Debate

As novas fronteiras da agricultura capitalista

Nova série do Programa Batalha das Ideias: Marxismo e Ecologia estreia aula aberta inaugural com debate sobre “As novas fronteiras da agricultura capitalista”
Nova série do Programa Batalha das Ideias: Marxismo e Ecologia. Imagem: Expressão Popular

Por Iris Pacheco
Da Página do MST

Na última quinta-feira, (9/07), a Editora Expressão Popular, a Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF) e a Escola Nacional Paulo Freire (ENPF) estrearam a nova série do Programa Batalha das Ideias: Marxismo e Ecologia.

A aula aberta inaugural do Programa abordou o tema “As novas fronteiras da agricultura capitalista” com a participação da professora Larissa Ambrosano Packer, que entre os inúmeros assuntos tratados trouxe aspectos referente ao estado da arte do agronegócio, as novas tecnologias capitalistas na organização da agropecuária, expressões da financeirização da economia na dinâmica agrária e ambiental e a correlação entre agronegócio e pandemias.

Em um momento de sobreposição de crises, sobretudo, na área da saúde com uma pandemia que acentuou as contradições do capitalismo e seu sistema de desenvolvimento mundial. Nos países tidos como periféricos, tanto na América Latina quanto em África, vemos a disparidade das desigualdades sociais aumentarem e direitos básicos como a alimentação serem retirados da população. É o caso do Brasil que em 2020, voltou ao Mapa da Fome das Nações Unidas e com mais de 10 milhões de pessoas afetadas pela fome, reabriu uma chaga histórica que demarca a desigualdade social, de gênero e de raça no país. Enquanto o agronegócio comemora a safra recorde e segundo projeção da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), em 2021 o setor pode atingir valor recorde de R$ 1,142 trilhão. Se a projeção for confirmada, haverá um aumento de 15,8% em relação a 2020. 

Segundo a professora Larissa Ambrosano, para entender essa disparidade da concentração vertical da cadeia de produção no sistema agroalimentar é sempre muito importante revisitar as conexões do marxismo e da ecologia, retomar o que é a agricultura capitalista, o contexto em que ela surge e como esta vai se reinventando a partir das crises estruturantes do capitalismo.

“Chega um período da humanidade em que há o desenvolvimento do agrobusiness, a chamada agricultura capitalista, e formas de controles sobre meios de produção da vida, que são essenciais para a produção de alimentos, começam a ser propriedades de poucos atores privados, conformando hoje verdadeiros conglomerados agroalimentares que monopolizam todas as etapas de produção dos alimentos, desde a semente até o garfo”, afirmou Larissa.

Integração vertical da cadeia agroalimentar

No Brasil, 1% dos proprietários concentram metade das terras agricultáveis. Essa construção de poucos atores organizando cada etapa da produção, inclusive com muitos recursos públicos destinados para corporações que foram consolidando o que temos atualmente de indústria agroalimentar.

Larissa rememora que em meados da década de 50 se inicia a construção de que seria necessário integrar todas as etapas da cadeia de produção, especializando essa forma de produção e os atores integrando isso aos negócios globais, para que se tornem mercado viável. 

“Antes falavam muito da integração de todas as etapas, agora ela vem com o nome ‘farm to fork – da fazenda ao garfo’, numa proposta de que vai chegar alimentos frescos através de aplicativos. Isso tem a ver com uma integração vertical da cadeia por poucos atores e corporações. Essa verticalização só é possível por aplicação tecnológica na produção de alimentos, formas de controle e concentração dos meios para produzir esses alimentos, principalmente atrelados às leis de propriedade industrial e intelectual, principalmente sobre as sementes, agrotóxicos e também as leis de propriedade industrial sobre maquinários agrícolas.”

Esse processo hegemônico perpassa desde a produção do conjunto de subsídios do sistema agroalimentar, a produção em si desses alimentos, a agroindustrialização até a comercialização. De forma que, se forja um grande mercado em que os sistemas alimentares são oferecidos à sociedade sempre mediados por poucos atores e corporações, as mesmas que detêm determinadas patentes e propriedades sobre as tecnologias dos sistemas de produção e o alimento é cada vez mais mercadoria e não um direito essencial para os povos.

Controle biológico e patentes

A chamada Revolução verde, teve seu início na metade do século XX e marcou essa integração vertical do sistema agroalimentar. A venda de pacote tecnológico com aplicação de direitos de propriedades intelectuais nos países em desenvolvimento, a inserção de agricultores nos circuitos comerciais na cadeia alimentar global e os incrementos na produção agrícola especializada direcionou as terras e os recursos naturais para o monocultivo de espécies e raças de plantas e animais, exportadas cada vez mais como commodities numa cadeia de produção agroalimentar.

É nesse pacote que entra o controle biológico e as patentes e destitui um processo milenar de produção e reprodução da vida no campo, onde famílias agricultoras que detinham as sementes e os modos de produção vão sendo aos poucos substituídas por pacotes tecnológicos de empresas subsidiadas por orçamento público norte americano e aumentando seu controle.

Segundo Larissa, “a semente é um grão, alimento, mas também é um meio de produção – precisa ser restrita para gerar um comércio – isso se faz com controle biológico da produção em laboratório e alto subsídio públicos, se tornando sementes híbridas quimicamente tratadas com agrotóxicos. Cada vez mais as sementes e raças começam a ser selecionadas para se adaptar a essa escala industrial da agricultura e começa a restringir a diversidade da agricultura e da nutrição humana de acordo com as demandas desses poucos atores e corporações.”

Ela ainda ressaltou que essa semente transgênica na safra seguinte não vai produzir, pois precisa ser quimicamente tratada para isso. “Há um controle legal, de propriedade intelectual sobre essa semente e um controle comercial favorecendo fusões e aquisições.”

Na década de 80, apenas 1% das indústrias controlavam as sementes no mundo, atualmente apenas três corporações controlam 50% do comércio mundial de sementes. Estamos falando de poucas espécies e variedade de sementes demandadas pelas necessidades dos lucros da cadeia agroalimentar e não mais de acordo com as necessidades da produção e reprodução da vida humana.

Fonte: https://www.msu.edu/~howardp/seedindustry.html

Ao longo de sua exposição, a professora Ambrosano apontou os elementos históricos que constituíram essas fusões. Um processo que passou pelos tratados e acordos de livre comércio no ano de 1994, onde as sementes transgênicas passam a ser validadas assim como as formas de vida de patenteamento. Vimos ainda que em 2008, todas as empresas de sementes foram adquiridas por empresas de agrotóxicos, como a Bayer e Syngenta. E por fim, em 2018, as chamadas “big six” (BASF, Bayer, Dow Chemical, DuPont, Monsanto e Syngenta) completam uma fusão entre si concentrando ainda mais a estrutura vertical da cadeia, com um monopólio absoluto sobre a produção industrial de sementes e agrotóxicos.

A Dow Chemical e a DuPont, duas companhias estadunidenses que deram origem à Corteva. A Syngenta teve sua compra pela estatal ChemChina (China National Chemical Corporation), é a primeira vez que a China entra nesse mercado, que gira em torno de 41 milhões de dólares. E por fim, a maior das fusões, a Bayer (especialista em agrotóxicos) e a Monsanto (especialista em sementes e biotecnologia). Só a BASF ficou à margem da fusão.

Fonte: https://www.msu.edu/~howardp/seedindustry.html

Agricultura 4.0 – novas fronteiras do sistema agroalimentar

Em uma tentativa de resumo da exposição entendemos que agricultura 4.0 é a nova fase do modo de produção agrícola baseado em desenvolvimento tecnológico, propriedade intelectual para formação e concentração de mercados.

De acordo com a professora Larissa, aquele alimento que pegamos na prateleira dos supermercados é organizado por poucos conglomerados, depende de poucas sementes selecionadas, muitos agrotóxicos e fertilizantes que dependem de petróleo e mineração, e até o maquinário agrícola é hegemonizado por pouquíssimos atores. Nessa cadeia, ainda temos as comercializadoras e processadoras de alimentos e bebidas, além do varejo de mercado, que movimenta cerca de 8 bilhões de dólares.

Especialista no assunto, Larissa ainda comentou o quanto “a crise da pandemia, a sobreposição de crises: ecológica e ambiental promoveu uma crescente demanda social por mudanças na cadeia de produção para que elas sejam menos impactantes, é chamado greening – esverdeamento dessas cadeias. Por outro lado, essa indústria precisa garantir a extração de recursos com baixo extração de custo para o mercado continuar funcionando e aí vem toda a proposta das novas fronteiras da agricultura capitalista.”

Neste novo pacote tecnológico a aplicação de propriedade industrial para continuidade dos negócios e dos mercados dessas cadeias de valores chegam com mais força e menos transparência. Uma vez que, se vende a ideia de que uma indústria será menos impactante, quando na realidade ela será deslocada para uma outra demanda de extração e exploração mineral e natural.

“As Big Techs vem como uma nova etapa do sistema das cadeias de valor como um todo, em todas as áreas e também na agricultura. Superada a barreira da conectividade você amplia a escala da economia através desses meios de pagamentos das moedas digitais, isso já está gerando uma transformação das cadeias de valor na agricultura com as novas funções”, explicou Ambrosano.

Há oito anos as maiores empresas do mundo eram as petrolíferas, mineradoras, hoje as quatro únicas empresas que estão na casa dos trilhões são empresas de tecnologias de internet e energia.

Fonte: www.value.today

“Provavelmente essas empresas terão acordos de propriedade intelectual sobre os dados que as indústrias a campo captam do solo, do clima, porque as únicas que conseguem fazer armazenamento dos big data coletados, são as empresas de tecnologia. Estas empresas necessariamente passam a fazer parte de todas as cadeias de valor e também da cadeia de valor do agro para fazer girar a agricultura 4.0”, ressaltou Larissa.

Voltemos ao início da aula, onde a professora nos lembrou que Marx nos ensinou que “a história se repete, a primeira vez como tragédia e a segunda como farsa”. É que estamos em um contexto parecido, cuja concepção e operacionalização dessa agricultura industrial capitalista está a ser demandadas pelas tecnologias que prometem uma recuperação econômica verde, mas no fim, é apenas uma roupagem de exploração para manutenção da acumulação de capital.

Essa é uma longa batalha a ser travada. Na contramão desse processo existem organizações e movimentos camponeses em todo mundo que buscam democratizar a terra e enfrentam as grandes corporações que controlam os sistemas alimentares. No entanto, são questões a serem estudadas, discutidas constantemente de forma coletiva. É neste intuito que o programa ao vivo Batalha das Ideias se constrói. Um processo de formação política popular online, transmitido ao vivo pelas redes sociais da Editora Expressão Popular, que nesta série debate questões em torno do Marxismo e Ecologia.

Confira abaixo as próximas aulas abertas:

Serviço:

O que: Aula aberta “O pensamento ambiental em Marx”, com Dr. Armando Bartra Vergés, professor e pesquisador.
Quando: 26/8, às 19h30.

O que: Aula aberta “Agricultura camponesa e agroecologia: bases de um paradigma popular para a ecologia”, com Francisca Rodrigues (Pancha), feminista, internacionalista, fundadora da Cloc e Via Campesina.
Quando: 23/9, às 19h30.

*Editado por Solange Engelmann