Lutas Populares
Rebeldia necessária: famílias Sem Terra vão ao STJ garantir PDS em Macaé (RJ)
Do Boletim do MST do Rio de Janeiro
Os 25 anos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra no Rio de Janeiro tem em sua história a ocupação de terra da antiga Fazenda Bom Jardim em Macaé (RJ) dando origem ao primeiro Projeto de Desenvolvimento Sustentável no estado do Rio de Janeiro, o assentamento Osvaldo de Oliveira.
No dia 7 de setembro de 2010 mais de 300 famílias organizadas pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra ocuparam o latifúndio improdutivo da antiga Fazenda Bom Jardim, um latifúndio que era propriedade da “Rádio Difusora”.
O latifúndio pertencia diretamente a Barbosa Lemos, ex-deputado estadual, ex-prefeito e sogro da atual prefeita de São Francisco de Itabapoana (RJ) que acumula, em sua trajetória de latifundiário, diversas denúncias de desmatamento e degradação ambiental.
O processo de recuperação desse território fica evidenciado pelas imagens de satélite de 2010 a 2020, onde se percebe que a existência do assentamento foi responsável pela restauração do patrimônio ambiental.
No decorrer dos últimos onze anos o PDS Osvaldo de Oliveira tornou-se referência na produção coletiva de alimentos saudáveis e sem veneno, sendo modelo na matriz agroecológica de desenvolvimento sustentável no estado. O assentamento é pioneiro nesta modalidade de produção e reprodução da vida com respeito aos bens da natureza e organização do território através da coletividade.
Nesse sentido, o Conselho Gestor do assentamento foi uma determinação legal para sua permanência e é composto por representantes das secretarias municipais de Ambiente e de Agroeconomia de Macaé, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), a Organização Representativa dos Assentados do PDS Osvaldo de Oliveira, a escola Estadual Bernardo Marin Gomes, o Movimento dos Sem Terra do Rio de Janeiro (MST), a Universiade Federal Fluminense (UFF), a Universidade do Rio de Janeiro (UFRJ) e a Universidade Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Embrapa Agrobiologia, além do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA).
Em 2014 as famílias Sem Terra conquistaram a imissão na posse do assentamento PDS Osvaldo de Oliveira pelo juízo de primeira instância em decorrência da capacidade de mobilização, resistência e organização política na disputa pelo projeto de vida do MST.
Não foram poucos os episódios em que a terra foi alvo de ação no Judiciário. Porém, as trabalhadoras e os trabalhadores Sem Terra guardam na memória as lutas para efetivação da reforma agrária, a resistência aos despejos violentos no acampamento e no assentamento, o revide ao desrespeito e às violações de direitos humanos por parte do poder público contra seus familiares e companheiros(as) de luta e a vontade de construir uma reforma agrária popular.
Durante esses anos, muitas vezes, não havia lugar para as famílias descansarem. Enfrentava-se noites de chuva e frio em busca do sonho de conquistar a terra e com a ajuda de amigos e amigas que estenderam as mãos nos momentos mais difíceis foi possível se preparar constantemente para a luta.
Foram muitas as peregrinações no INCRA, nos fóruns de Macaé e do Rio de Janeiro, nas praças, nos tribunais e onde fosse necessário para efetivação da Constituição Federal que garante a reforma agrária nas terras improdutivas que não cumprem a função social – como era o caso da abandonada fazenda Bom Jardim em momento anterior à ocupação.
E não foi diferente em agosto de 2019 quando o Tribunal Regional Federal do Rio de Janeiro decidiu despejar as famílias trabalhadoras de forma autoritária. Mesmo ciente dos contra laudos apresentados pelas famílias do MST em parceria com as universidades que demonstravam que a ocupação das áreas pelas famílias possui uma regular atividade econômica dentro da matriz agroecológica, restando comprovado o exercício da função social, tão almejada. Além de potencial de manejo econômico e valorização de seus recursos naturais e culturais, fundamental para a conservação de nossa biodiversidade. No entanto, a justiça ignora a recuperação ambiental amplamente construída pelas famílias e considera na decisão apenas os laudos apresentados pelo antigo latifúndio da fazenda Bom Jardim.
A decisão arbitrária do desembargador Marcelo Pereira de expulsar as famílias recordou os momentos de apreensão e angústia diante das violências do Estado contra os Sem Terra. Ao mesmo tempo que expõe a face do latifúndio brasileiro na manipulação do poder judiciário para frear as políticas de estado da reforma agrária.
Os trabalhadores e trabalhadoras organizados, cientes de seu papel na história para garantir a conquista da terra, se mantiveram de pé e cultivando resistência para enfrentar os próximos passos da luta.
Hoje, mais de dez anos depois, o assentamento é referência na produção do feijão agroecológico Karucango, da farinha Resistência Camponesa, de banana, milho, abóbora, mandioca, batata doce, inhame, entre outros que são comercializados nas feiras locais e estaduais, nas universidades federais do Rio de Janeiro em Macaé e Rio das Ostras (RJ), no Armazém do Campo na capital fluminense e nas cestas agroecológicas Terra Crioula, além de participar do Programa Nacional de Alimentação Escolar no município.
Diante a solidariedade de trabalhadoras e trabalhadores do campo e da cidade para a conquista da terra, as famílias Sem Terra carregam as sementes do companheirismo e semeiam esses laços com a distribuição de alimentos saudáveis, desde o início da maior crise sanitária mundial de covid-19, nas comunidade da Malvinas e Córrego do Ouro, nas Unidades Básicas de Saúde e Hospital de Trapiche em Macaé (RJ), além de outras periferias pelo estado do Rio de Janeiro.
Atualmente, o PDS executa o plano para a safra de milho e do feijão. Estão sendo preparados 3 hectares para plantio de milho crioulo (parte para consumo animal e parte para consumo humano), com a previsão de colher mais de 10 toneladas de milho agroecológico nos próximos meses. De forma concomitante, no imediato planeja-se plantar 3 hectares do feijão Carukango, estimando a produção de 5000 kg.
No final do ano passado, o presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Ministro Humberto Martins, decidiu pela suspensão da ordem de despejo do PDS Osvaldo de Oliveira, na qual recupera a trajetória de luta das famílias desde a primeira instância em Macaé (RJ), devolvendo sentimento de justiça as famílias trabalhadoras Sem Terra.
Hoje as 63 famílias trabalhadoras do PDS Osvaldo de Oliveira esperam que este sentimento de justiça social prevaleça com o julgamento que está aberto no STJ para acontecer nos próximos dias. A Reforma Agrária é uma luta de todas e todos e a possibilidade de viver com dignidade.
“E Embora escondam tudo e me queiram cego e mudo não hei de morrer sem saber qual é a cor da liberdade.”
Mais do que reforma agrária queremos a transformação social.
Se o campo não planta, a cidade não janta!
MST, a luta é pra valer!