Centenário Paulo Freire
Ataques a Paulo Freire difundem ainda mais seu pensamento, diz pesquisadora
Por Vanessa Gonzaga e Lucila Bezerra
Do Brasil de Fato
Nascido no Recife em 1921, Paulo Freire completaria 100 anos no mês de setembro deste ano. Apesar de sua morte em 1997, seu legado como um dos principais pensadores da educação tem sido mantido por educadores, movimentos populares, universidades e centros de estudos que neste ano celebram o centenário de Freire com eventos que contribuem na popularização de sua obra.
Uma dessas organizações é o Centro Paulo Freire de Estudos e Pesquisas, que por ocasião do XI Colóquio Internacional Paulo Freire, vem organizando em todo o país dezenas de eventos preparatórios onde se debate a contribuição teórica de Freire para uma educação dialógica, participativa e ligada à realidade brasileira.
Em entrevista ao Brasil de Fato, Erivalda Torres, presidenta do Centro, mostra a importância e o reconhecimento dos ensinamentos de Paulo Freire e explica a onda conservadora que tenta retirar do pernambucano o título de Patrono da Educação Brasileira. Confira:
Brasil de Fato: Paulo Freire é uma referência internacional de resistência no que diz respeito à educação, à metodologia de ensino e também à luta política através da pedagogia da autonomia. Como você analisa esse método, principalmente no contexto político em que ele foi criado?
Erivalda Torres: Veja, Paulo Freire sempre foi um homem que estava à frente do seu tempo, em seus pensamentos e em suas ações. E quando o que alguns chamam de metodologia, outros de Pedagogia, foi criado na época, era um momento muito difícil do país, onde nós tínhamos o índice de analfabetismo muito alto.
Isso deixava Paulo Freire como ser humano, pessoa e como profissional muito insatisfeito e ele gostaria de fazer alguma coisa em relação a isso. Tanto é que ele formou-se em Direito e não exerceu a função. Ele passou a exercer a função de educador.
O momento político não era fácil quando ele conseguiu alfabetizar pessoas em três meses usando uma metodologia que ele criou para que as pessoas pudessem alfabetizar-se de maneira significativa, ou seja, fazendo uma leitura de mundo partindo da sua realidade. Isso foi praticamente uma revolução, tanto é que o presidente da época chamou Paulo Freire para fazer um programa de alfabetização para o país inteiro.
Só que infelizmente ele foi interrompido mediante o golpe militar de 1964, que é quando acontece o exílio e Freire tem que ir embora do país. Então não foi fácil, foi uma ousadia, como é até hoje, para a gente que se inspira e está lendo e construindo uma educação que nos liberte e que liberte aquele outro ser que está sendo educado.
Qual a importância do pensamento freireano em um momento em que se debate um ensino supostamente neutro nas escolas?
Primeiro, a gente não pode dizer que há uma educação neutra. Para Paulo Freire, não há neutralidade. Você sempre tem que tomar o partido. Não falamos aqui de partidos políticos, mas falamos de partido na educação. O momento que nós estamos vivendo é peculiar e nós temos a grande dificuldade principalmente no momento pandêmico e que a gente vive a educação de forma remotamente, onde todos os profissionais da educação não foram preparados para trabalhar de forma remota e muitos confundem o ensino remoto com EaD. Então, também há essa confusão.
Os profissionais da educação são colocados na berlinda, porque se eles não aceitam participar ou ter educação presencial pensa-se que é porque eles não querem trabalhar, mas na verdade, não. É porque lamentavelmente nesse país a escola pública, talvez não em todos os estados, mas especificamente no Norte e no Nordeste, a gente ainda não tem uma escola pública onde as escolas tenham espaços físicos que garantam a educação igualitária para os nossos estudantes.
Também não vamos ter as condições de higiene para o protocolo necessário e os professores estão aí, expostos. Muitos dos nossos educandos do país não têm celular. Não há internet como a gente viu naquela reportagem onde o menino sobe em cima de uma árvore. Isso é bonito? Não, o governo deveria proporcionar [internet] para todas as pessoas.
É difícil, mas eu digo que pior seria se nós nos calássemos, se nós não fizéssemos nada. Quem acredita em Paulo Freire ainda continua fazendo, enxergando uma luz no fim do túnel, continua esperançando, como Paulo Freire diz, não do verbo esperar, mas esperançando da ação de você agir, da ação-reflexão. É um momento muito crucial para a educação brasileira. Assim como está sendo para a saúde, é muito difícil.
Nos últimos anos, o pensamento freireano tem sido extremamente atacado por apoiadores do presidente Bolsonaro, que vem tentando, ainda sem sucesso, manchar a imagem de Freire, um pensador que é internacionalmente conhecido. Como você vê essa onda conservadora?
Infelizmente, após o golpe de 2016, quando o presidente Michel Temer assumiu o poder, a gente começa a ter um desmonte na educação brasileira. Todo o trabalho que nós, educadores e os cidadãos tiveram para a construção do Plano Nacional de Educação e o Sistema Nacional de Educação foi desmontado por esse governo que antecedeu o governo Bolsonaro.
A primeira coisa que se fez, por exemplo, para os adultos foi a exclusão da Secretaria da Educação Continuada. Então, com essa exclusão, a modalidade de Educação de Jovens e Adultos já perde. Paulo Freire é atacado em três projetos de lei no Congresso, para tirar dele o patronato da educação brasileira. Quanto mais ele é perseguido, mas as pessoas estão querendo conhecê-lo.
No Centro Paulo Freire de Estudos e Pesquisas, ano passado, quando começou a pandemia, nós nos preocupamos muito em como iríamos dar continuidade às nossas ações, aos grupos de estudos, aos seminários e como iríamos fazer tudo isso. Então, começamos a pensar.
Tivemos que aprender a usar o Meet, no Zoom, a criar canal no YouTube, para acesso a essas pessoas. Quando nós montamos o nosso primeiro grupo de estudos, foi uma surpresa imensa que em menos de duas horas as inscrições que nós tínhamos disponibilizado para cem pessoas, já haviam esgotado. E nós tivemos uma frequência de mais de 70% no nosso primeiro grupo de estudos.
Não eram só pessoas que eram aqui de Pernambuco onde nós estamos, foram pessoas do Amazonas, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, São Paulo… Aí deu tão certo que pessoas que já conheciam Paulo Freire estavam se aprofundando e pessoas que nunca tinha ouvido, ou só tinham ouvido falar, mas nunca tinham estudado foram chegando.
Nós conseguimos em 2018 os pré-colóquios, que são ações que antecedem o Colóquio Internacional Paulo Freire que acontece a cada dois anos e o Centro realiza. Devido à pandemia, devia ter sido ano passado e mudamos para este ano, que vai acontecer em setembro, nos dias 16 a 19.
No ano passado realizamos quatro pré-colóquios, este ano já temos seis realizando e vamos ter no total mais de doze. Foi um desafio que o centro fez para que nenhum nordestino deixasse de fazer, quem está lá nos Fóruns de Educação de Jovens e Adultos e nas Secretarias de Educação.
Então, quanto mais se ataca Paulo Freire, mais é o pensamento dele é difundido, mais as pessoas estão percebendo que com uma crise na economia, na saúde, na educação, nós precisamos ter uma educação libertadora, uma educação emancipatória, uma educação que leva o sujeito a ser mais.
Paulo Freire propõe uma educação não para o outro sujeito, mas sim com o outro, uma educação onde não há saberes, ninguém sabe mais do que ninguém. Nós temos saberes diferentes. Então, é essa proposta da educação freireana, uma educação que liberta e valoriza o ser humano.
Fonte: BdF Pernambuco
Edição: Monyse Ravena