Bioma Caatinga
A poesia da Caatinga é sua resiliência
Por Jonas Duarte
Da Página do MST
O Bioma Caatinga, tal qual o conhecemos hoje, se formou a partir das mudanças climáticas ocorridas há milhares de anos atrás, moldando-se em um longo e permanente processo de adaptação às sempre mutantes condições apresentadas pelo Planeta em seu movimento ininterrupto.
Cerca de dez mil anos atrás o Planeta Terra passou por uma abrupta mudança climática que produziu o atual território Semiárido brasileiro, encravado na porção Nordeste do que hoje denominamos Brasil. O principal Bioma desse Semiárido, que ocupa aproximadamente 90% do território, realizou um extraordinário processo de mutação e adaptação ao longo desses anos às novas condições climáticas impostas.
O sagrado Umbuzeiro com suas “folhas caídas”, “galhas ressequidas”, retorcidas, era uma árvore certamente muito diferente, há milhares de anos, que impressionou o paulista Euclides da Cunha no sertão baiano no final do século XIX, e dos que inspiraram a belíssima canção de Gonzaga.
Não seria exagerar, dizer que o Umbuzeiro se “reinventou” sob as condições climáticas que lhes foram impostas ao longo do tempo. Desenvolveu estratégias de sobrevivência para os períodos de estiagens que agora passaram a ser naturais e longos. Criou, em suas raízes, “batatas d’água”. Verdadeiras micro cisternas. Reservatórios de água para mesmo sob aquelas condições de escassez de água, assegurar sua produção, reprodução e perpetuação enquanto espécie.
São muitas e diversas as estratégias da Caatinga para conviver com o clima e todas as condições oferecidas no Semiárido. Perda de folhas, envolvimento dessas por algo que reduza a perda de água por transpiração.
Da mesma forma, a fauna caatingueira desenvolveu estratégias de adaptar-se ao clima, a própria flora, solo e relevo do Semiárido.
Essa é a história desse Bioma extraordinário que, embora exclusivamente brasileiro e com especificidades tão próprias, sempre se enriqueceu com espécies animais ou vegetais exóticos à sua condição natural absorvendo, incorporando.
Assim é a Caatinga: um sistema de fauna, flora, povos e culturas com trajetórias permanente de adaptações e resistências.
Resistências e adaptações a processos naturais, como as citadas acima, mas também resistências, adaptações e incorporações de novas situações surgidas ou produzidas.
Por conta da estratégia quase universal de sua parte florística perder folhas para não perder água e a vida, os primeiros humanos que aqui habitaram foram os que assim a batizaram. Caatinga, traduzido para o português atual: “Mata Branca”.
O processo histórico em curso, a partir do ingresso dos invasores colonizadores europeus e mesmos brasileiros, em busca de terras novas e em função de novas dinâmicas econômicas e sociais atingiram fortemente a Caatinga tal como ela se formara, resultado das transformações climáticas que a produziram.
Inicialmente com os gados (bovino, caprino, ovino), depois a inserção de culturas como algodão, sisal e outras fibras cultivadas em projetos com objetivos meramente econômicos. A mineração, a disseminação absurda do uso demasiado de sua flora como combustão, processos absolutamente descomprometidos com a preservação ou o “bem-estar” da Caatinga, provocaram uma devastação trágica sobre o Bioma.
Na realidade, produziram outra Caatinga
Em paralelo e também como consequência, a fauna caatingueira foi nesse período tremendamente atingida. Aves, mamíferos, insetos, animais peçonhentos, etc. foram caçados, mortos e aprisionados. Hora para comércio, hora para alimento.
Fruto desse processo de ocupação e submissão da Caatinga ao processo de dominação da lógica do capital em sua forma mercantil ou produtiva se produziu na Caatinga: fome, miséria, desigualdades sociais e devastação ambiental. A Caatinga abrigou e ainda abriga a expressão mais frágil e desigual do capitalismo brasileiro.
O ataque e a destruição da Caatinga são atalhos acelerados ao processo de desertificação em curso. Em consequência: o aumento da fome, do êxodo rural, da favelização e da crise urbana instalada no Brasil.
Mesmo sob esse quadro de ofensiva contra o Bioma, a Caatinga resiste. Mais do que isso, ela demonstra em sua resistência, grande capacidade de adaptação. Ela é resiliente. Demonstra enorme capacidade de superar as adversidades e responde com energia impressionante a qualquer impulso que seja dado na perspectiva de sua recuperação.
Hoje sabemos que as árvores, arbustos ou ervas raseiras (rasas) da Caatinga são excelentes sequestradores de gás Carbono (CO2). Torna-se, assim, muito importante sua recuperação e fortalecimento para o processo de redução na emissão de gases que provocam o efeito estufa, o aquecimento global e as mudanças climáticas.
Compreendendo a plenitude desse bioma podemos dizer que a Caatinga é, portanto, flora, fauna, mas também: povos, cultura, costumes, que embrenhados nesse universo, a expressam e a completam.
A Caatinga é beleza, sabedoria e poesia
Certamente é poético a leveza da flor do Mandacaru anunciando a invernada que está por vir; o perfume da flor de Pereiro, convidando a Jandaíra, Uruçu ou Mandaçaia a beijá-la extraindo seu néctar para fabricar o delicioso mel caatingueiro.
É poesia pura a florescência da Craibreira se amostrando com um buquê de flores imenso, delineando caminhos de riachos perdidos sob matas de juremas, angicos e aroeiras, onde raposas caçam suas presas. Onde se formam minúsculas veredas para as caminhadas do Caxito (Guaxinin); onde preás, mocós, timbús, punarés, etc., encontram locas para se esconderem dos predadores.
A Caatinga é a maior beleza e riqueza dos sertões semiáridos desse Brasil.
Aos que lutam por um futuro para a humanidade livre da exploração de humanos e da natureza, há de se encantar com o “fulorá” da Canafístula, com suas flores amarelas que chegam a “doer na vista”, sentir o perfume do marmeleiro quando o inverno tá pegado. Ouvir o Galo de Campina, o Concriz ou o Sanhaçu… O insistente Sabiá, a Peitica e o Bacurau…
Tudo isso é Caatinga
A Caatinga é, também, o aboio do Vaqueiro. É as mãos calejadas do agricultor atenciosamente espiando a natureza, procurando sinais da chuva abençoada.
É cultura caatingueira de muita poética a mulher mãe, batalhadora, guerreira “puxando cobra aos pés”, criando a meninada, rezando a novena, cuidando da casa, cantando um bendito, tirando leite da cabra, liderando a comunidade nas lutas por cisternas, direitos e num “samba” puxando um “cavaleiro” pra dançar um forró a noite toda.
Se há pouco o que comemorar no Dia Nacional da Caatinga, há muito que defender e o que aprender com essa mata, essa fauna, esse povo.
A resiliência da Caatinga é poesia e ensinamento.
Viva a Caatinga!
*Editado por Solange Engelmann