Contra a fome
Congresso Nacional deve votar veto de Bolsonaro ao Projeto de Lei 823 contra a fome nesta segunda (27)
Por Lays Furtado
Da Página do MST
Com o veto de Bolsonaro ao Projeto de Lei 823 de apoio à Agricultura Familiar, o fomento à produção de alimentos está comprometido, ampliando margens para a fome e inflação no preço dos alimentos no país. A classe trabalhadora organizada e entidades do campo popular pressionam para que o veto seja derrubado pela maioria parlamentar e que a votação entre na pauta do Congresso Nacional nesta próxima segunda-feira (27).
Em um cenário onde a maior parte dos lares, mais de 55%, passam fome ou não têm comida garantida na mesa – segundo dados do Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, 2021 (Rede Penssan). O presidente Jair Bolsonaro vetou integralmente o PL 823, também conhecido como Projeto de Lei Assis Carvalho 2, que prevê apoio à agricultura familiar e ações de combate à fome.
A medida foi anunciada no Diário Oficial da União divulgado na manhã da última sexta-feira (17). Na publicação, Bolsonaro alegou que o veto foi necessário para o cumprimento das normas orçamentárias, e a Secretaria-Geral da Presidência acrescentou que a ideia é evitar sobreposição com outras medidas existentes. Essa é a segunda vez que o governo veta ações de apoio para as famílias agricultoras produzirem alimentos, durante a pandemia.
A proposta do PL 823 prevê o suporte às agricultoras(es) familiares, com prorrogação, descontos, renegociação de dívidas das(os) produtoras(es) e crédito rural. Entre as principais medidas, o Projeto de Lei determina o pagamento de um auxílio no valor de R$ 2,5 mil por família para produtoras(es) rurais em situação de pobreza e extrema pobreza. E R$ 3 mil para famílias lideradas por mulheres.
Nesta sexta-feira (24), ocorreu um debate público sobre o tema, com a live “Mobilização Nacional Pela Derrubada Do Veto ao PL 823″ transmitida pelo conjunto das organizações do campo popular, Minoria da Câmara, realizada em conjunto com o Núcleo Agrário da bancada do Partido dos Trabalhadores (PT).
Para Antônia Ivoneide, conhecida como Neném, da coordenação nacional e setor de produção do MST, militante da mobilização para que o PL 823 seja sancionado sem vetos, o cenário político que definirá a derrubada ou não do veto é um futuro incerto, mas que sem dúvidas, vai exigir do conjunto da sociedade mobilização e pressão parlamentar:
“Pelo que a gente viu tanto na Câmara como no Senado, o projeto passou sem muita dificuldade. Então não foi preciso grandes esforços para ele passar. De certa forma quem ouviu as falas tem uma perspectiva que isso possa ser, que tenham o apoio dos deputados e senadores. O problema é agora que derrubada do veto é uma derrota do presidente. Resta saber se aqueles que estão no centrão ali têm coragem de impor essa derrota no presidente.” – analisa a agricultora Sem Terra.
Para o conjunto das representações do campo popular, os vetos do governo Bolsonaro ao Projeto de Lei Assis Carvalho 1 e 2, demonstra claramente a perseguição política do atual governo em desmontar toda e qualquer política de apoio à agricultura familiar e à segurança alimentar. Enquanto há um imenso investimento e favorecimento do mercado agropecuário do agronegócio que produz lucro mas não produz comida para o povo brasileiro.
Segundo números do projeto de lei orçamentária anual, o valor para programas de segurança alimentar e nutricional este ano tiveram corte orçamentário de mais de 75% em relação aos R$ 1,12 bilhão reservados no ano passado e declarados no Portal da Transparência, mantido pela Controladoria Geral da União (CGU). Dentre as políticas públicas atendidas por esses recursos, estão a aquisição e distribuição de alimentos da agricultura familiar e a distribuição de alimentos a populações tradicionais.
O Projeto de Lei 823 da Agricultura Familiar é de autoria do deputado federal Pedro Uczai (PT), e foi construído em conjunto com organizações e movimentos sociais rurais populares. No último dia (14), as entidades em defesa do PL 823 lançaram carta manifesto contra o veto presidencial e continuam em mobilização permanente pela derrubada do mesmo, convocando o apoio da população para pressionar deputadas(os) e senadoras(es) pela sanção do Projeto de Lei.
As ações de unidade do campo popular de protesto contra o veto presidencial sobre a medida, tem o objetivo de pressionar o Congresso para que seja votada a derrubada do veto nesta próxima segunda (27), quando as entidades convocam para tuitaço a partir das 14h com a tag #DerrubaVetoPL823, entre outras mobilizações marcadas para este final de semana.
Fome como política de morte da população mais pobre
Apesar de ser no campo o ambiente de produção de alimentos, sem fomento a produção se encontra comprometida. Sendo justamente no campo em que se concentra o maior índice de população que padece da insegurança alimentar e fome. Segundo a análise do Inquérito da Rede Penssan, dos 55,2% de lares onde foi registrado insegurança alimentar, 9% conviviam com a fome, sendo pior essa condição nos domicílios de área rural (12%).
Outro levantamento feito pela Universidade Federal de Minas Gerais em conjunto com Universidade de Brasília e Universidade Livre de Berlim, alerta que 27% das famílias do campo estão passando fome. Além da geografia da fome que volta a mapear o Brasil, o Inquérito da Rede Penssan, ainda aponta o perfil identitário mais afetado pela insegurança alimentar, como é o caso dos lares liderados por mulheres e compostos pela população negra.
Dessa forma, foi estimado que 11,1% das famílias chefiadas por mulheres passam fome, e outros 15,9% enfrentam insegurança alimentar. Em lares chefiados por homens, a fome atinge 7,7% dos domicílios e outros 7,7% estão na situação de insegurança alimentar. Cerca de 10,7% dos domicílios de pretas(os) e pardas(os) convivem com a fome e em 13,7% não têm a garantia de alimentos suficientes para suas famílias. Em lares de famílias brancas esse mesmo percentual referente à insegurança alimentar é de 8,9%.
Do total de 211,7 milhões de brasileiros(as), 116,8 milhões convivem com algum grau de insegurança alimentar, destes, 43,4 milhões não têm alimentos suficientes e 19 milhões enfrentam a fome grave. Em um momento onde a pandemia do Covid-19 se alastra, tal qual, a crise política, sanitária, econômica, onde a fome tem sido um sintoma recorrente assinalado no campo e cidade.
“Essa é uma demonstração de que o governo Bolsonaro é gerido pela necropolítica. A política da morte, do genocídio da população mais pobre do Brasil”, afirmou Alexandre Pires, integrante do Núcleo Executivo da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), comentando sobre o contexto em que esse veto acontece, justamente em um momento de aumento do preço dos alimentos, do gás de cozinha, dos combustíveis e da inflação de forma geral.
A derrubada do veto é uma derrota contra a fome e uma vitória da classe trabalhadora contra o governo
Enquanto ocupa apenas 23% da área total dos estabelecimentos agropecuários brasileiros, a agricultura familiar é responsável pela renda de cerca de 40% da população economicamente ativa e por mais de 67% de brasileiras(os) ocupadas(os) no campo, empregando mais de 10,1 milhões de pessoas, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2017.
Com a pandemia e a falta de investimentos em políticas públicas para o setor, outro estudo feito pelo Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar estimou o prejuízo para a agricultura familiar tendo como base de estudo um grupo de 4,5 mil produtoras(es) da agricultura familiar de 108 municípios; destacou que em 2019, estas(es) produtoras(es) venderam para o PNAE (Programa Nacional de Alimentação Escolar) R$27 milhões e, em comparação à 2020, a rentabilidade desse mesmo grupo foi de apenas 3,6 milhões, ou seja, uma queda de 87%.
Enquanto isso, no último mês de julho o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, lançaram nota informando um novo recorde de lucro de US$ 12,1 bilhões, sobretudo com grande participação da exportação de grãos e carnes que servem ao mercado internacional de commodities. O valor alcançado representa uma alta de 25% comparado aos US$ 9,69 bilhões de junho de 2020.
No ano passado, o setor agropecuário foi o único que cresceu no país, batendo recorde em lucro e safra, comparado aos setores de serviço e indústria que tiveram déficit. Este ano, a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), estima que há expectativa de mais uma safra recorde de grãos, de 268,3 milhões de toneladas.
Porém, enquanto isso, especialistas alertam que o aumento exorbitante do preço dos alimentos da cesta básica, como arroz, óleo, legumes, entre outros, se dá pela própria falta de incentivos de produção e disponibilidade dos mesmos no mercado, o que gera a própria inflação do valor desses itens disponíveis no mercado interno.
No último dia 26 de agosto, ocasião em que o PL 823 foi aprovado no Senado, o relator Paulo Rocha ressaltou os méritos da proposta e sobre a urgência da medida. Considerando o acúmulo da inflação em alta, que teve variação de 8,99% no acumulado de doze meses, segundo o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) medido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O que reflete no aumento do custo dos alimentos, no momento em que o desemprego chega a mais de 14 milhões de brasileiras(os).
De acordo com os dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) referente ao final de 2020, os segmentos de “habitação” e “alimentos e bebidas” foram os que mais impactaram a inflação das famílias de menor renda. Para este ano de 2021, o Ipea estima que a inflação será de 5,3%. Ou seja, maior que a do ano passado, de 4,52% (IBGE) e maior que a prevista pelo teto da meta do Banco Central, de 4,6%.
O peso da inflação na economia acumulado em 2020 elevou os preços do óleo de soja (103,79%), arroz (76,01%), entre outros itens como o leite longa vida (26,93%), frutas (25,40%), carnes (17,97%), assim como da batata-inglesa (67,27%) e tomate (52,76%). A habitação, com 5,25%, também teve aumento, influenciada pelo aumento da energia elétrica (9,14%).
As despesas com alimentos, energia e gás comprometem 37% do orçamento das famílias mais pobres e 15% nas mais ricas. Ao longo do ano passado, a inflação das famílias de renda mais baixa subiu 6,2%, enquanto as de renda mais alta registraram índice de 2,7% sobre o mesmo segmento de consumo.
Outro dado relevante para entender os impactos que contrastam com o lucro do agronegócio na vida das(os) trabalhadoras(es) é que, mesmo apresentando safra e lucro recorde, o setor deixou de empregar 949 mil trabalhadoras(es). De acordo com o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), a classe trabalhadora mais impactada por essa desocupação também são as que apresentam maior vulnerabilidade social, como empregadas(os) sem carteira assinada (427 mil pessoas), trabalhadoras(es) com menor instrução formal (137 mil pessoas), e mulheres (343 mil pessoas).