Agrotóxicos
Debate contra o PL do veneno na Amazônia é marcado por denúncias contra o agronegócio
Da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida
O último encontro do ciclo da mobilização nacional contra o Pacote do Veneno (PL 6299/02), e SIM à Política Nacional de Redução de Agrotóxicos (PNARA) (PL 6.670/16), ocorreu na quarta-feira, 29 de outubro. A atividade mobilizou movimentos e organizações da Região Norte e apontou a necessidade de discutir o tema com aspectos conjunturais mais amplos que têm impactado a vida e o território amazônico.
Nesse sentido, o Professor Fernando Michelotti, da Unifesspa, explicou do ponto de vista conjuntural como o Brasil altera a ordem de importância da sua economia entre o saque e expropriação de produtos primários para exportação desde os tempos de colônia, até o grande impulso de industrialização no século XX, que a partir da virada do século desacelera e assume a exportação de commodities como centralidade econômica.
“A partir de 2009, voltamos a ser um país onde o peso da exportação dos produtos primários ultrapassa os manufaturados, alguns vão chamar de reprimarização da nossa pauta de exportação, que vai refletir no conjunto de nossa economia. Os três principais produtos de exportação são: o minério de ferro, o petróleo bruto e a soja. Na sequência tem o milho, carne bovina, café, entre outros. Isso tem uma série de consequências para a economia e a política brasileira. O fortalecimento significativo das frações de classe diretamente vinculadas a esse tipo de produção e exportação, sobretudo o agronegócio.”
Ao falar de agrotóxicos é preciso compreender as diversas forças e leituras que existem no campo agrário brasileiro e o lugar que se ocupa nas disputas geopolíticas. O Brasil teve um papel chave no sistema mundo colonial e agora se posiciona novamente na mesma estratégia de acumulação a partir da exportações/expropriação de produtos primários como carro chefe da nossa relação econômica com o mundo. Além dos grãos, um outro efeito que não pode ser dissociado do debate sobre os agrotóxicos, que é a expansão da pecuária e sua interiorização na Amazônia. Uma vez que, na medida em que essas áreas de fronteiras vão sendo ocupadas por grãos, a pecuária se desloca cada vez mais para o interior.
O Professor Fernando alerta que os territórios amazônicos estão em fortes e constantes disputas. “Esse cenário é o plano de fundo pra gente pensar essa expansão das commodities e sua importância política nacional o seu efeito territorial de expansão em relação amazônia e os impactos sociais, ambientais, políticos, econômicos, que tem na região com um efeito mais visível que é o desmatamento, a violência, a grilagem de terras e violência contra os povos.”
Uma expressão das contradições que compõem o processo da luta de classes, sobretudo no campo, é o debate sobre agrotóxicos na região Norte. O Padre José Boeing, da REPAN e coordenador da ONG´s VIVAT International, traz em sua fala a memória da chegada de uma empresa transnacional que possui um porto instalado em Santarém há quase 20 anos, a Cargill.
“Em 2001, temos um novo quadro na Amazônia, a chegada da empresa Cargill e no leste do Pará a grilagem de terras públicas, que no ano 2000 houve uma CPI no Pará. Com a chegada da Cargill, com as empresas imobiliárias de vendas de terras públicas ou o Terra Legal trouxe o mercado de terras.”
A Cargill abriu portas para uma série de outros projetos e negócios na região do Tapajós. E como relatado no debate, trouxe consigo inúmeros problemas que atravessam a vida dos povos desse território, indo desde a destruição da floresta, expulsão de famílias de suas comunidades para a periferia da cidade, plantações onde são jogadas grandes quantidades de agrotóxicos, que geram problemas de saúde, principalmente em crianças e idosos.
Antonio Alves Silva morava na comunidade Santo da Boa Fé, em Curuá-Una, onde teve que se mudar por conta dessa ofensiva do agronegócio na região é um atingido pelos agrotóxicos das lavouras próximas à sua comunidade e relata que ficou impossibilitado de produzir alimentos saudáveis como sempre fez. “Fui obrigado a mudar de lugar porque eles foram comprados as terras ao redor até chegar o momento em que mudei por conta dos agrotóxicos, aparecendo doenças em mim, na minha família e no vizinho. Nossa região foi atingida do começo até o final por conta do agronegócio.”
Do Pará para o Acre, mudamos a localização geograficamente, mas os impactos sobre o território amazônico permanecem. A assentada Rosa Saraiva, do Movimento de Mulheres Camponesas (MMC), reside no Assentamento Espinhara, no município de Bujari no Acre, e tem colaborado no debate sobre a mercantilização da Amazônia e essa ofensiva do capital.
“A gente vê que o avanço da soja está muito forte na Amazônia, mas também com a criação do gado. Estão nos matando. Eu moro em um assentamento e estamos passando pelo mesmo problema dos venenos, muito forte. Diversas famílias foram afetadas com sua produção totalmente destruída porque eles jogaram veneno com avião. Essa luta tem que ser coletiva, sabemos que vamos enfrentar forças poderosas pela frente. Não podemos deixar esse agro nos engolir.”
Dossiê contra o Pacote do Veneno e Pela Vida
Vivemos em um tempo onde há “uma força social ligada ao bolsonarismo, que é a expressão mais predatória dessa perspectiva do agronegócio, da mineração e das commodities na Amazônia.” Assim o Professor Fernando caracteriza os impactos desse projeto predatório em território amazônico, de extração dos recursos sem nenhuma preocupação com qualquer perspectiva de sustentabilidade, dentro de um quadro de total desregulação e de entrega às forças de mercado para definirem a gestão do território.
“O que estamos assistindo é uma tentativa de avançar na desregulação total, na mudança da legislação, no esvaziamento dos órgão de controle e participação da sociedade civil em qualquer tipo discussão sobre o projeto amazônico e a mercantilização total dos bens da natureza sem nenhuma preocupação com a preservação do ecossistema florestal originário. É nesse contexto que se retoma o debate da PL do veneno que não está isolada, está associada a um conjunto de iniciativas, de mudanças nas legislações que caminham nesse lugar de desregulação total e entrega destrutiva dos recursos da Amazônia para as forças predatórias de mercado.”
Na mesma linha, o Deputado Federal Airton Faleiro (PT-PA) observa que existe uma força muito grande da indústria dos agrotóxicos no mundo e que mesmo não utilizando em seus países de origem, enviam para os países periféricos, como o Brasil. Outro componente é o consumo de agrotóxicos. “Esse consumidor, que se vangloria em usar venenos tão nocivos, tem uma visão muito curta da sua existência. Parece que são uma única geração e os que virão vão pagar as consequências. O capital que consome os agrotóxicos é ganancioso pelo lucro imediato e pouco criterioso, piorou no Congresso na flexibilização da legislação para empurrar a liberação de um monte de agrotóxicos no Brasil.”
O esforço para unir denúncias em torno do “Pacote do Veneno”, que tramita no Congresso, segue nessas mobilizações de âmbito regional. Um deles é dar visibilidade ao “Dossiê contra o Pacote do Veneno e em Defesa da Vida”, um estudo reúne 35 autores/as e compila pesquisas e posicionamentos de dezenas de organizações brasileiras contrárias ao uso de agrotóxicos, lançado no quarto dia da Mobilização Nacional Contra os Agrotóxicos e Pela Vida.
Recentemente o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) realizou uma pesquisa onde apontou diversos agrotóxicos em alimentos industrializados. Todos os agrotóxicos encontrados nos alimentos analisados estão presentes nas lavouras brasileiras, como o glifosato, herbicida mais usado no mundo. Em 2015, a Iarc (Agência Internacional para Pesquisa sobre Câncer), da OMS (Organização Mundial da Saúde), concluiu com base em centenas de pesquisas que o glifosato era “provavelmente carcinogênico” para humanos. No Brasil, a Anvisa decidiu no ano passado manter a liberação do glifosato, mas com restrições (clique aqui para baixar o dossiê).
Os contrapontos científicos e técnicos a este projeto ganharam forma nas mais de 300 do livro Dossiê e é uma produção da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO); Associação Brasileira de Agroecologia (ABA); da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, em parceria com a Articulação Nacional de Agroecologia e apoio do Instituto Ibirapitanga e da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Conta ainda com prefácio assinado por Leonardo Melgarejo e João Pedro Stédile, e posfácio de Leonardo Boff.
A Campanha também propõe que entidades, movimentos e bancadas também protocolem esse documento nos endereços de e-mail dos deputados e deputadas.
*Editado por Fernanda Alcântara