Centenário Paulo Freire

Centenário Paulo Freire: ato celebra legado de educador do Esperançar!

A atividade marca os 30 anos da visita de Paulo Freire ao assentamento Conquista da Fronteira, no município de Hulha Negra, no Rio Grande do Sul, no dia 25 de maio de 1991
Imagem: MST

Por Solange Engelmann
Da Página do MST

Celebrar o legado e os ensinamentos do educador povo, o Patrono da Educação Brasileira, Paulo Freire, embalados por cordel sobre a vida e obra do educador, muita animação e música. Assim teve início o Ato Político-cultural “Viva Paulo Freire: Um Educador do Povo”, realizado pelo MST nesta quarta-feira (26/5). O intuito foi de comemorar o Centenário de Paulo Freire e defender o seu legado de uma educação libertadora, além de relembrar os 30 anos da visita do educador a um assentamento do MST.

Devido à pandemia do Coronavírus o ato virtual foi transmitido pelas redes sociais do Movimento. Entre um conjunto de depoimentos, falas, compartilhamento de experiências, muita poesia e música, celebrados com alegria, afetos e muita esperança, a atividade foi organizada em seis momentos, baseados nas principais obras do educador e escritor: Pedagogia do Oprimido, Comunicação ou extensão, Educação como prática da liberdade, Andarilho da Esperança e Cartas Pedagógicas de Paulo Freire.

Durante o ato, o MST buscou apresentar elementos da conjuntura atual e abordar a sua relação com os escritos de Paulo Freire para auxiliar a população a analisar e compreender a realidade e desenvolver a capacidade de esperançar, lutar com a esperança de mudanças coletivas, diante do momento de crise e dificuldades enfrentadas pela classe trabalhadora brasileira. Além de trazer presente o legado de Freire, articulando suas obras com sua práxis, a partir de falas políticas, depoimentos e intervenções artísticas e culturais dos participantes.

Três décadas da visita de Paulo Freire em assentamento do MST

A atividade marca os 30 anos da visita de Paulo Freire ao assentamento Conquista da Fronteira, no município de Hulha Negra, no Rio Grande do Sul, no dia 25 de maio de 1991, para participar da inauguração do primeiro projeto de alfabetização de trabalhadores/as assentados e acampados do MST.

O encontro presencial entre os trabalhadores/as Sem Terra e militantes do MST marcou a relação comprometida do educador com a luta pela Reforma Agrária e a alfabetização do povo Sem Terra, a partir da organização e das ações seguintes do setor de educação do MST.

Isabela Camini, educadora popular. Imagem: MST

“Paulo Freire veio de coração aberto, desarmado e cheio de esperança para encontrar e ouvir os jovens, corajosos e dispostos a fazerem, 26 anos depois, um pouco daquilo que ele sonhava ter feito na década de 1960, um sonho interrompido pela ditadura. Muitas pessoas o aguardavam ansiosas para vê-lo, abraça-lo e ouvi-lo”, afirma Isabela Camini, educadora popular .

Isabela explica que a visita do educador em um espaço do MST marcou profundamente as pessoas e os educadores do MST. ” A presença de Paulo Freire entre nós, inspiradora e desafiadora, nos marcou profundamente desde aquele dia. E cremos, também marcamos o educador que se importou e anunciou que a questão da Reforma Agrária era necessária. Por tudo isso, seu nome está gravado em muitas escolas, centros de formação, em diferentes estados do país aonde o MST cravou a sua bandeira vermelha da luta pela Reforma Agrária”, relata.

Segundo Isabela, em uma mensagem deixada após a visita ao assentamento, Paulo Freire reconhece na organização do MST a potencialidade para enfrentar a pobreza e tornar os Sem Terra herdeiros no sonho de alfabetizar a nação, por meio da conscientização, pelo diálogo e amor à humanidade.

“Com seu jeito simples e reflexivo nos deixou uma mensagem: Eu vi aqui, o que não vi em lugar nenhum pelo mundo aonde eu andei. Eu já vi pobreza acabrunhada, de rosto curvado e humilhado, mas aqui no assentamento do MST, eu coletivamente vi uma pobreza de cabeça erguida, com  dignidade, disposta a enfrentar o mundo. Nestas quatro décadas de luta pela terra, lutamos por dignidade, pela autonomia e pela libertação do povo. Nossa tarefa continua, ontem, hoje, amanhã e depois”, conclui Isabela.

Busto de Freire, no Assentamento Conquista da Fronteira. Imagem: MST

Durante a atividade foi inaugurado o Bosque Paulo Freire na Escola 15 de Junho, com o primeiro busto do educador, relembrando sua visita ao assentamento Conquista da Fronteira.

Paulo Freire, que segundo sua história de vida, foi “um menino que aprendeu a ler e escrever riscando palavras no chão. E repetia, que o ato de aprender e compreender as palavras faladas e escritas nos coloca constantemente na posição de reaprender a ler as outras linguagens do nosso mundo. Assim, em entrevista alguns anos após a visita ao assentamento do MST no Rio Grande do Sul, durante a marcha do MST à Brasília em 1997, Paulo Freire comemora a possibilidade de estar vivo para ver a luta do MST e faz a defesa dos Sem Terra na luta pela terra e pela Reforma Agrária.

Paulo Freire e os oprimidos

Jailma Lopes, durante a coordenação do ato, relembrou a dedicatória, que abre o livro Pedagogia do oprimido, publicado por Paulo Freire no exílio no Chile, em 1968. “Aos esfarrapados do mundo e aos que neles se descobrem e, assim descobrindo-se, com eles sofrem, mas, sobretudo, com eles lutam”. Segundo ela, esse é um dos maiores ensinamentos do educador, ao deixar como testemunho o ensinamento do que a educação pode fazer em um processo de luta, organização e libertação dos oprimidos, como Sem Terra, Sem Teto, dos sem o direitos.

Nesse sentido, Alessandro Mariano, do setor e educação e que também coordenou o ato, chamou atenção que as formulações e a prática educativa de Paulo Freire tem demonstrado que a educação não pode se limitar a transmitir conteúdos, mas precisa produzir conhecimentos para a prática da liberdade.

“Ele afirma que: não basta saber ler que “Eva viu a uva”. É preciso compreender qual a posição que Eva ocupa no seu contexto social, quem trabalha para produzir a uva e quem lucra com esse trabalho”. Ou seja, a educação ao pretender emancipar, deve tomar como ponto de partida a realidade, a situação de exploração dos oprimidos e análise crítica desta, para a busca da superação dessa situação de opressão, através da luta, organização e a construção de uma sociedade justa e igualitária”, disse Alessandro.

Izabel Grein. Imagem: MST

Izabel Grein, da direção do MST e do setor de educação, compartilhou alguns ensinamentos de Paulo Freire que tem inspirado as lutas do MST na organização dos acampamentos e acampamentos e na área da educação. Ela também relembrou a dedicatória do livro Pedagogia do oprimido, de Paulo Freire, e ressaltou que assim se forma o MST, sendo criado pelos próprios Sem Terra, que na década de 1980 não tendo para onde ir, se descobrem Sem Terra nos acampamentos e perceber sua condição social de pobreza e identificam a necessidade de unir forças em uma organização nacional e de luta coletiva pelo acesso à terra.

“Os Sem Terra se descobrem Sem Terra quando se juntam nos acampamentos, debaixo da lona preta, nas ocupações, nas beiras das estradas e na categoria de pobres. E coletivamente se descobrem não mais pobres, mas empobrecidos, sujeitos de direitos, que coletivamente se organizam e decidem mudar essa situação e por isso criam esse movimento de luta”.

Paulo Freire, compreende que para que as pessoas se tornem sujeitos da sua história, precisam conhecer a realidade, desvendar, problematizar a realidade em que vivem. Mas, também precisam saber ler e escrever as palavras, dominar o significado dos conceitos, acessar os conhecimentos produzidos pela humanidade, como um direito. Diante desses ensinamentos, Izabel aponta que o MST vem fazendo isso em todo seu processo, pois, além da luta pela terra e pela Reforma Agrária quer elevar o nível de conhecimento, para provocar mudanças na sociedade.

“Desde os primeiros acampamentos o MST luta pela alfabetização, mas não luta só pela alfabetização, mas pelo direito à educação em todos os níveis e modalidades, até o nível superior e pós-superior. Em 2005 o MST levanta a bandeira de todas e todos Sem Terra estudando. O que o MST diz? Ninguém pode ficar sem estudar nesse movimento, porque sem conhecimento acumulado pela humanidade e em confronto com a realidade, não conseguimos fazer mudanças, é preciso que a gente estude.”

Izabel explica que a pedagogia do Movimento está impregnada da pedagogia de Paulo Freire, que para além da alfabetização e luta pela educação pública e de qualidade em todos os níveis, está no jeito do MST se organizar e fazer a luta. Por isso, segundo ela, Paulo Freire é um apaixonado pelo MST, e em 1997, quando chega à Brasília a marcha nacional do MST por Emprego, Justiça e Reforma Agrária, “ele diz que é muito feliz nesse momento. Ele fica feliz vendo a marcha dos Sem Terra, mas ele queria que todos os que não tem, todos os SEM, sem direitos, os sem casas, todos que pudessem marchar, porque é assim que podemos fazer a mudança”, conclui Izabel.

Paulo Freire durante entrevista. Imagem: MST

Confira o depoimento de Paulo Freire, em entrevista, demonstrando sua felicidade em ver a luta do MST e na defesa dos Sem Terra e da luta pela terra. “Eu estou absolutamente feliz por estar vivo ainda e ter acompanhado essa marcha, que como outras marchas históricas revelam o ímpeto da vontade amorosa de mudar o mundo. Essa marcha dos chamados Sem Terra. E os Sem terra constituem pra mim hoje uma das expressões mais fortes da vida política e da vida cívica desse país. Por isso mesmo é que se fala contra eles e até de gente que se pensou progressista. E que fala contra os Sem Terra como uns desabusados, como se fossem os destruidores da ordem. Não, pelo contrário, o que eles estão é mais uma vez provando certas afirmações teóricas de analistas políticos de que é preciso mesmo brigar para que se obtenha o mínimo de transformação.” defendeu Freire.

“Eu, vou aprender a ler, pra ensinar meus camaradas…” (já dizia o refrão da música Yá Yá Massemba, de composição de Jose Carlos Capinam e Roberto Mendes)

Extensão ou Comunicação? Diálogo de Saberes

O ato também trouxe presente algumas reflexões de Paulo Freire sobre o trabalho de base com as comunidades camponesas, compartilhadas no seu livro “Extensão ou Comunicação?”. Escrito em 1968. Sendo uma das obras mais lidas pela militância do MST, o livro serve de base para pensar a organização e o processo de assistência e dialogo junto os/as camponeses/as assentados/as na construção de um método para a troca de saberes e conhecimento nas práticas de experiências agroecológicas nos assentamentos e acampamentos da Reforma Agrária Popular, chamado de Diálogo dos Saberes.

“A partir desse conteúdo nós podemos projetar a agroecologia como uma diretriz política do MST, da Via Campesina e de outras organizações, aprender de Paulo Freire um caminho fecundo de problematização do sujeito camponês e camponesa, dos técnicos, dirigentes e da militância engajados na Reforma Agrária Popular, que inclui a perspectiva agroecológica de fazer avançar a superação de todas as formas de opressão, de exploração do trabalho alheio e de depredação da natureza”, relata José Maria Tardin, educador popular.

José Maria Tardin. Imagem: MST

Para Tardin, a obra, escrita no Chile durante o exílio do educador problematiza a nossa prática cotidiana nas relações, em assentamentos, acampamentos e territórios, dos povos da terra, das águas e das florestas, desvelando se são práticas libertadoras ou reforçam a dominação e opressão. “No diálogo de saberes nos forjarmos mais conscientes de que somos militantes, necessariamente pedagogas/os educadoras/es para as transformações radicais da sociedade e que inclui a consciência do nosso pertencimento cósmico, o nosso pertencimento à terra, o nosso pertencimento à natureza. E nesse estado de sujeito, histórico, cultural, político e consciente do pertencimento à natureza forjar as transformações que nos leve à emancipação humana e à agroecologia.

Paulo Freire, o educador do Esperançar!

Com muita alegria e emoção, o professor da Unicamp, Carlos Rodrigues Brandão, grande referência da educação popular no Brasil e no mundo, que foi amigo de Paulo Freire, ressaltou que é preciso relembrar Paulo Freire, não como passado, mas como memória, em cada educadora e educador popular. “A pergunta fundamental é, quem é o Paulo Freire que habita em mim? Como internalizei Paulo Freire em mim, emancipadora, lutadora, libertadora pela esperança?”.

Carlos Rodrigues Brandão, o professor da Unicamp e amigo de Freire. Imagem: MST

Brandão conta que Paulo gostava muito de substituir o verbo esperar, pelo verbo esperançar. “Esperar é quando você aguarda que aconteça alguma coisa, esperançar é quando você faz acontecer”, disse.

O professor compartilhou um das últimas mensagens que o educador deixou sobre a importância da esperança e da luta em torno dela. “Uma esperança que tem a sua matriz na natureza do ser humano. A esperança da libertação não significa libertação, é preciso lutar por ela entre condições historicamente favoráveis. Se estas não existem temos que lutar de forma esperançada para criá-las. A liberdade é uma possibilidade não é má sorte, nem destino, nem a fatalidade. Nesse contexto, percebemos a importância da educação, uma educação para decisão, para ruptura, para escolha, para uma ética política, finalmente. Enquanto eu luto, eu sou movido pela esperança”, Paulo Freire.

Paulo Freire ao centro. Imagem: MST

Brandão também recitou um poema escrito por ele, sobre seu amigo Paulo:

Paulo Freire, esse incrível!

O que é que o professor Paulo Freire lá no Nordeste entre o recife e Angicos começou a desfazer pra inventar e refazer?
Ele transformou em redondo o que era quadrado e desenquadrou
o que antes era enquadrado.
Ensinou a pensar o ser onde havia o ter
Ele fez virar um círculo o que era uma sala.
E disse ao professor que fala-sem-ouvir que fosse o educador que escuta e depois… fala.
Ele imaginou sermos “nós” o que antes era o “eu”,
e pensou como “nosso” o que era só o “meu”.
E sendo do povo um igual, um parceiro e amigo, e vivendo com ele a opressão e a injustiça. E que sofre a gente sofredora e pobre,
criou uma Pedagogia “do Oprimido” e pensou uma “Educação: Libertadora”.
Ele sonhou como partilha o que era posse
E imaginou como um dom o que era o lucro.
Trocou o “bancário” pelo “emancipador”
e soletrou “esperança” em lugar da “dor”.
Ele pensou vamos “juntas” onde havia o “só eu”
e o Eu-com-Você contra o Você-sobre-o-Eu.
Ele pensou “educação” onde havia “instrução”.
E sonhou a palavra-partilha do diálogo onde dominava o silêncio e o monólogo.
Ele trocou o já-feito pelo se-fazendo.
Do “inacabado” pensou o “inacabável”
e do sermos-imperfeitos, pensou o aperfeiçoável
de quem sempre pode-ser-além-do-que-já-foi.
E pra quem não crê no que nós podemos ser
e no que juntas e juntos nós podemos fazer
Se soubermos viver entre a luta e o sonhável
Paulo Freire anunciou e gritou para o mundo, que o caminho da vida é o “inédito viável”. (Carlos Rodrigues Brandão)

A atividade também contou com depoimentos da educadora Ana Maria Araújo Freire, conhecida como Nita Freire, viúva de Paulo Freire, além de depoimentos de educadores/as populares das escolas do MST, de Sem Terrinhas, de educandos do Brasil, e de outros países como Cuba, Zambia, Guine, Angola e Moçambique, por onde o educador passou. Também foram compartilhadas as concepções de várias entidades de educação para uma educação como prática para liberdade, bem como, foram exibidas performances culturais sobre as obras de Paulo Freire, muita poesia, música, que trouxeram presentes a alegria e emoção dos participantes, os afetos e a esperança que se movem em torno do ato de educar e se educar no processo de aprendizagem, na troca de saberes e em luta, na busca pelo direto a uma educação crítica, fundamentada na realidade e emancipadora.

Viva o Centenário de Paulo Freire! Viva o Educador do Povo!

Confira o ato na íntegra abaixo:

*Editado por Fernanda Alcântara