Centenário Paulo Freire
Jornada de Alfabetização no Maranhão utiliza Círculos de Cultura em método dialógico e crítico
Por Solange Engelmann
Da Página do MST
A educadora e companheira de Paulo Freire, Anita Freire, comentou durante uma live com o MST neste ano que quando percebeu que o jeito de ensinar era elitista, fragmentado e distante da realidade dos trabalhadores e trabalhadoras de comunidades pobres do Rio Grande do Norte e no Pernambuco, e que não era assimilado por esses grupos de pessoas em experiências de alfabetização de adultos, Paulo Freire teve a ideia de criar os Círculos de Cultura.
Antes que termine o ano do centenário do pensador e educador do povo, Patrono da Educação Brasileira e mestre que defendeu uma educação pública para a liberdade e emancipação dos trabalhadores e trabalhadores, Paulo Freire, segue mais uma experiência desenvolvida com base nos ensinamentos do pensador acerca da alfabetização, direito à educação, debate e reflexão, bem como o exercício da cidadania no Maranhão.
Na região Amazônica, não muito próxima, porém também não muito distante ao município de Angicos no Rio Grande do Norte, onde Paulo Freire desenvolveu as primeiras experiências de alfabetização de adultos na década de 1960, para um grupo de trabalhadores/as, em 15 municípios com menor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Maranhão, entre os anos de 2016 e 2018 o MST, inspirado nos ensinamentos de Paulo Freire, readaptou a experiência dos Círculos de Cultura do pensador para alfabetização de trabalhadores e trabalhadoras de comunidades rurais e urbanas durante a Jornada de Alfabetização de Jovens e Adultos nesses locais.
Os Círculos de Cultura foram concebidos pelo educador nos primeiros grupos de alfabetização de adultos organizados por trabalhadores populares, e se reuniam tendo a coordenação de um/uma educador/a com o intuito de debater assuntos temáticos, a partir de palavras geradoras, de interesse dos próprios trabalhadores/as e temas também trazidos pelo grupo. Nesse processo de debates e reflexão coletiva o educador-coordenador, ao mesmo tempo ia inserindo o ensino das letras e palavras, que traziam presente o cotidiano e as problemáticas acerca de realidade vivida por esses trabalhadores.
Nesse contexto educativo e dialógico, pensado por Freire, possibilita-se apreender e conscientiza-se ao mesmo tempo, uns com os outros, de forma coletiva, exercendo a cidadania e percebendo os padrões de opressões que afetam esses trabalhadores/as. Ou seja, trata-se de um método educativo que desperta a consciência, o aprendizado a partir da realidade dos sujeitos, a organização dos trabalhadores em torno de demandas coletivas, estimulando as lutas de movimentos sociais e organizações populares. Portanto, uma educação libertadora, democrática e emancipatória.
A pedagoga do setor de gênero e da frente de educação formação e cultura do MST na regional Amazônica, Simone Silva, explica que em dois anos a Jornada de Alfabetização no Maranhão garantiu a alfabetização de 21 mil pessoas e trabalhou com dois métodos similares, que se complementam: o método cubano SIM EU POSSO! e o método brasileiro, dos Círculos de Cultura de Paulo Freire, estando os dois fundamentados em um projeto de sociedade e compromisso de emancipação.
Segundo Simone, o publico envolvido nos Círculos de Cultura foram de cerca de 14 mil pessoas. “As turmas envolvidas na ultima experiência foram de 1.333, que iam de 05 a 15 educandos a partir de 15 anos. Estes se tornaram coletivo de educandos e educadores envolvidos no que Paulo Freire chamava de ação cultural para liberdade, a busca pela combinação da leitura do mundo com a leitura da palavra escrita. Embora o objetivo fosse aprimorar a leitura e a escrita apreendida no método anterior, a base eram os temas geradores como, identidade cultura e democracia, terra e território, trabalho, alimentação saudável e outros”, relata.
Os temas geradores eram discutidos tendo a realidade como ponto de analise, explica Simone. “Cada turma ao final do período de estudo e debate do tema realizava atividades que foram desde amostras culturais da turma, com o que cada um sabia fazer: poemas , moveis, bolos, artesanatos, aulas publicas, mutirão e audiência com as prefeituras para soluções de alguma demanda dos sujeitos e comunidades.”
”Os Círculos de Cultura são como uma fogueira, junta, alegra e anima as pessoas que a circulam, reflete o brilho dos olhos dos que não se enxergam mais capazes de ser e de saber, revela as subjetividades (negadas, oprimidas), aquece o corpo e as vontades. A fogueira não faz sombra, é luz por todos os lados. Vozes, risos, silêncio, gestos, pensamentos em pleno voo, brotam e bailam como mariposas”, relatam educadoras da Jornada de Alfabetização realizada no Maranhão, no livro Jornada de Alfabetização do Maranhão: Mobilização Popular, Cultura e Emancipação, lançado em 2019, pela Editora UEMA.
Com um saldo de 21 mil trabalhadores e trabalhadoras alfabetizados, ao final de dois anos da Jornada de Alfabetização no Maranhão, além da contribuição do método de Paulo Freire as atividades foram encerradas com a escrita de uma carta por parte da cada educando e educanda alfabetizados, sendo endereçada a quem cada um gostaria de contar a experiência da jornada. “E juntamente com o certificado os alfabetizados e alfabetizadas também receberam o livro com a historia do Paulo Freire: o menino que lia o mundo de Carlos Rodrigues Brandão, para muitos era o seu primeiro livro”, conta Simone.
Dessa forma, o método do educador possibilitou uma significativa contribuição no processo educativo da Jornada, servindo de base para um aprendizado dialógico e crítico da realidade, mas também na filosofia da solidariedade de classe e na forma de ensinar aprendendo e vice versa dos educadores do MST, que se deslocaram de vários locais para o desenvolvimento dessa experiência de alfabetização e cultura. “Paulo Freire esteve presente no dialogo, na busca pelo domínio da leitura e escrita das palavras, nas formas de organização do trabalho pedagógico, sempre coletivo com sujeitos na condição de quem quer refletir a prática, criando ações motivadoras no processo de ensino aprendizado e emancipação. Tudo isso, compõe a imensa contribuição do pensamento de Paulo Freire para a construção pedagogia da luta social, que o MST se propõe e materializar na sua prática política e pedagógica”, pontua Simone.
*Editado por Fernanda Alcântara