Ciência

Pandemia e ciência: o que o Brasil comemora no Dia do Pesquisador Científico?

No Dia Nacional da Ciência e do Pesquisador Científico, em 8 de julho, o que chama a atenção é o descaso com a produção científica do país
Foto: Reprodução

Por Fernanda Alcântara
Da Página do MST

Há dois anos, quando o MST ressaltava o Dia Nacional da Ciência e do Pesquisador Científico (confira matéria completa aqui), nem o mais pessimista dos pesquisadores conseguiria imaginar que o país teria que depositar todas as suas esperanças na ciência contra um vírus e uma pandemia tão cruel. Hoje, com quase 530 mil mortos no país e diante da pandemia da Covid-19, a data chama a atenção para a produção científica e busca divulgar e ressaltar o saber científico, em homenagem à Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). 

Desde então, o país sofreu uma série de problemas que, de uma forma ou de outra, respondem sim a uma agenda que vai contra a soberania nacional, principalmente no que diz respeito à educação e autonomia do país em produzir suas próprias pesquisas. Embora o país tenha sido um dos primeiros a ter completado o sequenciamento do genoma do novo coronavírus.

Hoje, no Brasil de dimensões intercontinentais, há pesquisas em todas as áreas do conhecimento, e muitas com impacto social que podem contribuir com as políticas públicas municipais, estaduais e nacional. Entretanto, mesmo que a pesquisa científica seja de grande importância para a sociedade, a crise dos cortes na educação e em seu investimento ressuscita a dúvida: como o desenvolvimento científico anda acontecendo no Brasil?

Mesmo antes da pandemia, era preciso entender, inicialmente, a distinção entre tecnologia e técnica que, embora pareçam semelhantes, não significam o mesmo na prática. Enquanto as técnicas são métodos baseados em conhecimentos e habilidades, a tecnologia é resultado do conhecimento técnico e científico. 

Em outras palavras, aplicando-se ao campo no Brasil, as técnicas são as formas de plantar; a tecnologia são os objetos, máquinas e materiais criados a partir dos conhecimentos tanto das técnicas quanto da Ciência, que parte do estudos destas técnicas a partir da tentativa e erro. 

Em 2019, o MST falou com Daniel S. Pereira, do setor de Produção, Cooperação e Meio Ambiente do Movimento, para entender a complexidades destas associações – que é uma tarefa difícil, porém necessária para a possibilidade das bases de ações pragmáticas. 

“Precisamos nos dedicar a entender estas questões, e isso começa na luta para garantir o acesso universal à educação, de forma a incluir a população do campo não somente no ensino básico, mas no técnico e superior também”, afirmou Daniel à época.

Em 2020, somente na Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS) havia pelo menos 60 projetos de pesquisa de extensão voltados para o enfrentamento da Covid-19. Os projetos variavam de alto apelo tecnológico até os que visam auxiliar pessoas e a comunidade indiretamente ou diretamente no enfrentamento da pandemia. Ao responder grandes perguntas e enfrentar desafios importantes do cotidiano das doenças, pragas e epidemias, a pesquisa científica cria conhecimento, melhora a educação e a qualidade de vida das pessoas.

O professor Pedro Ivan Christoffoli, da Universidade Federal Fronteira Sul (UFFS) já defendia, há dois anos atrás, que o maior problema entre a relação do modelo que temos de produção acadêmica e os saberes populares está na forma como a academia se ampara no sistema capitalista para validá-lo e cita que desde o século XVIII o capitalismo direciona as informações voltadas unicamente para o lucro. No entanto, é importante lembrar que estes conhecimentos estão juntos na redução das desigualdades e construindo pontes entre a ciência e um futuro melhor.

Importância da data

Instituído pela Lei nº 10.221, de 18 de abril de 2001, o Dia Nacional da Ciência é também uma homenagem à Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), fundada em 8 de julho de 1948. Desde então, a entidade é um dos pilares que sustentam a atividade científica no país e, sete anos depois, a data também passou a homenagear quem faz ciência com a criação do Dia Nacional do Pesquisador (Lei nº 11.807 de 13  de novembro de 2008).

Mas o que isto significa em uma prática que compara opinião, fakenews e ciência. A resposta está na própria etimologia do termo “ciência”, que costuma ser usado para designar conhecimentos sistematizados que tentam compreender verdades ou leis naturais para explicar o funcionamento do universo.

Diante do aval de uma Universidade, muitas vezes o exercício da ciência mais parece uma missão pretensiosa; mas a verdade é que a ciência está ligada à quase todas as etapas do nosso dia, desde a cafeteira que prepara nosso café, até o aplicativo que informa sobre o trânsito nos trajetos a percorrer para chegar ao trabalho. Para incentivar a atividade científica e destacar sua importância para o desenvolvimento do país, foi criado o Dia Nacional da Ciência, celebrado nesta quinta-feira, 8 de julho.

Embora o panorama da ciência no Brasil seja ‘assustador, ameaçador e pode se tornar irreversível’, segundo pesquisadores que analisam os frequentes ataques do atual presidente Bolsonaro à educação, a publicação de artigos científicos do Brasil tem tido um salto de quase 70% em uma década.

“Diante da incorporação das pesquisas cientificas no sistema capitalista, no qual a técnica e a tecnologia só buscam o lucro, é preciso entender criticamente em que medida a Academia se propõe de discutir esta influência. Só a partir daí poderemos contribuir de forma concreta para a construção de modelos fora desta dinâmica do capital, envolvendo a complexidade dos saberes de outras perspectivas”, lembra o professor Pedro Christoffoli.

No Brasil, a escassez de recursos e o corte de bolsas ameaçam a área. De acordo com a NSF, organização não governamental independente, dedicada à serviços de certificação, auditorias, análises e treinamentos, voltados para as indústrias de alimentos, água, embalagens, saúde e bens de consumo, o Brasil é o 11º no ranking de publicações científicas, à frente do Canadá, Espanha, Austrália e Irã.

Ainda assim, o orçamento do Ministério da Ciência e Tecnologia só diminui. Os recursos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) sofreram redução de 30% de 2019 para 2020, e a taxa de fomento a pesquisas do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), usada para compra de insumos e equipamentos – teve corte de 80%, afirma Fernanda Sobral, vice-presidente da SBPC.

Em comparação com outros países, o Brasil investe cerca de 1% em pesquisa e desenvolvimento, metade do percentual médio dos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). E, ainda assim, é difícil nesta porcentagem discernir e dimensionar como o agronegócio domina por meio do capital a maioria das teses e pesquisas dentro de universidades. Ainda assim, diversos são os trabalhos que mostram a influência entre o investimento de empresas nas universidades.

Por fim, a defesa do professor Christoffoli já apontava, naquela época antes da Covid-19, que era preciso pensar uma ciência que não esteja a serviço do capital e da ampliação da exploração da natureza e dos seres humanos que trabalham, que chegue ao encontro daqueles que sofrem, dos grupos humanos e classes no campo. 

Para ele e, para o MST, a educação, e, em especial, a pesquisa e seus resultados, tem que chegar às pessoas mais simples, agricultores e assentados, não importa se o conteúdo é sobre agrotóxicos ou sobre vacinação. O conhecimento acadêmico e a tecnologia tem que chegar efetivamente até a população brasileira, para que a universidade, trabalhando junto com os camponeses, consiga abranger a realidade deles, suas necessidades e problemas.

*Editado por Solange Engelmann