Formação política

Movimento Socialista de Gana: Uma experiência revolucionária de comunicação

Organização construiu um enorme aparato de disseminação do pensamento socialista para a disputa ideológica e encontrou na comunicação de massa a chave para organização da classe trabalhadora
Congresso do Fórum Socialista de Gana, que aprovou a transformação o Fórum em Movimento Socialista de Gana. Foto: Facebook do SMG

Por Phillyp Mikell*
Da Página do MST

Entre os dias 31 de julho e 1 de agosto aconteceu em Gana, país da África Ocidental no Golfo da Guiné, o Congresso do Fórum Socialista de Gana (SFG sigla em inglês). Neste Congresso foi aprovado por unanimidade a transformação do SFG em Movimento Socialista de Gana (SMG sigla em inglês), esta passagem representa um marco na luta e na organização dos trabalhadores ganeses.

O SFG nasceu em 1993, primeiramente como um grupo de estudo marxista, no começo este grupo era formado por quatro pessoas, hoje já são mais de três mil membros organizados em 25 coletivos em todo o país. Para o camarada Kwesi Pratt Jr., Secretário Geral do SMG, a transição de Fórum para Movimento foi importante para avançar na organização da classe trabalhadora em uma perspectiva de transformação radical da sociedade:

“(…) É importante reconhecer que no início, com quatro membros, nossas ambições eram muito limitadas, agora temos grandes ambições, nos vemos como um grupo para mobilizar o povo trabalhador a transformar a sociedade, para esmagar o sistema capitalista e para construir o socialismo.”

Participaram do Congresso o Partido Comunista de Cuba, o Partido dos Trabalhadores Socialista Revolucionários da África do Sul, o Instituto Simón Bolívar da Venezuela, a Organização de Libertação da Palestina, o Pan African Today e o MST, entre outros.

Para o camarada Fábio Andrey, representante do MST no Congresso, a transição do Fórum Socialista de Gana para Movimento representou um avanço estratégico na organização popular visto que “o movimento é uma organização de maior autonomia, que as pessoas estarão organizadas neste movimento […]. Há uma definição estratégica que unifica toda a militância no Movimento e desta forma, facilita as ações táticas para se consolidar com uma estratégia muito bem definida […], A segunda coisa é que ele (o Movimento) faz uma opção clara de estar próximo às bases, ao povo de Gana e, desta forma, vai construindo relações nesta troca com o povo que está na periferia e que são renegados pelo poder do Estado. Então quando eles fazem a opção de se tornar um movimento eles assumem o compromisso com o trabalho junto à base.”  

Teoria em movimento: a centralidade na luta das ideias

Durante os 29 anos de existência, o agora SMG, construiu grande referência na África no que diz respeito à formação política por meio do estudo da teoria marxista, mas também e, sobretudo na disputa ideológica da sociedade ganense como centro da estratégia revolucionária.

A compreensão de que a organização da classe trabalhadora passa necessariamente pela disputa dos corações e das mentes do povo trabalhador é uma máxima do pensamento marxista global, porém, a implementação prática deste princípio encontra outras dimensões no continente africano.

Segundo o intelectual marxista Amílcar Cabral, principal liderança da luta pela independência de Guiné-Bissau e Cabo Verde, uma das tarefas centrais da luta contra o colonialismo seria a “reconstrução da personalidade histórica” dos povos africanos. Para Amílcar:

“A deficiência ideológica, para não dizer a falta total de ideologia, por parte dos movimentos de libertação nacional – que tem a sua justificação de base na ignorância da realidade histórica que esses movimentos pretendem transformar – constituem uma das maiores, senão a maior fraqueza da nossa luta contra o imperialismo.”

Em Gana o SMG se entrincheirou na luta pela comunicação de massas e construiu um enorme aparato de disseminação do pensamento socialista para a disputa ideológica. O Movimento conta com um espaço destinado à promoção de cultura e formação popular, o Freedom Centre (Centro da Liberdade). O espaço é a sede do SMG em Accra, a capital do país, onde existe uma biblioteca que disponibiliza clássicos do pensamento marxista e pan-africanista.

SMG construiu grande referência na África na formação política e na disputa ideológica da sociedade ganense como centro da estratégia revolucionária. Participantes do Congresso do Fórum Socialista de Gana. Foto: Facebook do SMG

O Movimento tem também a Freedom Bookshop (Livraria da Liberdade) e por meio desta iniciativa consegue publicar clássicos do pensamento pan-africanista e também livros e folhetos de autoria própria de seus militantes. Atualmente a impressão de material contempla também  diversas organizações progressistas da África Ocidental e de outras partes do mundo, a exemplo da parceria com o Instituto Tricontinental de Pesquisa Social.

O Projeto Legado é um esforço do Movimento para imprimir e distribuir toda a obra de Kwame Nkrumah, principal líder pan-africanista e marxista da independência de Gana. Este projeto tem feito chegar materiais até as escolas públicas, universidades e diversas instituições de Estado, como as Forças Armadas e o Judiciário.

A Educação Popular também está presente no arsenal do Movimento para a formação de base, a Escola, que não por acaso se chama Amílcar Cabral, tem como foco “fornecer ferramentas relevantes para a análise marxista da sociedade, para espalhar os ideais do pan-africanismo e para facilitar interações significativas de ativistas progressistas em toda África e além”. A escola Amílcar Cabral já formou mais de 500 quadros de diversas partes do mundo. (SMG, National Delegates Congress. Final Report)

O SMG oferece ainda assistência técnica, editorial e gerencial para o jornal impresso The Insight (A percepção) e para a Pan African Television. Segundo o camarada, Pratt Jr. todo este empenho do SMG em construir um enorme aparato de comunicação e promoção da cultura é fundamental para combater a hegemonia da mídia burguesa:

“Quero dizer que o trabalho da mídia é importante para o trabalho revolucionário, por que estamos em um mundo no qual as forças revolucionárias, esquerdistas e pan-africanistas não podem ser ouvidas, você é atraído pela mídia do imperialista, do colonialista. É importante ter acesso a uma plataforma de mídia cujo artigo é o outro lado das coisas e isto é absolutamente importante para nós.”

Pan African Television: a comunicação de massas como arma da organização popular

O Pan African Television (PATV) é uma plataforma de transmissão aberta em rádio e TV de Gana e também disponível no YouTube e Facebook. Com sede em Accra, a PATV conta com uma programação diária de telejornais, entrevistas, música e entretenimento, segundo Pratt Jr. “neste momento em Gana trata-se da maior plataforma de televisão, mas isso não é suficiente para nós e nossa concorrência (com a mídia burguesa)”.

Como meio de comunicação de massas a PATV consegue chegar a todas as casas em todas as regiões do país, isto é extremamente importante uma vez que o Movimento possui Coletivos organizados em diversas regiões. A PATV funciona como um canal de comunicação direta com a base do SMG, mas além disso ela consegue comunicar sua mensagem para toda a população ganense, em disputa direta com as plataformas de mídia capitalista.

Para Kwessi Pratt Jr., “as pessoas têm que ter esperança de que a nova sociedade é possível, as pessoas têm que ter confiança em si mesmas para decidir. Há mensagens no mundo de hoje que só podem ser transmitidas através dos meios de comunicação de massa como plataformas de jornais, como plataformas de vídeo que são absolutamente importantes.”

Existe um esforço do SMG em tornar a PATV o canal de comunicação da classe trabalhadora em Gana, sua programação oferece ao telespectador uma narrativa mais profunda dos fatos, politizando o debate no seio da sociedade com um viés marxista e disseminando o legado da luta popular no país, que encontra suas raízes na luta contra o colonialismo.

De modo geral, o Movimento Socialista de Gana encontrou na estratégia de comunicação de massa a chave para a organização da classe trabalhadora, sua programação é um chamado à organização popular. Um rápido olhar para o quadro de trabalhadores e de trabalhadoras que fazem a PATV acontecer demonstra o perfil de sua militância, majoritariamente jovem e com uma grande participação das mulheres.

O trabalho em comunicação tem orientado grande parte do trabalho e dos esforços feitos pelo SMG, mas todo este trabalho não está desvinculado da organização junto à base. O SMG conta com Coletivos que se organizam em torno de quatro grandes eixos: professores/as, enfermeiros/as, trabalhadores desempregados e mulheres.

De acordo com Pratt Jr. “os coletivos são basicamente grupos de estudo, estudando para entender os problemas da comunidade, estudando sobre as instituições na África Ocidental, estudando sobre as instituições no mundo, isso também melhora o entendimento dos problemas locais.”

Para ele existe uma conexão entre os desafios das comunidades locais e os processos de luta e solidariedade no mundo todo.

“Os Coletivos também se ligam, a partir de organismos nacionais, em atividades de solidariedade no resto do mundo. Atividades que envolvem a solidariedade ao povo palestino que luta contra a ocupação israelense, também estamos muito envolvidos com o Polisário lutando contra a ocupação colonial local […] Também apoiamos o movimento de solidariedade a Cuba e Venezuela na resistência ao imperialismo.  Assim, o jogo coletivo de todas estas regras é o local, o nacional e o internacional ao mesmo tempo”, conclui.

Após a realização do Congresso de transição foram organizadas visitas a todos os Coletivos no país para alinhar as questões de organicidade desta nova forma de atuação. A partir destas visitas os Coletivos indicaram pessoas de suas comunidades para participarem da formação política de base na Escola Amílcar Cabral, estas rodadas de visitas são uma forma de organização e funcionamento do Movimento e realizadas periodicamente.

O SMG segue na construção do poder popular, avançando na batalha das ideias com coerência e enraizamento do trabalho de base. Para a África Ocidental o trabalho do SMG representa um ponto de apoio e esperança na construção de um novo mundo, herdeiros diretos do legado de Nkrumah, o SMG permanece firme na defesa da unidade pan-africanista como estratégia na luta contra o imperialismo.

Para conhecer mais do trabalho do SMG em comunicação acesse:

YouTube: https://www.youtube.com/c/PanAfricanTelevision
Facebook: https://www.facebook.com/PANAFRICANTV
Instagram: https://www.instagram.com/panafricantv/

*Integrante da Brigada Internacionalista Samora Machel na África

**Editado por Solange Engelmann