este ano, as árvores plantadas no bosque são em homenagem às pessoas vítimas da Covid-19, aos lutadores e lutadoras do conjunto da sociedade. “Plantamos a vida, a esperança, o futuro”, observa ao falar da participação das crianças, jovens e famílias indígenas.
Para Álvaro, o plano do plantio de árvores tem um significado místico de “cultuar a memória, pensar um planeta equilibrado, justo e também pensar no futuro preservado”. Para ele, o bosque agroflorestal é símbolo de que é possível ter uma relação mais equilibrada com a natureza, de produzir com diversidade de plantas e ter resultados melhores do que o monocultivo. “É uma forma da gente mobilizar a sociedade com a responsabilidade conjunta com o planeta terra”, conclui Álvaro.
Cultivando boas relações junto às periferias
Segundo Gerônimo Pereira da Silva, integrante da Direção Estadual do Rio Grande do Sul (RS), os trabalhos desenvolvidos no estado foram diversos, “de montagem de parquinhos, doação de móveis, marmitas solidárias, cadastramento das famílias no auxílio, entrega de cestas e a criação de cozinhas comunitárias. Tudo feito por diversas brigadas das regiões Metropolitanas, diretamente com a população nas periferias”, explica.
Para ele foi uma ação de trabalhador para trabalhador, “o auxílio [emergencial] era pouco e agora ele acaba. Principalmente no Natal, a nossa intenção é que as famílias tenham comida na mesa. Agora nós, do MST do Rio Grande do Sul, estamos doando na campanha Natal Sem Fome mais 12 toneladas de alimentos para a região Metropolitana de Porto Alegre e mais 10 toneladas distribuídas pelo estado afora”.
Além de ajudar aqueles que mais precisam, a organização criou vínculos com as periferias de todo o Brasil. Com o objetivo que vai além da caridade, com a intenção de construção e de fortalecimento da classe trabalhadora. “Estamos construindo a possibilidade de refletir sobre a nossa vida e existência”, conta Ceres.
Para Gerônimo, o MST só está ressaltando o que é sua missão. “Nós trabalhadores ficamos muito felizes de poder ajudar nesse momento, é uma tarefa nossa no campo produzir alimento e distribui-lo para outros trabalhadores”.
Ceres também avalia medidas que foram tomadas para continuar o desenvolvimento interno, no qual houve a necessidade de fortalecer áreas como a de saúde popular, não apenas nos territórios da organização, mas também nas periferias e ocupações urbanas.
Muitos dos camponeses que hoje vivem em acampamentos e assentamentos, produzindo alimentos saudáveis, conhecem a dificuldade da vida nas periferias das grandes e médias cidades do país. Então, os vínculos entre o campo e a cidade saem fortificados neste final de 2020.
Ceres destaca que, do ponto de vista da batalha das ideias, 2020 foi um ano muito importante, “tanto do ponto de vista da crítica, quanto do ponto de vista do anúncio daquilo que a gente pode e está construindo como alternativa para o povo brasileiro”. O plano emergencial, “ao apontar como eixo fundamental terra e trabalho, a produção de alimentos saudáveis, o cuidado com a biodiversidade, os bens naturais e a vida, e esse cuidado com as nossas relações humanas, aponta uma saída concreta para a sociedade brasileira”, conclui.
*Editado por Ludmilla Balduino