Agroecologia
Mais de 100 famílias do PR são beneficiadas por sementes crioulas
Da Página do MST
Sem ter como comercializar e escoar a produção das sementes e alimentos, devido à pandemia da Covid-19, além do severo corte no orçamento para políticas públicas de incentivo à agricultura familiar feito pelo Governo Federal, cerca de 100 famílias organizadas na Rede de Famílias Guardiãs, no Paraná, têm buscado garantir a soberania alimentar, a autonomia camponesa e a agrobiodiversidade através das sementes crioulas.
“Essa rede sempre existiu, ela é formada pelas pessoas que se entendem quanto guardiões e guardiãs, ou seja, são pessoas que tem uma profunda relação com a natureza, que tem esse carinho pelas sementes, que trabalham por ela, que conservam, preservam e multiplicam, que agem para que elas sigam puras e as famílias agricultoras continuem construindo sua soberania alimentar no campo, gerando renda, tendo sua própria semente, não dependendo de sementes transgênicas, de agrotóxicos, de nada que venha de fora da propriedade”, explica a assessora técnica da AS-PTA e integrante da ReSA, Luiza Damigo.
A guardiã e representante da Casa das Sementes de Mandirituba, Ínes Polidoro, explica que a garantia de alimentos saudáveis na mesa do agricultor e dos povos da cidade passa pela preservação das sementes e se dará somente com o fortalecimento dos Guardiões e Guardiãs, pois são eles que garantem a preservação, multiplicação e armazenamento das sementes a muitas gerações.
“A única possibilidade de nós podermos preservar a agrobiodiversidade, as sementes, é potencializar, aproximar e fortalecer a rede dos guardiões. Eles são exemplos concretos de luta e resistência, e são eles que fazem o resgate das sementes para que a vida continue, para que tenhamos sementes livres, para que tenhamos liberdade de plantar e comer alimentos de qualidade, sem contaminação, e delas serem uma ferramenta concreta de luta contra os agrotóxicos e a transgenia”, afirma Ínes Polidoro.
Para a guardiã de sementes crioulas, agricultora e integrante do Movimento das Mulheres Camponesas (MMC), Ana Claudia Rauber, a semente crioula é alimento diversificado e saudável na mesa, e representa a autonomia camponesa.
“As sementes possibilitam produzir alimentos diversificados, portanto garantem nossa soberania alimentar, contribuem com a nossa saúde a cada colheita realizada. Além disso, ajudam a proteger a nossa terra amada e representam a autonomia camponesa, pois produzir a nossa própria semente nos dá independência e reduz os custos de produção. Por isso tudo, as sementes também devem ser doadas, repassadas adiante, o verdadeiro guardião não pode querer a semente para si, deve ser generoso para que outras pessoas também sejam multiplicadoras dessas sementes”, afirma.
Com a pandemia, os espaços de comercialização e geração de renda, troca de sementes e fortalecimento da agrobiodiversidade, vivenciadas pela Rede de Famílias Guardiãs, através das feiras e festas das sementes crioulas organizadas pela ReSA – Rede Sementes da Agroecologia, tiveram que ser cancelados, colocando em xeque a autonomia financeira, a proteção da agrobiodiversidade e a produção de sementes crioulas destinadas à produção de alimentos saudáveis. Desde o início de sua formação, em 2015, a ReSA vinha numa crescente na organização dessas atividades, sendo realizadas, até 2019, cerca de 80 eventos, já em 2020, seriam 30.
“Desde que a ReSA foi criada, em 2015, estamos atuando pela valorização e reconhecimento da Rede de Famílias Guardiãs, ampliação e fortalecimento das festas e feiras, pois esses são espaços muito expressivos de troca de sementes, geração de renda e de culminância de toda à atuação política da ReSA, além de possibilitar o diálogo e interação com a sociedade, com o público urbano, com grupos de mulheres, de jovens e coletivos locais”, afirma Luiza.
Nesse contexto, em setembro de 2020, as famílias guardiãs começam a vender suas sementes crioulas através do Projeto Emergencial de Conservação e Multiplicação da Agrobiodiversidade, proposto pela ReSA com apoio do Ministério Público do Trabalho no Paraná (MPT-PR). Desde então, já foram comercializados mais de 30 toneladas de cereais, 40 mil mudas de mandioca, 50 mil mudas de batata salsa, além de aproximadamente 16 mil pacotes de 135 variedades de sementes de hortaliças. Toda essa diversidade foi doada para 30 comunidades quilombolas, 10 comunidades faxinalenses, 25 terras indígenas, 18 comunidades caiçaras, 8 assentamentos e 3 acampamentos da reforma agrária, 85 comunidades de 10 municípios ligadas ao Grupo Coletivo Triunfo e 6 cooperativas da agricultura familiar.
Com isso, além de garantir a renda familiar, o projeto também possibilita aos guardiões e guardiãs a conservação e multiplicação das sementes – seja para sua alimentação e produção, seja para comercialização e troca.
Ínes destaca que ao fazer a conservação, multiplicação e partilha, as famílias guardiãs possibilitam a todos a continuidade das sementes crioulas. “Multiplicar é consequência do cuidado, e partilha é uma obrigação para quem quer que as sementes continuem nos possibilitando a independência. Então a prática dessa expressão é muito profunda, é a possibilidade que essas sementes possam continuar, porque se só um de nós tem uma variedade de semente, nós corremos o risco de perder, agora quando mais pessoas tiverem as variedades das sementes, há mais garantias de que futuras gerações poderão ter”.
Para Luiza, “o processo de resgatar as sementes é olhar com atenção, carinho e respeito ao que os nossos antepassados conservaram, melhoraram e domesticaram, já multiplicar, colher e armazenar é dar continuidade a vida”.
Organização
Atualmente, as cerca de 100 famílias guardiãs que compõem a ReSA estão organizadas a partir dos coletivos, entidades e movimentos sociais nas suas regiões, conforme explica Luiza. “Os guardiões e guardiãs vêm se organizando junto aos coletivos territoriais. Por exemplo, no centro sul do estado temos o Coletivo Triunfo, formado por famílias guardiãs e organizações de base, atuando para ter os seus direitos assegurados, criação de mercados, desenvolvimento de tecnologias sociais de conservação”. A ReSA tem o desafio de buscar formas de fortalecer essas famílias que protegem e multiplicam as sementes crioulas nesse momento de pandemia.
Para as 25 organizações do campo e da cidade que compõem a ReSA, as sementes crioulas são todas as formas de vida utilizadas para a multiplicação de uma espécie, ou seja, grãos, mudas, tubérculos, ovos e animais, são considerados sementes e fundamentais para a manutenção da biodiversidade e a produção de alimentos.
As sementes crioulas do acampamento Maria Rosa do Contestado
Celio de Oliveira Meira é produtor agroecológico e coordenador do acampamento Maria Rosa do Contestado, de Castro. A comunidade existe desde 2015, em uma área pública antes utilizada ilegalmente por empresas privadas. Desde a ocupação, as famílias decidiram por construir uma comunidade 100% agroecológica, sem uso de agrotóxicos e transgênicos.
Em março de 2020, todas as famílias acampadas receberam certificação de produção 100% agroecológica pela Associação Ecovida de Certificação Participativa, e os agricultores e agriculturas passaram a ser considerados “guardiões de sementes”, com a responsabilidade de preservar e multiplicar as variedades crioulas.
Um dos resultados expressivos da produção é justamente o cultivo de sementes crioulas. Como integrante da ReSA, a cooperativa da comunidade participou do Projeto Ecoforte. Em outubro de 2020, as famílias puderam vender ao projeto cerca de 5 toneladas de sementes, de diferentes variedades de alimentos, que foram destinadas a comunidades tradicionais.
“Ter participado desse projeto foi muito importante pra nós, deu mais ânimo e visibilidade para a luta pela agroecologia e no resgate das culturas camponesas. A gente está mostrando na prática que é possível e importante resgatar essa cultura das sementes crioulas”, relata o coordenador da comunidade.
*Editado por Fernanda Alcântara