Memória

A atualidade do pensamento de Gramsci e as lutas sociais na contemporaneidade

Nos 84 anos da morte do escritor marxista, seu legado no contexto da pandemia aponta "a necessidade de ações que congreguem as expectativas e, principalmente, as necessidades dos trabalhadores..."
Foto: Reprodução

Por Cristina Simões Bezerra*
Da Página do MST

Neste abril de 2021, lembramos os 84 anos da morte de Antonio Gramsci, que faleceu em 27 de abril de 1937, em Roma, Itália. Com ele, vivenciamos, sem dúvidas, um das formulações teórico-metodológicas mais profícuas para se pensar a realidade das lutas sociais na fase avançada do capitalismo, particularizando a esfera da política como mediadora do confronto de classes; o Estado reorientando suas funções para a manutenção do seu caráter de classe e a sociedade civil, como espaço plural e contraditório de organização, luta e construção de projetos societários em disputa.

Em outras palavras, o pensamento social gramsciano, sobretudo aquele contido em seus Cadernos do Cárcere, nos desafia a uma nova reflexão sobre a sociedade capitalista desde o início do século XX, introduzindo, definitivamente, a hegemonia como elemento indispensável para a correlação de forças numa sociedade, a partir da conquista do consenso, da legitimidade, da direção que se constrói em torno de determinado projeto societário. As lutas sociais, neste contexto, ganham imensa complexidade, uma vez que não se resumem mais aos momentos de enfrentamento direto, mas se diluem em uma disputa cotidiana e permanente, levada a frente por diferentes sujeitos sociais em processo de constituição, no contexto da luta de classes.

Passado mais de um século, que lições podemos, então, trazer deste legado gramsciano para nossas organizações e para as batalhas que diariamente enfrentamos? Longe de tentar esgotar o assunto, o texto que ora apresentamos é sobretudo uma provocação ao debate, principalmente em tempos tão sombrios e neoconservadores como os que vivemos atualmente. O “mundo grande e terrível”, como nos dizia o pensador sardo, através dos enfrentamentos ocorridos ao longo do século XX, demonstrou os limites e as perversidades que rondam a sociabilidade burguesa. No entanto, a impressão que temos é de que os esforços históricos de gerações de lutadores e lutadoras ainda não criaram formas concretas de desconstrução desta sociabilidade. Pelo contrário, o contexto atual as acentuou e nos coloca cada vez mais em xeque com propostas e potencialidades de luta.

O primeiro elemento a se recuperar de Gramsci no momento atual nos parece ser exatamente sua luta e seu enfretamento ao fascismo de Mussolini no início do século XX. Naquele momento, Gramsci foi o pioneiro em reconhecer no fascismo um evidente caráter de classe, que ultrapassava a pequena burguesia que o sustentou em seus primeiros momentos. A relação entre formas fascistas, neoconservadoras e repressivas e o desenvolvimento do grande capital internacional despertou em Gramsci a certeza de que a luta internacionalista se fazia não só adequada, mas também necessária neste enfrentamento. Sua ampla defesa pela frente única de luta contra o fascismo e o nazismo demonstram que, em sua concepção, estas formas históricas de dominação detinham em suas mãos mais que uma dominação econômica, mas também política e ideocultural. A este processo de fortalecimento neoconservador, Gramsci responde com a necessidade de uma grande frente internacional, onde os trabalhadores se encontrem na decisiva luta pela sobrevivência e pela liberdade.

Algo semelhante nos parece perdurar ainda nos dias de hoje. Sem querer entrar no amplo e decisivo debate sobre o neofascismo e suas diferentes manifestações, nos parece definitiva a necessidade de articulação das diferentes formas de luta dos trabalhadores, no campo e na cidade, em torno de princípios anticapitalistas, antiimperialistas e, sobretudo, capazes de construir uma outra sociabilidade, mesmo que ainda em projeto, a fim de mobilizar toda a sociedade em torno da defesa intransigente da vida. Diante de uma conjuntura bem denominada de “necropolítica” e de ações absurdamente constitutivas de um contexto discriminador, racista, xenofóbico, misógino, etc., como, por exemplo, diante deste contexto da pandemia da Covid-19, afirma-se a necessidade de ações que congreguem as expectativas e, principalmente, as necessidades dos trabalhadores, como na época enfrentada pelo fascismo no início do século.

O legado de Gramsci nos parece, portanto, um importante instrumento para pensarmos e agirmos sobre este momento de crise que vivenciamos, lembrando de sua célebre definição: na crise, “o velho morre e o novo não pode nascer”. Mais uma vez, o pensador italiano nos desafia duplamente: cabe a nós que a morte do velho, em seu formato capitalista, seja de fato definitiva, sem a possibilidade de que ele renasça, qual Fenix, das cinzas que cismam em perdurar pelo mundo no pensamento neoconservador e reacionário. Mas a nós cabe também garantir o nascimento do novo, da revolução da qual a história anda prenha e que nos garantirá, sem retrocessos, a verdadeira emancipação e o verdadeiro constructo de um “novo homem e uma nova mulher”.

Antonio Gramsci vive! Está conosco em nossa luta! E, para ela, teremos necessidade de toda a vossa força!!

*Professora associada da Faculdade de Serviço Social da Universidade Federal de Juiz de Fora e professora da Escola Nacional Florestan Fernandes.

**Editado por Solange Engelmann