Habitação Rural
Novo programa habitacional do governo não tem preocupação com moradia rural
Por Solange Engelmann
Da Página do MST
Em agosto do ano passado, durante a pandemia do coronavírus, quando cientistas e organizações internacionais do mundo clamavam pelo “fica em casa”, o governo Bolsonaro lançou o programa habitacional Casa Verde e Amarela. E em janeiro deste ano, sem alardes, completou a extinção do programa Minha Casa Minha Vida, que durante dez anos promoveu moradia digna a milhões de brasileiros e brasileiras, com investimentos de 100 bilhões de reais.
Os movimentos populares criticam o novo programa habitacional de Bolsonaro por não prever a construções de novas moradias para a população de baixa renda, mas a situação é ainda pior no campo, quanto ao acesso das famílias que vivem em áreas de assentamentos de Reforma Agrária. Para discutir esse assunto, a Página do MST entrevistou o agrônomo Daniel Vieira, dirigente do setor de produção do MST.
Vieira explica que, até o momento, o Casa Verde e Amarela não prevê um programa específico com orientações de como será o acesso dos moradores do campo à habitação rural. “Dentro do Minha Casa Minha Vida havia um programa que se chamava Programa Nacional de Habitação Rural (PNHR), onde eram contratadas as habitações para assentamentos, quilombolas, indígenas e agricultura familiar. No Casa Verde e Amarela, embora tenha na Medida Provisória e no decreto citando que o público rural será atendido, não existe o programa”.
Confira a entrevista!
Qual o impacto do golpe contra o governo Dilma em 2016 no Programa Minha Casa Minha Vida e o acesso das áreas de assentamentos ao programa?
No programa Minha Casa Minha Vida, dentro da faixa 1, com subsídios da União, as parcelas de pagamento do crédito habitação para as famílias beneficiadas variavam, entre R$ 80,00 e 270,00, após a entrega das casas construídas.
Nós do MST e assentamentos de Reforma Agrária não tivemos nenhum contrato de moradia após o golpe. Nem mesmo no Programa Minha Casa Minha Vida, não tivemos mais contratos depois que Michel Temer assumiu a presidência.
A prioridade do governo federal, hoje, para os assentamentos é a titulação. Não irão fazer novas áreas de assentamentos e também não estão preocupados com moradias. Desde que Bolsonaro assumiu, não foi contratado nenhum projeto de habitação nos assentamentos. Aliás, todas as habitações que estão sendo entregues até agora são projetos contratados nos governos anteriores, e em toda a propaganda que o governo atual faz, ele omite a informação de que estas casas são do programa Minha Casa Minha Vida.
Como fica a situação da habitação dos assentamentos no programa Casa Verde e Amarela e o acesso das famílias assentadas ao novo programa?
O novo programa prevê a participação do público rural, mas não tem orientação específica para assentados da Reforma Agrária. Em agosto do ano passado foi lançada uma Medida Provisória criando o Programa Casa Verde e Amarela. Mas, só em janeiro deste ano começaram a criar os decretos. Ainda não tem normativas internas do Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR) para o funcionamento do programa.
O programa é dividido em três grupos e o acesso das famílias nesses grupos varia de acordo com a sua renda. O grupo 1 é destinado aos trabalhadores mais pobres, com subsídio federal. Os grupos 2 e 3 do programa são financiamento, que a classe média tende a acessar com juros baixos. Mas não há meta específica do governo para cada um desses grupos, o orçamento do programa agora é com recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), e não foi anunciado recursos do Orçamento Geral da União para o Programa. Isso significa que o governo irá priorizar o financiamento nos grupos destinados à classe média, e que não destinou recursos para o grupo que os trabalhadores mais pobres acessam.
Como fica a situação da moradia urbana e rural da população mais pobre o novo programa Casa Verde e Amarela, reivindicada pelos movimentos populares urbanos e rurais, principalmente das famílias de recebem até dois salários mínimos?
Existe hoje um déficit habitacional de mais ou menos 8 milhões de moradias no país. Esse cálculo é feito pela Fundação João Pinheiro e considera casos como habitações precárias, aluguel abusivo, mais de uma família morando na mesma moradia, etc. O programa Minha Casa Minha Vida foi idealizado pensando em resolver esse déficit habitacional, e entregou algo em torno de 4,5 milhões de moradias. O programa Casa Verde e Amarela, por outro lado, não tem essa preocupação. No lançamento do programa fizeram propaganda de entregar 1,6 milhões de habitações até 2022.
Diferente do Minha Casa Minha Vida, onde os movimentos sociais e mesmo os empresários da construção civil eram convidados para o ato do programa, no governo Bolsonaro quem foi convidado para o lançamento do programa Casa Verde e Amarela foi a Federação Brasileira de Bancos (FEBRABAN), demonstrando que o alinhamento do programa será com o setor financeiro e não com a população que necessita de moradia.
Os movimentos de luta por moradia estão denunciando que “as famílias devem passar por uma análise de crédito nos bancos para acessar o programa”. Isso porque o recurso destinado para o Programa Casa Verde e Amarela vem do FGTS, e para as famílias acessarem esse recurso precisam passar por uma série de pré-requisitos, tais como análise do projeto, da propriedade, análise de crédito no banco, ter o nome limpo, etc. Isso significa que as famílias pobres vão continuar sem casa. Pois, em geral, muitas dessas famílias não possuem conta bancária e não passariam por uma análise de crédito do banco para acessar o programa.
Outra novidade do novo programa é que o governo tende a priorizar empresas da construção civil e prefeituras, como entidades executoras. O que antes era feito pelas associações e cooperativas dos movimentos sociais, associações de bairros, associações de agricultores, sindicatos, entre outros.
Quais as diferenças entre o novo programa habitacional de Bolsonaro e o Minha Casa Minha Vida, em relação aos subsídios do governo federal para a moradia rural?
Primeiro, é importante ressaltar que o governo criou um programa novo baseado no que era o Minha Casa Minha Vida. É um esqueleto muito semelhante, eles não conseguiram inovar muito. A grande diferença é a orientação política de quem irá ser beneficiado, quem terá projeto aprovado e de onde vem o recurso financeiro.
Além disso, o governo está fazendo uma grande propaganda na redução de juros em até 0,5%, mas oculta a informação de que não há recursos do tesouro para o grupo 1, destinado às famílias mais pobres. Na faixa 1 do Minha Casa Minha Vida eram onde os movimentos populares acessavam com subsídios de até 95%. Ou seja, o governo oculta uma informação de moradias que era subsidiada para as famílias de baixa renda e faz propaganda de 0,5%, que é insignificante perto do que são os subsídios.
Dentro do Minha Casa Minha Vida havia um programa que se chamava Programa Nacional de Habitação Rural (PNHR), onde eram contratadas as habitações para assentamentos, comunidades quilombolas, indígenas e agricultura familiar. No Casa Verde e Amarela, embora tenha na Medida Provisória e no decreto citando que o público rural será atendido, não existe o programa. Deixou de existir o PNHR, e agora não sabemos como será esse programa específico para habitação rural. Por enquanto, como não existe o programa também não há definição de como será a habitação rural.
A tendência do governo é colocar as famílias para acessarem as faixas de crédito 2 e 3 e não ter uma meta no programa para atender as famílias mais pobres e que necessitam de subsídios. É importante reforçar que nas faixas 2 e 3 o programa não prevê subsídios, mas somente uma taxa de juros menor, que será acessado como empréstimo bancário e com pagamento integral do empréstimo.
*Editado por Fernanda Alcântara