Agroindústrias
MST no Ceará implanta agroindústrias nos assentamentos para produção de alimentos saudáveis
Por Ricardo Cassundé e Sheila Rodrigues*
Da Revista Sem Terra Ceará
O MST no Ceará está em fase de implantação de cinco agroindústrias de beneficiamento de produtos agrícolas. As instalações são fruto da mobilização dos trabalhadores e trabalhadoras, que tem como objetivo produzir alimentos saudáveis e acessar os mercados governamentais e institucionais. Ao todo, estão envolvidos 96 assentamentos com mais de 1.200 famílias beneficiárias direto do Projeto São José III. As indústrias irão processar mais de 150 variedades de produtos.
Um projeto inovador que trabalha vários aspectos da organização, desde a gestão política das entidades, implantação de áreas produtivas, formação de pessoas, fortalecimento da cooperação e intercooperação. O debate da inserção da juventude e das mulheres é garantido desde a formação de pessoas até a contratação de colaboradores.
Em mais de três décadas de existência, o MST tem organizado diversas famílias camponesas para adentrar a terra e construir suas condições de produzir para o seu autoconsumo. No atual cenário, o Setor de Produção Cooperação e Meio Ambiente (SPCMA) do MST Ceará tem pautado ações junto ao Governo do Estado do Ceará para melhoria das condições de vida das famílias assentadas, com foco no beneficiamento e comercialização de seus produtos.
Ricardo Cassundé, Técnico em Agroecologia pelo Serviço de Tecnologia Alternativa (SERTA-PE) e militante do setor de produção, explica que todos os territórios organizados pelo MST no Ceará estão localizados em municípios assolados pela semiaridez onde “essa condição natural tem colocado nossas famílias em alguns meses em vulnerabilidades quanto à escassez hídrica, a degradação dos recursos naturais afetando a produção agrícola”.
Os empreendimentos estão localizados nos territórios conquistados da luta pela terra e organizados em sistemas produtivos com foco nas potencialidades regionais onde contamos com fabricas de beneficiamento de caju e castanha (Assentamento Zé Lourenço em Chorozinho), mel (Assentamento Massapê em Mombaça), caprinos e ovinos (Assentamento Palestina em Independência), mandioca (Assentamento Lagoa do Mineiro em Itarema) e leite (Assentamento Nova Canaã em Quixeramobim).
Francisco Waldeci, assentado no Assentamento Massapê em Mombaça, vê na agroindústria a possibilidade de escoar sua produção. “Essa obra para nós aqui é um sonho, porque a gente produziu a vida toda e só mandava para o atravessador, agora nós sabemos que nossa produção vai para nossa cooperativa e com um preço mais justo, melhora a nossa vida e a gente se interessa mais para plantar e criar na nossa terra”, comemora.
Para Manoel Missias, dirigente do setor de produção, a conquista das nossas agroindústrias “é mais um passo importante para a sustentabilidade do nosso projeto político de campo para a sociedade, que o MST vem propondo que é de produzir alimentos de qualidade para a população e garantia de melhores condições de vida às famílias assentadas”. Missias ressalta que este projeto se insere numa nova dinâmica no cotidiano camponês, com relação as formas de criar e plantar, “mas que são processos necessários e que contribuem diretamente para o fortalecimento da participação das mulheres e de nossa juventude nos diversos processos produtivos e sociais, pois a garantia da agregação de valor e a geração de renda se torna importante estratégia de resistência e permanência para as famílias no campo” afirma.
A comercialização nas cooperativas
Ao todo, seis cooperativas regionais atuam como gestoras das indústrias de beneficiamento do leite, mel, caprinos, caju e mandioca. Essas entidades são a representação política e econômica dos assentados e mantém relação com os demais agricultores familiares nas regiões. Em 2020, as cooperativas iniciaram experiências de comercialização para os mercados governamentais e convencionais, com expectativa de ampliar neste ano de 2021, como é o caso da Cooperativa Regional dos Trabalhadores Apícolas Assentados e Assentadas da Reforma Agrária (COOPERAMEL), que comercializou 24 toneladas de mel em 2020 e pretende comercializar 60 toneladas em 2021.
A Cooperativa Regional dos Assentados de Reforma Agrária do Sertão Central (COOPERASC) comercializou 730.000 litros para empresa de laticínio Betânia e 498.400 litros para o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e pretende ampliar suas vendas para 1.825.000 litros de leite. Já a Cooperativa Regional dos Assentados/as de Reforma Agrária do Sertão dos Inhamuns Crateús (COOPERAMUS) comercializou 1.600 animais e quer ampliar para 10 mil, além dos produtos industrializados.
A Cooperativa Regional de Produção Agroindustrial Luis Carlos Ltda (COLPAC) comercializou 800 quilos de amêndoas e em 2021 a estimativa é de que 100 mil quilos sejam vendidos. E na região do litoral, a Cooperativa Regional dos Assentados da Região Litoral Norte (COOPARANORTE) pretende comercializar 10 toneladas de farinha e goma de mandioca neste ano.
O papel da produção na luta pela Reforma Agrária
O MST tem cumprido um papel relevante na luta pela água, terra, produção, educação, cultura, dentre outras infraestruturas que compõem a construção da Reforma Agrária Popular. A conquista das agroindústrias de beneficiamento de produtos das áreas de Reforma Agrária, em parceria com o Governo do Ceará e a Secretaria de Desenvolvimento Agrário (SDA), por meio do Projeto São José III, e a Fundação Mundikide desde o país Basco, que tem colaborado com as experiências em gestão de pessoas e cooperativas a partir do trabalho de profissionais especializados, garantiu a implantação de projetos estruturantes que possibilitam que camponeses assentados comercializem seus produtos de forma agroecológica.
Outro desafio que caminha junto com o sucesso da agroidustrialização é a cooperação agrícola. No momento, o MST no Ceará realiza a gestão das Cooperativas de Produção Agropecuária (CPA’s) com foco na comercialização com mercados locais e também institucionais, além de processos formativos junto às famílias assentadas voltados a produção agroecológica.
Ricardo Cassundé, que colabora na condução dos núcleos de produção para as agroindústrias e com foco na certificação orgânica, afirma que “o fomento à produção agroecológica é o caminho para sair da dependência dos insumos que encarecem a produção, mas acima de tudo é uma forma de construir alternativas produtivas e tecnológicas para promover saúde e dignidade no campo. Porque uma alimentação saudável é direito de todos/as que plantam, colhem e consomem”, conclui.
*Conteúdo publicado originalmente na Revista Sem Terra Ceará e disponibilizado abaixo para baixar
**Editado por Solange Engelmann