Desmatamento
Tamanho das áreas desmatadas na Amazônia está 61% maior, revela estudo
Por Duda Menegassi
Do ((o))eco
Desde 2018, o desmatamento na Amazônia Legal apresenta uma tendência contínua e progressiva de crescimento. Somente em 2020, o Brasil perdeu 11.088 km² de floresta, de acordo com a estimativa do Prodes, sistema de monitoramento do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). Mas os números absolutos escondem uma mudança de padrão ainda mais preocupante: o tamanho das áreas desmatadas individualmente estão em média 61% maiores em 2019 e 2020, em comparação aos dez anos anteriores. Os dados são do levantamento realizado pelo pesquisador Ralph Trancoso, da Universidade de Queensland, na Austrália, que aponta ainda que pela primeira vez o número de grandes polígonos de desmatamento supera o de pequenos. O motivo por trás desse crescimento seria o enfraquecimento das políticas públicas de combate ao desmatamento e da fiscalização ambiental, alerta o engenheiro florestal responsável pela pesquisa.
O estudo analisa os padrões do desmatamento nos últimos dois anos (2019-2020) em comparação aos dez anos anteriores (2009-2018), com base nos dados do Prodes. Através desse levantamento, o pesquisador descobriu que o tamanho médio da área desmatada subiu de 10.6 para 24.7 hectares entre 2015 e 2019, e manteve-se em 24.1 hectares em 2020. Um crescimento médio de 61% nos últimos dois anos em comparação aos dez anos anteriores. A pesquisa revelou ainda que o número de polígonos de desmatamento maiores que 100 hectares também cresceu nos últimos 5 anos e, em 2020 foi responsável por 35.8% de todo o desmatamento registrado na Amazônia. É a primeira vez no monitoramento recente que esse número de grandes áreas desmatadas supera a soma das áreas menores, com menos de 20 hectares e entre 20 e 100 hectares.
“Os desmatamentos estão, em média, 61% maiores durante a gestão do governo atual do que eram nos 10 anos anteriores, quando não houve grandes mudanças na governança ambiental da Amazônia. Áreas enormes com mais de 100 hectares (mais de 90 campos de futebol) agora dominam o desmatamento da Amazônia, como no início dos anos 2000, quando o desmatamento estava fora de controle. Estes números indicam que os padrões de desmatamento mudaram e agora estão concentrados em grandes polígonos, demonstrando o início de uma nova onda de destruição que deve ser controlada o quanto antes”, conta Ralph Trancoso em entrevista ao ((o))eco.
Em sua pesquisa, pré-publicada na Environmental Research Letters, Ralph indica a urgência de restaurar as políticas de comando e controle, e das intervenções do mercado para conter o aumento do desmatamento. Um dos principais exemplos, segundo ele, é o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal, o PPCDAm, criado em 2004 e engavetado desde o início da gestão de Jair Bolsonaro.
“Governança ambiental e desmatamento estão diretamente associados. Estudos anteriores demonstraram forte relação entre estas políticas de combate ao desmatamento e a redução do desmatamento na Amazônia. Neste novo estudo, eu demonstro que não somente a taxa anual de desmatamento, mas também a forma como ele ocorreu, mudou em resposta ao enfraquecimento da governança ambiental do atual governo”, continua o pesquisador.
“Quando observadas na imagem de satélite, as áreas individuais desmatadas se assemelham a uma cicatriz no maciço florestal. As características destas ‘cicatrizes florestais’, tais como tamanho, forma e distribuição na paisagem, estão associadas a processos socioeconômicos e à governança ambiental. A maioria das áreas desmatadas, especialmente as grandes áreas, são convertidas em pecuária e agricultura. O que parece ter mudado foi a postura dos desmatadores, que não temem mais os esforços de monitoramento e fiscalização do governo, pelo contrário, sentem-se estimulados a continuar avançando sobre a floresta de forma ainda mais voraz em resposta ao enfraquecimento da governança ambiental”, completa.
Em 2012, ano que o desmatamento atingiu seu menor índice na Amazônia, o padrão era justamente o contrário, destaca o pesquisador, dominado por inúmeros e pequenos pontos de desmatamento, difusos pelo território. Essa diminuição da área desmatada seguiu até 2015, como uma estratégia dos infratores para tentar driblar os alertas do Deter, sistema de monitoramento do INPE que produz alertas quase em tempo real para que os órgãos de fiscalização possam agir com rapidez sobre os focos de desmatamento. A resposta veio com a criação do Deter-B, ainda em 2015, com maior resolução e capacidade de identificar mudanças no uso do solo em menor escala, porém a melhoria tecnológica coincidiu com o que o engenheiro florestal classifica como o início do enfraquecimento da governança ambiental e a gradual retomada de desmatamento em áreas maiores.
“O predomínio de grandes manchas de perda florestal no desmatamento total denota uma mudança fundamental nos padrões de desmatamento, sugerindo que proprietários de terras, grileiros e madeireiros ilegais não temem mais os esforços do governo, antes bem-sucedidos, de monitoramento e fiscalização, introduzindo uma nova onda de destruição da Floresta Amazônica”, ressalta no artigo.
O caminho para solução no curto prazo, de acordo com o pesquisador, é justamente restabelecer as políticas de comando e controle, com esforços concentrados nos grandes polígonos de desmatamento e com uma articulação efetiva entre as agências de monitoramento, como o INPE, e de fiscalização, como a Polícia Federal, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e a Fundação Nacional do Índio (Funai). “Multas, embargos e restrições de crédito aos desmatadores são instrumentos essenciais de controle que precisam ser novamente priorizados. O Brasil conhece o caminho, pois teve sucesso no passado quando o desmatamento estava fora de controle e o PPCDAm foi lançado”, acrescenta.
A longo prazo, Ralph aponta que a ciência e os mecanismos de mercado são fundamentais para transformar a visão que se tem da floresta e para que ela passe a ser mais valorizada em pé. “Precisamos acreditar na ciência e enxergar nossas florestas como ativos climáticos que asseguram a manutenção dos padrões de chuva do país e uma série de atividades críticas que deles dependem, tais como geração de energia e a agricultura. Portanto, a substituição da floresta por agropecuária não é uma decisão inteligente, visto que já temos muitas áreas desmatadas e improdutivas que podem ser utilizadas para esses fins. Precisamos implementar alternativas financeiras para manter a floresta em pé, como mecanismos de pagamentos por serviços ambientais (regulação climática, sequestro de carbono, suprimento de água e manutenção da biodiversidade) e oferecer incentivos às práticas mais sustentáveis para conciliar a conservação da floresta com o desenvolvimento, tais como extrativismo e sistemas agroflorestais. A Amazônia é o maior ativo florestal do mundo, precisamos de uma política internacional de alto calibre para melhor posicionar o Brasil em negociações e captar recursos para auxiliar na implementação destas políticas”, explica o pesquisador ao ((o))eco.
Ralph reforça ainda que a mudança de postura dos consumidores de commodities da Amazônia, exigindo melhor rastreamento e transparência das cadeias produtivas, também é fundamental para conter o desmatamento ilegal. “A criação de plataformas independentes para o rastreamento das cadeias produtivas de commodities da Amazônia vem contribuindo para o estabelecimento da transparência e exposição dos exportadores ligados ao desmatamento ilegal. Até mesmo nós, os consumidores finais, podemos fazer escolhas inteligentes que ajudam a pressionar os distribuidores de commodities e o governo em suas políticas ambientais para a Amazônia”.