Manutenção do Enem 2020 amplia desigualdades no acesso às universidades públicas
Por Solange Engelmann
Da Página do MST
Em 2021 o Brasil comemora o centenário do Patrono da Educação Brasileira. Paulo Freire completaria 100 anos em 19 de setembro. O educador sonhava com uma escola cidadã e defendia uma educação democrática e emancipadora, que fosse capaz de libertar o povo e estimular a luta pela superação das violências, a cidadania e os direitos dos trabalhadores e trabalhadores explorados. Ele também apoiava as lutas pela liberação da classe trabalhadora no campo e cidade.
Na contração desse projeto de educação cidadão e democrático, o governo atual vem adotando posturas que estimulam o aumento das exclusões e das diversas desigualdades já existem na educação. Uma amostra disso é a manutenção da realização do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) de 2020, em plena pandemia da covid-19 no país, que sofre com o aumento de mortes e infectados pelo coronavírus.
Mesmo com vários protestos e ações judiciais de movimentos populares e partidos progressistas o Ministério da Educação (MEC) insiste em mantém as provas presenciais, nos próximos domingos (17 e 24), bem como as etapas online.
Segundo o Coordenador pedagógico da Escola do Campo Lucas Meireles Alves do assentamento 17 de Abril, em Teresina, Piauí, Adilson de Apiaim, a manutenção do Enem em plena pandemia deverá ampliar as desigualdades sociais na educação, levando milhões de trabalhadores e trabalhadoras a uma exclusão sem precedente nas universidades públicas.
“Com essa atitude o MEC não considera as necessidades de restrições de aglomeração e passa a promover aglomerações, por um lado ampliará as exclusões de estudantes para acessarem o ensino superior, o que aumentará a desigualdade educacional”, denuncia.
Leia entrevista na íntegra:
Como a realização do Enem 2020 durante a pandemia pode ampliar as desigualdades e os processos de exclusão na educação?
A realização do Enem em plena pandemia ampliará as desigualdades sociais na educação, as portas das universidades federais e estaduais podem estar se fechando para a classe trabalhadora. Pois, a maioria dos estudantes vêm de escolas públicas e muitos não tiveram aula devido à falta de equipamentos tecnológicos: celulares, tablets e computadores, além da falta de rede de internet. Ou seja, os alunos da classe trabalhadora não tiveram as mesmas oportunidades de estudo nas aulas remotas, promovidas pelas secretárias estaduais e municipais pelo interior do Brasil. Os pais também enfrentam a dificuldade financeira de manter seus filhos estudando online.
A falta dessas ferramentas aumentou a desigualdade na educação, o que de fato vai levar milhões de trabalhadores e trabalhadoras a uma exclusão sem precedente nas universidades públicas. Outra deslealdade do governo foi abrir a plataforma de provas online, o que escancara o processo de exclusão deste governo que já tem demonstrado que odeia as minorias.
Para ilustrar essa desigualdade podemos afirmar que no estado do Piauí, onde moramos no mês de dezembro do ano passado, o governo divulgou como fonte promissora que cinco municípios em breve teriam plataformas digitais de 4G, o que significa que esses municípios não tem uma internet de qualidade para acessar vídeos e aulas online, isso que nem estamos falando das Escolas do Campo onde não têm acesso nenhum a rede de internet e celular. Como fica a vida desses estudantes na concorrência dessas provas? Diante disso, o próprio governo ao manter o Enem se torna o próprio propagador das desigualdades ao invés de corrigi-las.
Quais os impactos da manutenção do Enem 2020 para os educandos e educadores das Escolas do Campo nas áreas de Reforma Agrária?
O impacto é profundamente negativo, pois as Escolas do Campo não tiveram como realizar aulas presenciais devido a pandemia, além disso, a maioria desses estudantes não tiveram aulas online. Um exemplo disso é a Escola do Campo – Lucas Meireles Alves, de ensino médio onde trabalho no Assentamento 17 de Abril, em Teresina, Piauí. Mais de 70% dos alunos dessa escola não tem internet. Os estudantes só receberam apostilas de estudos sem orientação dos professores.
Compreendemos que realizar as provas do Enem em plena pandemia, sem que a maioria dos estudantes tenham condições de acessar em pé de igualdade os conhecimentos da educação básica é mais uma forma deste governo de excluir a classe trabalhara aos bens públicos de direito que é a educação.
Com essa atitude o MEC não considera as necessidades de restrições de aglomeração e passa a promover aglomerações, por outro lado ampliará as exclusões de estudantes para acessarem o ensino superior, o que aumentará a desigualdade educacional.
Na última terça-feira (12), o ministro da Educação, Milton Ribeiro, disse que as datas do Enem 2020 estão mantidas e que uma “minoria barulhenta” é quem pede o adiamento das provas. Qual o posicionamento do setor de educação do MST sobre isso?
A declaração do Ministro da Educação atende a lógica do negacionismo deste governo. A manutenção das provas para o próximo dia 17, em plena pandemia, pode trazer enormes prejuízos a sociedade brasileira e uma crise de saúde pública sem precedentes. A vida dos estudantes está em jogo devido a exposição ao vírus, e a vida de seus familiares (pais e avós) considerados do grupo de risco pela OMS [Organização Mundial da Saúde]. Além do risco à saúde pública, boa parte dos estudantes da classe trabalhadora não tiveram orientação de ensino e aprendizagem adequada nas escolas públicas com a pandemia, compreendendo que elas funcionaram em aulas remotas, outras nem aula estiveram. A manutenção das provas aumentará as injustiças sociais, provocando um aprofundamento do abismo social que já estamos vivendo na sociedade brasileira, aumento das desigualdades e a negação da classe trabalhadora ao ensino superior.
O papel do governo deveria ser de corrigir as desigualdades sociais, reduzir as injustiças, mas infelizmente o que estamos assistindo é um aumento sem precedente da pobreza, da destruição de direitos trabalhistas e previdenciárias, a falta de investimentos em políticas públicas e investimentos sociais com a aprovação da PEC-95 sobre os gastos públicos.
Para nós do MST, o mais oportuno é adiar as avaliações do Enem por uma questão de vida e saúde dos brasileiros. Convocamos a sociedade civil organizada e os movimentos sociais populares a dizer não as provas do Enem, pelo adiamento imediato até que possamos ter segurança em relação a vida dos brasileiros.
Como os estudantes podem se organizar para enfrentar atitudes como esta do MEC, que não considera as restrições e desigualdades ampliadas pela pandemia?
Se tivéssemos uma educação de qualidade, consciente e entendedora das desigualdades sociais que o povo brasileiro sofre com governos tiranos, talvez os estudantes, através de suas escolas e comunidades, sociedade civil organizada e movimentos populares realizassem um boicote em frente de escolas e centros de avaliações destinados a realização das provas, com mobilizações sociais nas redes e nas ruas.
Os governadores e prefeitos também precisam tomar partido e ajudar a evitar as aglomerações dizendo não as avaliações do Enem na pandemia. E os movimentos populares, a sociedade estudantil, como a UNE [União Nacional dos Estudantes] e a sociedade civil organizada precisam se unir e denunciar que promover aglomerações durante a pandemia em instituições públicas é crime.
Desde o início da pandemia fortalecemos a luta pelo isolamento social e o fechamento das escolas públicas onde intensificamos as campanhas “conteúdo se recupera, vidas não!” “abrir escola na pandemia é crime”. Nossa urgência enquanto MST é salvar vidas, evitar aglomerações e construir alternativas para defender a vida dos brasileiros e brasileiras até que uma vacina seja possível para imunizar a população.
#adiaenem, em defesa do direito a educação, saúde e a ciência!
*Editado por Fernanda Alcântara