Vacina Cubana
Cubanas e cubanos relatam esperança no avanço da vacina Soberana 2
Por Brigada Internacionalista do MST em Cuba
Da Página do MST
Ao contrário do desgoverno brasileiro que negou a pandemia da Covid-19 e lançou mão de vários mecanismos para atrasar a compra de vacinas e a produção de uma vacina nacional, colocando o país no epicentro da pandemia, em Cuba, logo no início da pandemia o governo organizou um Plano Nacional de prevenção e controle do novo coronavírus, com uma quarentena rígida e o acompanhamento de casos por bairros.
No momento estão sendo testadas na ilha comunista cinco tipos de vacinas: Soberania 1, Soberana 2, Soberana Plus, Abdala e Mambisa. Cada imunizante se encontra em fases diferentes de testes clínicos. A Soberana 2 e Abdala estão mais avançadas, na fase três de testes. Conforme Nívia Regina da Silva, da Brigada Internacionalista do MST em Cuba, por conta de um planejamento mais massivo de testes voltado para Soberana 2, a previsão é que a vacina esteja disponível até o final do primeiro semestre deste ano e se torne a primeira da América Latina contra a Covid-19. “A previsão é de que até maio serão 1,7 milhão de pessoas imunizadas, que participaram da fase três das vacinas. Entre junho e julho, será iniciada a vacinação dos idosos, com mais de 60 anos e até final de agosto, a previsão é de mais de 6 milhões de pessoas imunizadas e toda população vacinada até final deste ano”, explica ela.
Assim, na semana do Dia Internacional da Saúde, marcada na última quarta-feira (7/4), por manifestações de denúncias pelo Brasil, contra a política de genocídio do desgoverno Bolsonaro na pandemia, os depoimentos de cubanas e cubanos, voluntários na fase de testes da vacina Soberana 2 na ilha caribenha, revelam um pouco da esperança desse povo com os avanços das vacinas anticovid e mostram a importância de eleger governos preocupados com a saúde e o bem estar de seu povo.
A jornalista cubana, Liliana Sierra Sánchez, fala sobre a importância da solidariedade na produção do imunizante e como a vacina cubana pode ajudar no combate à pandemia nos países da América Latina. “A confiança no êxito da Soberana 02 é total (…), tenho toda fé que hoje a vacina será eficaz, e se poderá imunizar todo o povo cubano. Mas também, colaborar com o enfrentamento à pandemia na América Latina e no mundo, tendo em conta os princípios solidários e internacionalistas que nos movem”, defende.
Marcel Lueiro Reyes, do Centro Memorial Martin Luther King, descreve a emoção e os sentimentos que afloraram ao participar da fase de testes da vacina Soberana 2. “Recebo uma ligação da minha doutora do meu consultório. Marianao é um dos primeiros oito municípios a participar nos estudos da Soberana 2 (…). Sinto crescer a alegria dentro de mim. Depois de meses de quarentena, de uma rotina difícil em casa (…), a Soberana é uma notícia maravilhosa. Estou muito agradecido com as pessoas da saúde e a ciência de meu país, que têm trabalhado duramente meses para chegar a este ponto. (…) A picada da Soberana 02 no braço dura menos de um segundo.”
Moradora de Havana e orientadora de educação política do seu quarteirão, Esther Perez, de 71 anos, comemora a oportunidade em participar da fase de testes da vacina e relata que todo processo é feito com o acompanhamento dos profissionais da saúde. “Quando passei, me entregaram uma planilha para assinar dando a mim consentimento para o procedimento. Depois passei, com meu histórico clínico, antes uma médica que me tomou a pressão (…) e a temperatura e revisou meu histórico clínico. Me felicitou, porque não estou acima do peso nem padeço de nenhuma doença crônica. E então, no final, uma enfermeira me aplicou a vacina. Nem se sente. (…) Essa tarde tomei um pouquinho de rum para celebrar que já estava na metade do caminho. Agora espero pela segunda dose, com confiança, acompanhada.”
Segundo Esther, em breve o país deve iniciar a vacinação massiva e voluntária dos cubanos. Ela comemora ainda a possibilidade da ilha disponibilizar o imunizante para outros países. “Cuba produzirá um milhão de vacinas, para toda a sua população e para enviar a outros países. Estou segura de que, entre todos, vamos vencer e seguir em frente”, afirma. A Soberana 2 é desenvolvida pelo Instituto Finlay de Vacinas (IFV).
Já a jornalista Liliana chama a atenção para o sentimento de orgulho do povo cubano e a busca por soluções rápidas diante da pandemia. Mesmo enfrentado um bloqueio econômico dos Estados Unidos, a ilha caribenha dá exemplo de eficiência ao desenvolver vacinas contra a Covid-19 em um curto período. “Tenho uma grande sensação de bem-estar, mas mais que isso, o orgulho e a certeza de que nossas candidatas a vacina, ainda que não sejam a solução definitiva, serão um sopro de alento, um passo para desterrar o medo, a angustia as adversidades geradas pela pandemia global, esse raio de luz que sai depois das piores tempestades como anuncio de que ainda existe vida e um possível manhã”, conclui.
Confira os depoimentos:
“Eu Sou Soberana
Me chamo Esther Perez, tenho 71 anos, nasci e vivo em Havana. Embora esteja aposentada, tenho seguido trabalhando, porque não posso imaginar uma vida sem trabalho e porque tem muitas coisas que fazer na minha comunidade, na minha cidade, em meu país. Sou a orientadora de educação política do meu quarteirão e me ocupo também dos aniversários coletivos das crianças do meu bairro.
Desde o início da pandemia, e especialmente quando o confinamento se fez mais severo, tenho uma visita pelas manhãs: dos meninos muito jovens, estudantes de medicina, que vêm me perguntar como estou e medir a temperatura. No primeiro dia lhes ofereci café, mas não tomam, assim tratei de ter sucos para oferecer-lhes.
Tem duas semanas, minha médica da família, que tem seu consultório em frente à minha casa, me chamou para perguntar se eu queria participar da fase três do ensaio [clínico] da vacina Soberana 02. Soberana 02 é uma das vacinas candidatas desenvolvidas por Cuba (além da Soberana 01, Abdala e Mambisa). Todas levam nomes que tem a ver com a história e a posição do meu pais (Abdala é uma obra de teatro que José Martí escreveu, o apostolo da Independência cubana, quando era um adolescente. E Mambises eram os cubanos que lutaram durante trinta anos contra a Espanha para conquistar a liberdade de Cuba).
É claro, que disse sim a minha médica, que mediu a minha pressão e tirou sangue com uma picadinha em um dedo para fazer uma prova de antígeno. Me pesou, me mediu e marcou uma data para quinta-feira daquela semana no meu policlínico, (que fica a quatro quadras de casa) para injetar-me a primeira dose. Cheguei bem cedo, mas já havia muita gente esperando. Quando passei, me entregaram uma planilha para assinar dando a mim consentimento para o procedimento. Depois passei, com meu histórico clínico, antes uma médica que mediu a pressão (três vezes, para ter certeza!) e a temperatura e revisou meu histórico clínico. Me felicitou, porque não estou acima do peso, nem padeço de nenhuma doença crônica.
E então, no final, uma enfermeira me aplicou a vacina. Nem se sente. Uma assistente me deu uma tarjeta que me identifica como a pessoa número 21 de meu policlínico, e uma planilha para preenche-la durante o dia seguinte, para refletir se havia sentido algum mal estar (dor ou vermelhidão no braço, febre, mal estar geral…). Eu, por sorte, não tive nenhum desses sintomas. Essa tarde tomei um pouquinho de rum para celebrar que já estava na metade do caminho.
Agora espero pela segunda dose, com confiança, acompanhada. Já são 44.000 pessoas vacinadas com a Soberana 02, e 48.000 com Abdala. Brevemente começará a vacinação massiva e voluntaria. Cuba produzirá um milhão de vacinas, para toda a sua população e para enviar a outros países. Estou segura de que, entre todos, vamos vencer e seguir em frente. Força, Brasil.” (Esther Perez, 71 anos, moradora de Havana, Cuba).
“Breve diário da minha Vacina
Passo 1. Recebo uma ligação da minha doutora do meu consultório. Marianao é um dos primeiros oito municípios a participar nos estudos da Soberana 2, e meu policlínico está envolvido com um número de amostras.
Passo 2. Sinto crescer a alegria dentro de mim. Depois de meses de quarentena, de uma rotina difícil em casa, em que você tem que buscar a esperança, uma e outra vez para poder seguir adiante, a Soberana é uma notícia maravilhosa. Estou muito agradecido com as pessoas da saúde e a ciência de meu país que têm trabalhado duramente meses para chegar a este ponto.
Passo 3. A doutora me recebe no Consultório Médico da Família e me faz ler um documento de “consentimento informado”, que descreve o processo a ser seguido com a vacina. Estou de acordo, assino. Em Cuba nos vacinam muitas vezes desde que somos crianças, assim que tenho total confiança em que tudo estará bem.
Passo 4. Ela mesma me aplica um teste rápido, uma picada no dedo que não dói nada. Da negativo. Podemos continuar. Logo me entrevista indagando sobre meu estado de saúde. Me mede, me pesa, toma a minha pressão arterial. Ela está eufórica porque diz que nunca havia participado em um estudo deste tipo, com um alto grau de organização e nível científico, e está aprendendo muitíssimo.
Passo 5. Chego cedo ao policlínico na manhã do dia que me agendaram. Uma enfermeira me passa cloro nas mãos e me indica para sentar em uma cadeira. (…) Tudo está bem limpo e organizado. Antes de mim tem algumas pessoas. Em várias se nota o nervosismo ou a euforia. Eu trato de ficar tranquilo e relaxado, ainda que meu coração bata mais, um pouco mais depressa.
Passo 6. Aos poucos minutos outra enfermeira me chama para tomar minha pressão e pulsação cardíaca. “Tudo está bem”, me diz, “dentro da normalidade”.
Passo 7. Logo me recebe uma doutora que comprova minha informação. Esta acompanhada de um par de jovens que trabalham na base de dados. A doutora me pergunta se tenho alguma preocupação ou dúvida, se quero saber algo sobre a vacina. Lhe pergunto se é preciso ter algum cuidado especial depois, e quando saberei se o meu é um placebo ou uma vacina real. Me responde que pode seguir com a minha vida de forma normal. Só devo evitar os medicamentos que contenham esteroides. E o outro, “bem, se recebeu um placebo, só saberás quando o teste acabar”. Nesse caso, a vantagem é que vão me fornecer imediatamente a opção de receber o esquema de vacinação que teve os melhores resultados durante os estudos.
Passo 8. A picada da Soberana 02 no braço dura menos de um segundo. Fica uma ligeira sensação de queimação, uma certa dormência. Agradeço a enfermeira pela sua habilidade e saio da sala de observação.
Passo 9. Ali me espera um enfermeiro. Apesar de estar de máscara e uma proteção de plástico descubro que é o meu vizinho. Vive ao lado da minha casa, mas nunca havíamos conversado pessoalmente. Me diz que leva dias nisso e que apenas descansa. Em uma livreta anota meu nome, me toma a pressão e pergunta se me sinto bem. Me diz que estou tranquilo. Terei que esperar uma hora sob sua observação. A maioria das pessoas sentadas ali dizem que lhes dói o braço e tem fome. É próximo de meio-dia. A mim também dói o braço, também tenho fome, mas no lugar de pensar nisso pego um livro e começo a ler.
Passo 10. Não posso evitar de escutar os comentários das pessoas que estão ao meu lado. Estão alegres, falam de qualquer coisa, dão “chucho” (a maneira cubana de gastar piadas) e agradecem que tudo estivera tão bem organizado. Termina a minha hora, meu vizinho enfermeiro volta a me chamar. Outro exame. Tudo está bem, apenas a pressão variou. Me comunica a data em que devo regressar para a segunda dose. Lhe agradeço. Todo agradecimento que posso dar com o olhar. Dentro de um mês voltaremos a nos ver.” (Marcel Lueiro Reyes, do Centro Memorial Martin Luther King, em Marianao, Cuba)
“Soberana 02: a esperança contida em um frasco
Apesar de meu oficio de jornalista, se faz difícil, muito difícil, falar as palavras exatas para descrever as emoções que me embarcam nestes momentos, em que sou parte da terceira fase dos ensaios clínicos da candidata vacina cubana Soberana 02, uma das cinco desenvolvidas em Cuba. Este pequeno pais bloqueado por décadas pelo maior império do mundo.
Há pouco mais de um ano, a vida é diferente, a irrupção da Covid-19 em nossas realidades transformou o mundo e fez balançar tudo que dávamos como certo. A incerteza, o medo, o isolamento, os cuidados extremos, a angustia, a doença, a morte ficaram próximos a nós, parte de uma cotidianidade que por instantes parece surreal, como um longo pesadelo do qual ansiamos em despertar. No entanto, em meio ao caos, dos temores, da dor, sempre sabemos buscar e agarrar-nos a esperança, que como um raio de luz desliza pelos cantos para nos fazer crer que temos uma possibilidade de vencer a pandemia. Essa esperança esta encarnada hoje nas vacinas anticovid.
Desde que apareceram os primeiros casos da doença, a ciência cubana se pôs em função de obter uma vacina, alguma cura, um tratamento efetivo contra o inimigo silencioso e mortal. E assim tem trabalhado em cinco candidatas a vacina, dois destes já em sua terceira fase de ensaios clínicos: Abdala e Soberana 02.
São bem conhecidos a nível mundial os avanços de Cuba no campo da saúde e da biotecnologia, onde trabalham homens e mulheres profissionais, sacrificadas/os, dedicadas/os quase que por inteiro ao trabalho. A confiança nelas/os, para mim, não tem discussão, não é negociável. Por esta, e por outras razões, não duvidei um só instante em responder “sim” diante da pergunta de se eu queria ser voluntaria para receber as doses experimentais da Soberana 02, como parte do estudo em sua terceira fase, que inclui as mais de 44 mil pessoas, entre 19 e 80 anos, e se estenderá por um período de três meses.
O processo foi muito bem planejado, foram levados em conta muitos detalhes, foram avaliados os riscos. Em primeiro lugar, no consultório oferecem toda a informação necessária, realizam exames e fazem perguntas para saber se é totalmente saudável ou se tem alguma doença e, portanto, pode pertencer ao grupo mais vulnerável. No meu caso, sou uma adulta saudável. Não imaginei poder fazer parte nos ensaios, porque a princípio minha área de saúde não havia sido escolhida, mas logo se ampliou a amostra populacional e a possibilidade chegou a mim e a meu companheiro de apartamento, quase como que por casualidade, porque não temos endereço em Havana, mas estamos vivendo aqui por motivos de trabalho, no município de Marianao, um dos nove selecionados para esta fase de provas.
Já havíamos escutado as várias pessoas com opiniões diversas: tem os que tem o critério de não se arriscar, de não tomar parte na experimentação, outros aceitam, mas expressam certos temores, e tem as/os otimistas completos/as. Eu falo em nome próprio quando afirmo que para mim a confiança no êxito da Soberana 02 é total, não me permito duvidar, tenho toda fé que hoje a vacina será eficaz, e se poderá imunizar todo o povo cubano. Mas também, colaborar com o enfrentamento à pandemia na América Latina e no mundo, tendo em conta os princípios solidários e internacionalistas que nos movem.
Assim, depois de verificar os sinais vitais, medição da pressão arterial, teste de gravidez, teste de antígeno, para detectar sinais de Covid-19, as perguntas e dar o consentimento informado, o segundo passo foi ir ao policlínico Carlos Juan Finlay, localizado no referido município de Marianao. Ao chegar, tudo estava muito bem organizado, a informação era rápida e precisa. Novamente, um exame básico e o passo ao local de vacinação, onde a gentileza e a conversa amena das pessoas da enfermaria foram também um motivo de calma e esperança. Uns segundos e a agulhada praticamente foi imperceptível. Recebi meu cartão de identificação do estudo e a doutora me assegurou que tudo estaria bem, “estou segura disso”, foi minha resposta.
Posteriormente passei a uma sala de espera onde devíamos permanecer durante uma hora em observação. Nenhum incomodo, não houve reações adversas, o médico me explicou o que deveria fazer em caso de sentir qualquer mal-estar, e que quem participou nos ensaios estaríam sendo monitoradas/os. Teremos um acompanhamento de nosso estado de saúde.
Tem passado 24 horas, e tenho uma grande sensação de bem-estar, mas mais que isso, o orgulho e a certeza de que nossas candidatas a vacina, ainda que não sejam a solução definitiva, serão um sopro de alento, um passo para desterrar o medo, a angustia as adversidades geradas pela pandemia global, esse raio de luz que sai depois das piores tempestades como anúncio de que ainda existe vida e um possível manhã.” (Liliana Sierra Sánchez, jornalista cubana).
*Você está acompanhando a segunda reportagem de uma série com depoimentos de cubanos(as) sobre como Cuba tem enfrentado a pandemia da Covid-19.