América Latina
#OEANoVaMás: Está na hora de sair da OEA
Por ALBA
Não houve nem há golpe de Estado, massacre, repressão, violação da soberania, violação dos direitos humanos pelas elites locais (pró-imperialistas), nos quais a OEA não colaborou, nem por apoio explícito a setores reacionários com financiamento e assistência técnica comprovados, nem por omissão criminosa. Pelo contrário, os principais objectos das suas denúncias e campanhas de difamação que compõem uma guerra diplomática clara são as revoluções, os governos populares e os processos de mudança que expressam os interesses das maiorias populares na nossa região. A bota da OEA descansa sempre contra os milhões de vilipendiados, famintos e explorados que se tornam protagonistas da história, enquanto bate palmas a ditadores, rufiões e assassinos.
Nos últimos anos, a desastrosa gestão de Luis Almagro levou a um aprofundamento do papel deste organismo: da interferência desleal passou ao apoio explícito e colaboração com grupos fascistas e golpistas, como no caso da Bolívia em 2019, onde a OEA não só colaborou, mas foi um actor principal no golpe de estado. Isto não é mais do que um regresso às origens da organização.
Recentemente, vários presidentes e líderes latino-americanos como Andrés Manuel López Obrador e Marcelo Ebrard do México, Alberto Fernández da Argentina, Luis Arce e Evo Morales da Bolívia, Nicolás Maduro da Venezuela e Lula da Silva do Brasil, entre outros, expressaram seu repúdio às ações da Organização dos Estados Americanos (OEA) e promoveram uma discussão sobre o papel desta organização e a necessidade de substituí-la por um espaço que sirva à unidade dos povos.
Saudamos estas expressões, que colocam a OEA, seus verdadeiros objetivos e as necessidades reais da região na busca da união dos povos no centro do debate. Precisamos de um organismo que promova a integração, ou seja: que dê prioridade ao respeito à soberania e à autodeterminação, que defenda a resolução pacífica dos conflitos, que denuncie as medidas unilaterais dos EUA contra outros países do continente e que levante as bandeiras da defesa da democracia e da vontade dos povos, entre outros elementos urgentes. Este papel não pode ser cumprido pela OEA porque não está – e nunca esteve – na sua natureza.
O que é a OEA?
Desde a sua fundação, a Organização dos Estados Americanos tem servido como um instrumento de interferência e divisão dos países do continente. A OEA, fundada em 1948, é a continuidade organizacional de uma estratégia iniciada em 1989-1890, com a primeira Conferência Pan-Americana realizada em Washington DC.
Ali foi fundada a União Internacional das Repúblicas Americanas que, por sua vez, criou um espaço organizacional chamado primeiro de Commercial Bureau of the American Republics (1890-1902), depois de International Bureau of the American Republics (1902-1910) e finalmente de Pan American Union (1910-1948). Na IX Conferência Pan-Americana, realizada em 1948, em Bogotá, o nome foi alterado para Organização dos Estados Americanos.
Ao longo deste tempo, a sede permaneceu em Washington. O edifício principal da OEA é o edifício que abriu em 1910 como sede da União Pan-Americana. Em março de 2021, o Serviço de Parques Nacionais dos EUA declarou o edifício um Marco Histórico Nacional. Não menos importante pelo seu valor arquitectónico, histórico e simbólico.
Através deste espaço diplomático, o governo dos EUA tentou desde cedo subordinar a política externa das outras nações do continente aos seus próprios interesses, com base na famosa Doutrina Monroe: América para os Americanos, um eufemismo para a América para os Americanos. Sobre o papel dos EUA, basta observar, como um cartão postal, que entre 1890 e 1946 a agência teve nove diretores gerais, e todos eles eram americanos. Foi naturalmente aceite que o escritório seria gerido por alguma figura nomeada pelo Departamento de Estado.
Depois da Segunda Guerra Mundial, o governo dos EUA percebeu que tudo isto era demasiado óbvio. O desenvolvimento do soft power como parte importante da política externa – um processo que se tornou particularmente importante na segunda metade do século XX, uma vez que os EUA procuraram posicionar-se como o representante último da democracia e do mundo livre – envolveu o desenvolvimento de uma táctica destinada a disfarçar, pelo menos um pouco, o seu domínio imperial. Procura fazer com que os sectores domésticos de outros países actuem contra os interesses dos seus próprios povos. Desde 1948, a partir do processo de formação da OEA, isso se expressa na alternância de lideranças de diferentes países, mas sempre com a mesma orientação.
Assim, ao declarar uma política supostamente baseada nos valores da democracia, liberdade, segurança e justiça – como é o caso hoje – na prática a OEA sempre apoiou o oposto.
As consequências da OEA
Seria preciso milhares de páginas para apresentar toda a extensão das ações de ingerência promovidas ou legitimadas pela OEA em pouco mais de sete décadas. Entre 1948 e os anos 80, a OEA apoiou todas e cada uma das ditaduras civis-militares que aterrorizaram sua população com o apoio da CIA e do Departamento de Estado, condenando ao mesmo tempo os governos que emergiram da luta contra essas ditaduras. Vamos mencionar apenas alguns exemplos.
Assim, enquanto na Décima Conferência Pan-Americana realizada em Caracas em 1954, a OEA legitimou a intervenção na Guatemala – patrocinada pelo infame John Foster Dulles contra o governo democrático de Jacobo Arbenz – ao mesmo tempo em que apoiou ditaduras como a de Somoza na Nicarágua, a de Trujillo na República Dominicana e a de Fulgencio Batista em Cuba. O próprio governo anfitrião da 10ª Conferência também foi uma ditadura, encabeçada por Marcos Pérez Jiménez. Como hoje, tudo isto não impediu que as declarações estivessem repletas de parágrafos em defesa da democracia, da liberdade e da soberania e contra a intervenção nos assuntos internos dos países.
Foi a mesma OEA que em 1962 expulsou da organização o governo revolucionário de Cuba, que com um apoio popular maciço enfrentou e derrotou a ditadura, principal aliado dos EUA. A expulsão ocorreu apenas quatro semanas depois de o governo dos EUA ter rompido as relações com Cuba. Antes disso, com o silêncio ou aquiescência da OEA, os ataques e bombardeios contra a população e o território cubanos ocorreram nos primeiros anos do triunfo da Revolução de 1959 e da invasão mercenária da Playa de Girón em 1961, também orquestrada pelo governo norte-americano através da CIA. Esta atitude da OEA continua até hoje, apoiando todos os atos de interferência, entre eles as medidas unilaterais de estrangulamento e desestabilização (sanções) promovidas pelos EUA contra o projeto revolucionário cubano e outros processos políticos que não se subordinam à sua política e tentam um rumo soberano.
Os casos da Nicarágua (com o clã Somoza, 1937-1979), República Dominicana (Trujillo, 1930-1961) e Cuba, (Batista, 1952-1959) já foram notados; mas há muitos mais: Paraguai (Stroessner, 1954-1989), Guatemala (1954-1957 e vários outros períodos), Argentina (1955-1958, 1966-1973, 1976-1983), Haiti (Duvallier, 1957-1971), Brasil (1964-1985), Uruguai (1973-1985) e Chile (1973-1990), para citar alguns.
Em tempos mais recentes, e especialmente com a suposição do atual Secretário Geral Luis Almagro, a OEA tornou-se uma caixa de ressonância da política dos EUA contra os governos da ALBA-TCP, particularmente contra a Venezuela. Isto incluiu não só a legitimação de tentativas de assassinato – como a de agosto de 2018 contra o presidente Nicolás Maduro – e tentativas de golpe, como em abril de 2019, mas até mesmo incursões militares, como em maio de 2020, com a Operação Gideon, na qual participaram paramilitares venezuelanos, colombianos e norte-americanos treinados na Colômbia.
Mas o maior embaraço, sem dúvida, é o reconhecimento como representante da Venezuela no órgão de um delegado do falso governo de Juan Guaidó, suposto presidente interino eleito para esse cargo por absolutamente ninguém – exceto o governo dos Estados Unidos -, uma situação irregular que continua até hoje.
O último episódio conhecido neste plano verdadeiramente criminoso, que viola as bases fundamentais do direito público internacional – respeito à soberania e não intervenção nos assuntos internos – é o papel desempenhado pela OEA no golpe contra Evo Morales em novembro de 2019 e seu apoio à ditadura liderada por Jeanine Añez, que governou nos meses seguintes com sangue e fogo, até que o povo boliviano, mobilizado e enfrentando a repressão, conseguiu triunfar de forma retumbante nas eleições de novembro de 2020.
No que diz respeito à comunidade caribenha, a OEA deslocou abertamente a CARICOM como um fórum de acordo e ignorou as posições da maioria dos países membros para implementar uma política não disciplinada contra a soberania da Venezuela, ao mesmo tempo em que não denunciou as violações dos direitos humanos, sociais e políticos no Haiti, cuja classe dirigente sempre foi acomodada em todo desrespeito à Constituição deste país, que surgiu após a queda da ditadura de Duvallier.
O reconhecimento e incentivo de Almagro ao chamado Grupo Lima, cujo objetivo abertamente desestabilizador e difamatório da revolução bolivariana estava mais de acordo com a ideologia conservadora de seus membros do que com o falso slogan usado pelos governos antipopulares para levar a salvação e a democracia a outros povos enquanto morrem de fome e reprimem em seus próprios países, também é tristemente notório.
A obsolescência deste mecanismo tornou-se evidente em 2020 e 2021 quando, em meio à pandemia da COVID-19, o mecanismo não gerou nenhuma iniciativa para adquirir e distribuir vacinas entre os países membros, ao invés de coordenar e conseguir resolver questões básicas relacionadas à crise sanitária, a principal preocupação era bloquear economicamente a Venezuela e reunir-se com grupos exclusivamente conservadores.
A seriedade das acções é agora visível para todos aqueles que a querem ver. As lutas e os avanços populares, tanto nas ruas como nas instituições, abrem a possibilidade de promover processos de integração soberana na Nossa América.
Sair da OEA
É tempo de construir um novo mecanismo regional que, como condição mínima, respeite a soberania dos povos e se preocupe com a paz e a vida, acima dos interesses particulares das oligarquias globais e do zelo imperialista dos Estados Unidos.
É tempo de apoiar os organismos regionais que promovem a solidariedade e a complementaridade entre os povos, que procuram dar respostas concretas nos campos sanitário, cultural e económico; que actuam eficazmente perante as catástrofes climáticas, como no caso da ALBA-TCP; ou que demonstraram uma verdadeira vocação para a paz no caso de conflitos internos ou tensões entre países membros; ou que impedem golpes de Estado, como no caso da UNASUR.
É urgente um novo marco institucional para a integração e união dos Estados e povos, que permita a participação dos movimentos sociais e populares nas instâncias de deliberação, planejamento e equilíbrio.
Não pode continuar a acontecer que as únicas vozes da “sociedade civil” que são ouvidas sejam as do grande capital e das ONGs financiadas pelos EUA, enquanto as organizações populares, camponesas, urbanas e indígenas que defendem os territórios e a vida, aqueles de nós que nos organizamos na economia popular, aqueles que sofrem golpes de Estado não têm lugar nem voz nestes organismos. Uma verdadeira democratização dos mecanismos multilaterais implica que a soberania de cada país seja respeitada e que as vozes do povo sejam ouvidas.
O #OEANoVaMás. Nem os seus grupos desestabilizadores, nem as suas alianças neoliberais. Apelamos a todos os povos, organizações e movimentos de toda a Patria Grande para que se juntem a esta campanha para sair desta gaiola que é a OEA. Como povos, estados e nações, merecemos ser tratados com respeito, dignidade e igualdade. Não queremos e não vamos permitir mais golpes de Estado, massacres, invasões ou ameaças. Nós não somos o quintal de nenhum império. Temos o direito de lutar por uma região que seja livre, soberana, digna e unida na nossa diversidade.
Em 2005 conseguimos derrotar a ALCA, em 2021 derrotamos o Grupo Lima, agora é hora de derrotar a OEA. A história e os nossos povos exigem-no.
Está na hora de sair da OEA, está na hora da Nossa América.