Centenário Paulo Freire

Educar é um ato político: Viva o centenário de Paulo Freire!

Confira entrevista exclusiva do pensador ao JST, em 1989, para rememorar, enraizar e cultivar seu legado com milhões de educadoras(es), estudantes, lutadoras e lutadores do povo!

Da Página do MST

Em 2021 comemoramos o centenário de Paulo Freire, o educador do povo, e ao longo deste ano, várias atividades serão realizadas para celebrar. Autor da obra “Pedagogia do Oprimido”, entre muitas outras, Paulo Freire é reconhecido no Brasil e no mundo pelo método de alfabetização desenvolvido na década de 1960. Patrono da Educação Brasileira desde 2012.

Defender o legado de Paulo Freire, para o Brasil tem um significado muito especial para o MST, e por isso, disponibilizaremos diversos materiais sobre o pensador. Confira a entrevista exclusiva para o Jornal Sem Terra, em março de 1989 (página 16), guardada pela Hemereoteca da Luta pela Terra (2021).

“Educar é um ato político!”

Paulo Freire, 68, professor universitário, Secretário de Educação da Prefeitura de São Paulo desde janeiro deste ano (1989). Em entrevista ao Jornal Sem Terra fala da teoria da educação e das experiências populares nessa área.

JST: Secretario, em que medida a educação influi num processo de transformação da sociedade?

Freire: Ainda há quem pense que a educação, tem força de transformação da realidade. A educação não é alavanca da transformação social, mas a transformação social implica educação. Ela não é chave, mas faz parte dos componentes da transformação revolucionária. É óbvio que a educação escolar por exemplo, não é elemento determinante da transformação social. Nenhuma classe dominante organizaria um sistema educacional que trabalha contra ela. Nenhuma classe dominante cometeu suicídio. Entretanto, reproduzir a ideologia dominante não é a única tarefa da educação escolar, a outra tarefa independente do querer das classes dominantes, é a tarefa de desmascarar esse poder reprodutor que a educação tem.

JST: Quer dizer que a educação é classista?

Freire: Mas é lógico! Portanto, do ponto de vista dos trabalhadores com vistas a transformação. Ela deve ter um conteúdo de classe, a educação não é, nunca foi e não será neutra, a educação é sempre um ato político.

JST: Como se dá a relação da educação com as organizações dos trabalhadores em vista dos processos revolucionários?

Freire: Os educadores precisam conhecer os processos de desenvolvimento dos movimentos populares de classe, deve se engajar nesse processo, a educação tem grande possibilidade de ajudar na transformação. A educação desenvolve os trabalhadores, faz a sua força crescer.

JST: Existem Experiências de educação massiva através do rádio fala nos sobre isso?

Freire: Foi no início da década de 60, o movimento de Educação de Base(MEB) desenvolveu essa experiência com ajuda da CNBB. Eu estava programado para fazer algo assim também em convênio com o MEB mas veio o golpe de estado em 64. Foi uma experiência válida, quero dizer a nível de uma boa teoria, que isso é possível. Você pode através do rádio organizar numa área enorme programas com receptores estabeleceram circuito de perguntas e debates mas é preciso ter gente capacitada para estabelecer um diálogo que abranja uma quantidade grande de pessoas num só momento. Outra questão fundamental nesse tipo de trabalho é a postura crítica dos monitores é preciso nos debates discutir as experiências dos trabalhadores, uma greve de camponeses, por exemplo, debater os erros e acertos e daí tirar os ensinamentos de ordem teórico-política. Utilizar outros meios de massas, também usar o vídeo por exemplo.

JST: Qual sua recomendação de método para aqueles que trabalham com formação política, formação de quadros?

Freire: Que a formação se baseia na reflexão sobre a prática que os componentes de um determinado grupo tem, por exemplo, você discute com grupo de camponesa sua experiência de luta ou a própria experiência de trabalho. Da reflexão do cotidiano da vida de um grupo de camponeses, é possível discutir a prática individual e social dos formandos, a partir daí se discutir por exemplo as classes sociais as formas de exploração do trabalhador e outros fatores presentes na vida dos camponeses. Insisto que a melhor forma de fazer formação é propor a quem está se formando uma análise sobre que faz, e é analisando o que se está fazendo, que se descobre a teoria que se está escondida na prática e nem sempre é percebida.

JST: Mudanças na base econômica da sociedade modificam relação educador-aluno?

Freire: A educação se dá dentro da história e não dentro da cabeça da gente. Há alterações dentro da sociedade, por exemplo, o avanço da tecnologia que modificam as linguagens, que alteram a compreensão da vida. Há coisas que historicamente se mantém. Em todas as épocas a educação foi sempre um ato político. Em todas as épocas, educação sempre envolveu um certo conteúdo.
Não existe educação sem que haja um objeto que deve ser conhecido pelo aluno e ensinado pelo educador, o que muda na história é a compreensão do que é conhecer.

Outra coisa que muda é a compreensão da relação educador-educando. Numa perspectiva autoritário o educador é proprietário do conhecimento. Numa perspectiva democrática revolucionária o educador não é dono do conhecimento. O educando não é considerado incompetente, o educando é considerado possuidor de um conhecimento um tipo de saber pouco rigoroso em face do saber do educador. Portanto é a tarefa do educador, partir de como
educando conhece e avançar para um conhecimento mais rigoroso.


JST: Quais os projetos de Educação para prefeitura de São Paulo?

Freire: Como não dá para entrar em detalhes, digo que nosso projeto, em linhas gerais é fazer a escola pública ser popular. A escola pública popular não é apenas aquela que se localiza na área popular e sim a escola que tem a compreensão popular do ato de ensinar, aquela que está a serviço do povo.