MST: 37 anos de luta e existência
Por Geraldo Gasparin e Rosmeri Witcel
Da Página do MST
O que explica a existência de um movimento camponês com tão prolongada existência? Pelo menos na história do Brasil não há experiência tão duradoura. Essa mesma história revela que em nosso território se forjou uma estrutura fundiária baseada no latifúndio que, combinada com a monocultura para a exportação e a escravidão, estabeleceram as raízes históricas da desigualdade social que atinge o Brasil até os dias de hoje. Mas a história do MST não se explica apenas pela não equação desta dívida social ou pela teimosa esperança de querer superá-la. Então o que explica o MST continuar existindo?
O MST sempre incorporou a sua luta objetos mais amplos que a luta pela terra; a unidade política em torno de princípios e tarefas políticas; a formação permanente de militantes e projeção de quadros; a busca de uma organicidade que possibilita a vivência da democracia; a prática da solidariedade de classe e o internacionalismo; a vivência da mística e o respeito aos símbolos (hino e bandeira); a autonomia política, entre outros. Todos essas dimensões foram temperadas pelo ensinamento político de Florestan Fernandes: importa a uma organização social, não se deixar cooptar, não se deixar esmagar, lutar sempre.
Esse Movimento que inspira e conspira luta reserva todos os cuidados aos seus sujeitos sociais: mulheres, homens, crianças, LGBTQI+, jovens, idosos. Construiu um sujeito social coletivo. Forjou uma militância que carrega múltiplas dimensões da vida e dos valores, sobressaindo um ser social humanizado, preocupado com as questões sociais, políticas, econômicas, culturais e ambientais de nosso tempo.
Como organização popular, forjou um novo tipo de fazer política, diríamos até, uma organização de novo tipo: é um Movimento de massas, mas reúne tarefas políticas de uma organização de quadros. Sobressai uma consciência com horizonte alargado para os grandes temas, para as tarefas da organização da classe e seus instrumentos políticos, mas que também alia a festa, o lúdico, a mística, a celebração, a alegria, a música, a cultura, a arte, o encontro, a fraternidade. Elementos que conformam uma característica peculiar na sua militância.
Todavia, todos esses aspectos ainda não explicitam a totalidade da existência do MST.
É preciso dar ênfase à dimensão da luta. Os processos de luta resultaram em conquistas econômicas, políticas, mas sobretudo forjaram uma consciência de que só a luta faz valer. Decididamente, só haverá mudanças se houver processos de lutas de massas. No caso do MST, foram as grandes ocupações de terra que confirmam a sua existência. A mostrar para a sociedade e sobretudo a sua base social, que só será possível equacionar a problemática da terra, da reforma agrária e de transformações sociais mais profundas se houver luta e mobilização.
É preciso ainda dar destaque a vivência de valores como o amor pelo povo; a capacidade de indignar-se; o espírito de rebeldia e de sacrifício; o estudo, a solidariedade, entre outros. Esses valores não são letra morta, caracterizam o jeito de agir de sua base social e de sua militância.
Mas ainda não se disse tudo. É preciso reconhecer que o espírito de pertença é uma característica fundamental que marca quem passa pelas fileiras do MST. A pertença se forja quando também se encontram histórias em comum, vidas sofridas que aprenderam a ter fé, coragem e esperança, agrupadas num mesmo objetivo, numa mesma utopia.
Cabe reconhecer ainda o MST, pelo seu processo de organização interna, projeta comunidades, territórios de resistência, lugares em que se pode viver com dignidade, sob novas relações sociais e de produção, respeito ao meio ambiente, produção de alimentos saudáveis. É também nesses territórios que construímos nossas escolas, nossos processos de escolarização e alfabetização, transpondo as barreiras da ignorância e do analfabetismo que sempre tentaram impor aos pobres.
Mesmo com todos os desafios de se fazer avançar a reforma agrária na atual conjuntura, o MST vai se tornando o costureiro de sonhos e esperanças, não só para os Sem Terra, mas para todos quantos que acreditam que a luta, a organização e a mobilização popular são combustíveis indispensáveis das mudanças.
Por isso, vida longa ao MST que, como profetizou Dom Pedro Casaldáliga, se não tivesse existido, teríamos que inventá-lo. Por isso o MST continuará existindo sempre nos que acreditam numa sociedade justa, solidária, igualitária e fraterna. Pilares de novas formas de civilização que brotam das experiências libertárias de luta. O MST é uma delas.
Janeiro de 2021
*Editado por Fernanda Alcântara