Jornal Sem Terra
40 anos de Comunicação Popular: Do Boletim ao Jornal Sem Terra
Da Página do MST
Nós somos mais de 500 famílias de agricultores que vivíamos nesta região (Alto Uruguai), como pequenos arrendatários, posseiros da área indígena, peões, diaristas, meeiros, agregados, parceiros, etc… Desse jeito não conseguíamos mais viver, pois trás muita insegurança e muitas vezes não se tem o que comer. Na cidade não queremos ir, porque não sabemos trabalhar lá. Nos criamos no trabalho da lavoura e é isto que sabemos fazer.”
É assim que começa a primeira edição do Boletim Informativo da Campanha de Solidariedade aos Agricultores Sem Terra publicado no dia 15 de maio de 1981, criado para divulgar a luta e as condições de vida dos acampados da Encruzilhada Natalino do Rio Grande do Sul. O acampamento, que começou em dezembro de 1980, se tornou um grande símbolo de resistência dos lavradores à Ditadura Militar chamando a atenção da sociedade brasileira.
O Boletim Sem Terra era datilografado e mimeografado e buscava divulgar a situação dos acampados para a sociedade, apoiadores e a “opinião pública em geral”. A potencialidade do boletim como instrumento de comunicação popular apareceu também na função que o informativo ganhou internamente: o Boletim Sem Terra passou a ser lido coletivamente no acampamento, como forma de informar e politizar os acampados fazendo com que outras famílias acampadas pudessem ter a dimensão de que “não estavam sozinhas”.
Nesta primeira fase, o Boletim Sem Terra serviu como importante fonte histórica para entender como a Encruzilhada Natalino e se tornou peça central da luta pela terra e também demonstrou os primórdios da organização do que viria ser o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra.
Lendo o boletim, encontramos os embates dos camponeses sem terras com o governo estadual, os confrontos com o Coronel Curió, famosa figura da repressão da Ditadura que tentou acabar com aquele acampamento, a rejeição aos projetos de recolonização nos outros estados, a situação de extrema penúria dos acampados bem como a solidariedade dos sindicatos, da Comissão Pastoral da Terra e da Igreja Luterana e da sociedade civil.
O Boletim Sem Terra nasce em uma conjuntura de intensa mobilização política contra a odiosa Ditadura Militar implantada em 1964. É um momento de ascensão das lutas populares nas cidades e no campo, diante disto, o informativo ampliou sua comunicação para além do acampamento e passou a pautar com mais profundidade temas como Reforma Agrária (o termo aparece pela primeira vez na edição nº 6), violência no campo e situação dos camponeses e atingidos por barragens no país. A questão da censura também era discutida, na edição nº30 o boletim encabeçou a “Campanha pela revogação da Lei da Segurança Nacional”.
Em abril de 1982, o Boletim mudou seu formato e passou a ser datilografado e rodado em off set. Também ganhou uma identidade visual própria, alguns textos passam a ser acompanhados por fotografias com sessões fixas como “Nova Ronda Alta”, registrando o cotidiano do novo acampamento para onde foram as famílias da Encruzilhada Natalino, e “Campanha de Solidariedade”. É um momento de maturação do Boletim Sem Terra através de um entendimento que aquele instrumento de comunicação deveria ser mantido.
Na edição nº 25 o boletim passa a circular regionalmente. A decisão foi tomada em uma reunião do encontro da Regional Sul de agricultores Sem Terra:
Como órgão de divulgação de suas lutas em cinco estados: Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo e Mato Grosso do Sul. Esta decisão revela a importância do boletim e aumenta a responsabilidade de seus responsáveis na contribuição às lutas populares no meio rural.
Na edição nº 33 de novembro de 1983, o Boletim Sem Terra realizou uma curiosa entrevista com o Coronel Curió, o mesmo que infernizou as famílias da ocupação da Encruzilhada Natalino um ano antes. Na entrevista, recheada de provocações por parte do entrevistador, o tenente-coronel e deputado pelo PDS reclamou da possibilidade de expulsão dos garimpeiros de Serra Pelada, seu curral eleitoral, disse que não via sua expulsão da Encruzilhada Natalino como derrota e afirmou que graças a ele a situação dos acampados foi solucionada sem conflitos. Na chamada da entrevista, o Boletim Sem Terra escreveu:
O mundo dá cada volta e a História é tão irônica. Ontem, Curió era mandado pelo Palácio do Planalto para expulsar os acampados de Ronda Alta. Hoje ele briga com o mesmo palácio, para impedir que os garimpeiros de Serra Pelada sejam expulsos.
Acompanhando a formação do que viria ser o MST, a última edição do informativo no formato de boletim é emblemática: cobriu o 1º Encontro Nacional dos Trabalhadores Rurais Sem Terra e é neste encontro, realizado em janeiro de 1984 em Cascavel (PR), que se tomou a decisão de tornar o boletim em jornal em formato tabloide e com tiragem inicial de 10 mil exemplares.
A primeira edição como Jornal dos Trabalhadores Sem Terra (edição nº 36) ganha novo layout e anuncia a fundação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, o editorial “Maturidade Política” apresenta a organização como:
O Movimento é uma organização própria dos lavradores que conta com o apoio dos sindicatos, das Igrejas e da própria sociedade. Seu interesse é claro e legítimo: uma ampla Reforma Agrária sobre a qual muito se fala mas pouco se faz. E lutar por um pedaço de terra é caminhar concretamente para a conquista deste objetivo.
Nesta mesma edição o Jornal dos Trabalhadores Rurais Sem Terra fez um breve resgate de sua trajetória desde do Boletim, explicam a decisão de transformar o informativo em tabloide e seu objetivo de continuar sendo um instrumento de comunicação dos Sem Terra:
Mas o êxito do jornal depende fundamentalmente dos próprios lavradores sem terra (…) o jornal só será importante se efetivamente contribuir para um avanço na organização dos sem terra e para o sucesso de sua luta.
Leitura do Jornal dos Trabalhadores Sem Terra. Créditos: Arquivo MST
O jornal continuou cobrindo a luta dos lavradores pelo Brasil, os conflitos no campo, a greve dos boias-frias e as discussões sobre a Reforma Agrária que estavam em voga com a abertura democrática. A edição especial nº 42, de fevereiro de 1985, repercute o 1º Congresso Nacional dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. A edição seguinte revelou a mudança de endereço para São Paulo e também a consolidação do jornal a nível nacional.
O Jornal dos Trabalhadores Sem Terra torna-se enfim um instrumento de comunicação contra hegemônica que atuou no sentido de informar a sociedade sobre o Movimento, mas também como ferramenta de formação nos acampamentos e assentamentos do MST. Ou seja, o jornal assumiu um sentido não só de informar, mas também de formar e organizar.
Ao longo desses 40 anos os meios de comunicação passaram por grandes mudanças. A televisão passou a fazer parte do cotidiano da maioria dos brasileiros, com a internet houve a popularização das redes sociais, principalmente do WhatsApp. Mesmo com todas essas mudanças, o Jornal dos Trabalhadores Rurais Sem Terra continuou servindo como um instrumento de socialização das lutas e conquistas do MST e de debate em nossos territórios.
Contar a história do JST é contar a história do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Esse instrumento de comunicação popular, que chegou antes que o próprio Movimento, foi fruto da mobilização de homens e mulheres que ousaram se organizar e lutar por Reforma Agrária, o JST é um patrimônio da classe trabalhadora, pela sua importância como ferramenta organizativa, informativa e também como documento histórico da luta pela terra no Brasil.
Por isso, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra lança neste sábado (15) a exposição virtual “40 anos do Jornal Sem Terra”, apresentando algumas edições emblemáticas. A ideia é rememorar e celebrar os 40 anos do meio de comunicação parceiro de jornada, o Jornal dos Trabalhadores Rurais Sem Terra.
Serviço
Exposição virtual: “40 anos de Comunicação Popular: Do Boletim ao Jornal Sem Terra”
Lançamento: 15/05 (sábado)
Onde: Página do MST