Armazém do Campo
Marmitaço doa mais de 8 mil refeições na semana em que o Armazém do Campo comemora 5 anos
Por Alessandra Monterastelli
Da Página do MST
A ação conjunta de 23 cozinhas solidárias permitiu a doação de mais de 8.000 marmitas na cidade de São Paulo durante a semana de frio extremo, iniciada no dia 28 de julho. O Armazém do Campo preparou 2.000 refeições, além de doar arroz orgânico à todas as outras cozinhas.
“O cardápio [da semana de frio] foi bem especial, até porque tínhamos o arroz orgânico pela doação do MST”, conta Adriana Salay, integrante do projeto Quebrada Alimentada do restaurante Mocotó, na Zona Norte de São Paulo. Desde o início da pandemia, o restaurante vem servindo 100 refeições todos os dias. “Pra gente é importante estar na luta com vocês, comemorando esses 5 anos”, completa Adriana. O fato é que, na mesma semana em que as temperaturas atingiram 5 graus devido a uma massa de ar polar, o Armazém do Campo comemorou meia década de existência.
“O Armazém do Campo era uma ideia antiga do MST, de ter um espaço para a comercializar os nossos produtos. É assim que um movimento de massa funciona: não basta um acampamento, precisam ser vários; foi aplicada a mesma lógica nessa frente”, diz Ademar Ludwig, um dos coordenadores do Armazém em São Paulo. “Nossa filosofia para a comercialização de nossos produtos sempre foi: ‘um pouco de muitos’”, conta.
Segundo ele, as políticas públicas do governo Lula forçaram o Movimento a organizar melhor sua produção e comercialização. Em 2009 nasceu o escritório em São Paulo, junto das primeiras grandes vendas destinadas a merenda escolar. “Queríamos mostrar os frutos da reforma agrária que construímos”, conta Ademar. Poucos anos depois, em 2015, foi a vez da grande Feira Nacional da Reforma Agrária, um sucesso que deu o empurrão final para a criação de uma loja que permitisse o acesso constante aos produtos da agricultura familiar.
Em 2016, o Armazém do Campo nascia com alguns elementos substanciais. Fazer a propaganda da reforma popular, daquilo que é produzido nos acampamentos e assentamentos como fruto da luta pela terra que dura mais de 30 anos; dar espaço a outras organizações de pequenos agricultores, entre elas cooperativas e comunidades de quilombolas e ribeirinhos, tornando-se um espaço da Via Campesina. O terceiro elemento era fomentar o debate em torno da agroecologia como caminho final: evitar o uso do agrotóxico, mas ter cuidado com a terra e o planeta. “Queremos que o trabalhador brasileiro não precise usar veneno”, lembra Ademar. Por último, criar um local de convivência e troca cultural. “A palavra cultura vem do grego ‘cultivar’, de comida mesmo. No Armazém temos lançamentos de livros, oficina para crianças, gastronomia, até a copa do mundo já assistimos (risos). É um espaço para se sentir entre os seus, entre os iguais”, conta o militante. O Armazém do Campo é também ocupado pela literatura, graças a editora Expressão Popular, em tentativa de fomentar a batalha das ideias para construir uma hegemonia em torno da importância do alimento saudável. “O MST já se tornou uma referência nesse debate da agroecologia. Agora precisamos realmente chegar em quem precisa”, argumenta Ludwig.
Com o lema fundamental de que se alimentar é um ato político, o Armazém pretende trazer a possibilidade de escolha sobre como se alimentar. “Eu, como consumidor, já me deparei várias vezes antes comprando uma latinha de Coca-Cola e uma batata Rufles por 10 reais. Por que eu não posso pagar 3 reais em um pé de alface ou em um quilo de banana? Mesmo assim, nosso desafio é ir para periferia e criar o Armazém na quebrada. É um desafio, mas já estamos trabalhando nisso”, reflete Ademar. Para este e outros planos futuros, a loja precisa também garantir o lucro bruto, para seguir pagando suas despesas, como luz, aluguel, quem ali trabalha e as próprias cooperativas. A pandemia foi um momento de reinvenção: o bar foi desligado temporariamente para dar espaço às vendas online. “A decisão do MST foi o isolamento produtivo para salvar o máximo de vidas possível. Os Armazéns entraram nessa pegada e todas as lojas fizeram muito trabalho solidário. Não fazia sentido fechar uma loja de produtos saudáveis em uma época que se precisa desse alimento”, argumenta Ademar.
Durante a pandemia, os Armazéns pelo Brasil fizeram diversas ações solidárias. Em Recife, já foram doadas 1 milhão de marmitas; no Rio de Janeiro, mais de 100 mil, enquanto São Luiz do Maranhão fez vários cafés da manhã solidários. A loja aniversariante em São Paulo, junto a parceiras, entregou mais de 100 mil marmitas só em 2020, com o aproveitamento do galpão do movimento para a preparação e doação de mais de 20 mil cestas com 300 mil toneladas de alimento.
Os planos, segundo Ludwig, é que até 2050 existam mais de mil Armazéns do Campo pelo Brasil. Hoje, 20 lojas já estão em processo de montagem. “Se você anda por São Paulo, em poucos quilômetros você encontra várias lojas do Extra ou Carrefour; se nós queremos chegar a dar comida para todos, precisamos ter várias lojas. Precisamos chegar até as pessoas”, argumenta. “Até 2025 queremos ter 30 lojas, seguindo com o debate da agroecologia e do orgânico. Outro desafio nosso é aprofundar a discussão sobre a problemática de comer animais. Boa parte de nossas marmitas tiveram as proteínas necessárias, mas sem carne. Vamos precisar falar mais disso, porque o planeta não comporta todo esse consumo de carne”, expõe Ludwig, ao projetar os desafios futuros.
“Queremos continuar com a doação dos alimentos saudáveis para quem mais precisa”, garante Ademar. Uma semana antes do marmitaço iniciado no último dia 28 de julho, o MST promoveu junto a Mídia Ninja e a Rede Rua uma campanha de doação de agasalhos; segundo Ademar, a campanha arrecadou mais de 10 mil peças de roupa e mais de 100 cobertores. “Foram mais de 10 carros super lotados que levaram as doações até a sede da Rede Rua. Somado a isso, fizemos as quentinhas na semana do frio, que ontem (04/08) já passaram de 9.000”, conta o coordenador do Armazém, que questiona: “Você viu algum caminhão do agronegócio na pandemia distribuindo comida nas periferias durante a pandemia?”. “A comida que a gente serve é a comida que a gente come”, reitera Adriana Salay. “Temos a preocupação de sempre servir legumes. Então o feijão e o arroz sempre têm vegetais ou folhas cozidas”, lembra. Além da distribuição na periferia, como fez o restaurante Mocotó, houve também distribuição de marmitas para a população de rua pelo MST junto a ONG Rede Rua; outras refeições produzidas na própria cozinha do Armazém do Campo foram entregues para centros de atendimento ao imigrante, como o Centro de Apoio e Pastoral do Migrante. “A gente acredita que essa é uma ação emergencial, mas que não resolve o problema estrutural da fome. Esse problema a gente combate com uma nova sociedade, que é o que o MST tá lutando a tanto tempo”, concluiu Adriana, norteando as ações de solidariedade da última semana.
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*Editado por Diógenes Rabello