Ações de Solidariedade
“Natal Sem Fome” do MST reafirma a Reforma Agrária no combate à fome, afirmam dirigentes
Por Solange Engelmann
Da Página do MST
Em um cenário de crises e aumento da fome no Brasil, e dando continuidade às ações de solidariedade, que somente durante a pandemia da Covid-19, desde o ano passado, já doou mais de 5 mil toneladas de alimentos e 1 milhão de marmitas em periferias urbanas e rurais do Brasil, o MST lança a campanha “Natal Sem Fome, Movimento Sem Terra Cultivando Solidariedade”, que se estende por todo país, entre o final do ano e início de 2022.
A campanha pretende distribuir alimentos para a ceia de milhares de famílias vulneráveis em todas as grandes regiões do Brasil. A ação é parte de uma frente nacional contra a fome, que conta com a participação do MST e de diversos movimentos, organizações e entidades que praticam o enfrentamento contra a fome e a insegurança alimentar.
Os alimentos que farão parte das cestas estão sendo produzidos por trabalhadores/as Sem Terra em assentamentos e acampamentos da Reforma Agrária Popular de todo país. As campanha também recebe doações em dinheiro de pessoas que querem contribuir com qualquer valor para a doação de alimentos e a realização de ceias populares.
Para entender melhor como irá funcionar a campanha e como as famílias Sem Terra estão se preparando para mais esse conjunto de ações solidariedade a partir dos territórios da Reforma Agrária do MST, leia a entrevista com o militante do Setor de Formação do MST e da direção estadual do MST no Ceará, José Ricardo, e com Ceres Hadich, assentada no Paraná e da Direção Nacional do MST. Confira:
Qual objetivo do MST com a campanha “Natal Sem Fome, Movimento Sem Terra Cultivando Solidariedade”?
José Ricardo: É a continuidade de um processo mais amplo de solidariedade, que resultou na doação de quase 5 mil toneladas de alimentos saudáveis e agroecológicos, mais de 1 milhão de marmitas e na formação de centenas de agentes populares nas frentes de atuação nas periferias em todo do Brasil, construída a partir da estratégia de classe para resistir, enfrentar e combater o vírus da Covid-19, mas também da violência, da bala, da fome e do governo genocida.
A fome é um problema estrutural do Brasil, expressão da opção do Estado brasileiro pela hegemonia do agronegócio, baseado na concentração da terra e da renda, na produção de commodities para exportação, destruição ambiental, privatização dos bens naturais, exploração da mão-de-obra e do uso intensivo de agrotóxicos, um modelo de produção que não produz alimentos, e ameaça constante à soberania alimentar. Esse modelo é ainda mais perverso quando expropria, violenta, criminaliza e assassina indígenas, camponeses, quilombolas, Sem Terra, povos das águas e das florestas, militantes e dirigentes de organizações populares.
Para milhares de brasileiros/as está sendo negado o acesso e direito de se alimentar, e retirados direitos, principalmente às políticas de transferência de renda e de estoque de alimentos, com a alta no preço dos combustíveis, do gás de cozinha e da cesta básica.
Quando levamos nossa produção de alimentos saudáveis e agroecológicos, estamos fazendo também a denúncia do projeto genocida do governo e do capital no campo, que lucra com o negócio da comida. Queremos também avançar na solidariedade de classe, dialogando e disputando o problema da fome, anunciando a importância da Reforma Agrária Popular e da soberania alimentar.
Ceres Hadich: A ação do Natal Sem Fome se insere nas ações de solidariedade que o Movimento sempre praticou permanentemente. E nesse período da pandemia veio se transformando numa prática bastante intensiva, e segue com essa determinação de realizar um natal acolhedor, que promova justiça social, que traga também um pouco de acalento àquelas famílias que hoje passam fome no país.
Em que período a campanha ocorre e como será realizadas as doações?
José Ricardo: A campanha já vem sendo cultivada e organizada em nossos assentamentos e acampamentos há alguns meses, quando semeamos algumas centenas de hectares de terra através do mutirão e em cooperação nos roçados solidários. O objetivo é que as colheitas se realizem entre os dias 10 de dezembro e 06 de janeiro, período que serão intensificas as doações em todo o país.
As doações serão principalmente de alimentos agroecológicos frescos, diversos, de qualidade e em quantidade, organizados nas cestas, retirados nos bancos de alimentos ou nas cozinhas comunitárias.
A campanha se amplia quando nos juntamos a outros parceiros em luta, realizando coleta de alimentos e arrecadação de recursos com entidades, comércios, doações voluntárias e nas organizações. Também estamos recebendo e pretendemos doar livros, roupas, mudas de frutas, plantas nativas e medicinais, mascaras e álcool em gel e remédios caseiros.
Que tipos de alimentos estão sendo produzidos e como as famílias Sem Terra estão se organizando para as doações?
Ceres: Uma das características das nossas ações de solidariedade são priorizar alimentos que a gente produz nos nossos territórios: acampamentos, assentamentos, cooperativas. Dialoga com a realidade local, com a sazonalidade, depende dos produtos que estão sendo produzidos em determinado período do ano.
Mas, sempre prezando pela diversidade, a fartura e a qualidade desses produtos. Em diferentes regiões do Brasil hoje, a gente vai poder contar com uma diversidade de legumes, uma diversidade de hortaliças. Frutas, que agora no verão começam a ter com bastante abundância nos nossos territórios e também os nossos produtos processados, como por exemplo, o leite o arroz, o feijão, fruto do trabalho das nossas cooperativas.
As campanhas de solidariedade dialogam com a realidade dos locais. Da organicidade das famílias, das possibilidades de contribuição, então, a gente nunca se organiza para doar aquilo que está sobrando, a gente se organiza para distribuir aquilo que a gente tem.
Em que locais os alimentos da campanha serão distribuídos e que público pretende atender?
José Ricardo: Faremos doações prioritariamente nas favelas, nas ocupações, nos abrigos, para a população que hoje vivem em condição de rua, em comunidades das periferias e no meio rural, atendendo principalmente quem está com fome, sem renda, emprego e teto.
O mapeamento desses locais são resultado de um trabalho que já existe através de várias organizações parceiras e do resultado do trabalho organizado durante a pandemia pela campanha Periferia Viva. Pelo MST pretendemos organizar ações nos mais de 1.200 municípios em que estamos organizados no país.
Qual a importância da campanha no combate à fome e à extrema pobreza no país?
José Ricardo: Sabemos que o problema não será resolvido com essa ação, mas para quem não tem nada e está em total desproteção e sem assistência do Estado, será uma boa ajuda. A campanha é um gesto de humanidade, uma atitude de tomada de posição na luta de classe, estamos colocando o que temos de mais importante para servir ao outro/a, levando comida saudável, farta, diversa e acessível.
Também estamos fazendo a denúncia do modelo do capital onde a fome é condição essencial, um projeto de sociedade que tem como resultado a desigualdade, miséria e barbárie. A fome não é um castigo, destino, fatalidade ou desejo de Deus, é uma produção social que em uma política de um governo genocida, se transforma numa forma intencional e política de governo, para se livrar de uma parte do povo.
Nosso mutirão de doação para o Natal Sem Fome terá início no Dia Internacional dos Direitos Humanos, 10 de dezembro, com uma forma concreta de mobilização e ação política, denúncia do modelo do capital no campo e de destruição do bens naturais comuns e de todas as injustiças, violações, negação de direitos e dos crimes do capital, governo e do Estado.
Como a campanha traz presente importância da solidariedade e a necessidade da Reforma Agrária Popular, defendida pelo MST?
José Ricardo: É uma forma de retribuir e reconhecer todo apoio que nossa luta no campo sempre tem recebido da sociedade e de suas organizações da classe trabalhadora no meio urbano.
Apresentamos nossa identidade camponesa e nosso movimento, a importância da luta pela terra, da cooperação, a organicidade, a agroecologia, Educação do Campo, entre outros. A solidariedade ativa é uma atitude, princípio, que torna expressão concreta da vida no seu ato de partilha, ajuda mutua, camaradagem e reciprocidade.
A Reforma Agrária Popular é uma possibilidade e concreta de solucionar alguns dos problemas do povo, rompendo as cercas do latifúndio e dando função social à terra, sendo guardiões dos bens comuns, e fazendo da agroecologia um modo de produção que gera vida saudável e constrói as condições de autonomia para a soberania alimentar e as bases para um projeto popular para o país.
Como as pessoas podem contribuir com a campanha de solidariedade do MST?
José Ricardo: As contribuições poderão ser feitas diretamente nas contas bancárias que estão sendo disponibilizadas, via Pix, transferência ou deposito bancário.
Dados Bancários
Caixa Econômica
AG 1231
CC 2260-1
OP 003
CNPJ 11.586.301/0001-65
Também podem ser em produtos, entregue em nossas secretarias, cooperativas, escolas, centros de formação, nas cozinhas comunitárias, nos bancos de alimentos, nos assentamentos, acampamentos e também nas sedes de organizações sindicais, associações comunitárias e igrejas que se somam juntos nessa campanha.
Como tem sido a recepção às doações do MST nas ações de solidariedade durante a pandemia?
Ceres: Quando a gente chega nas comunidades é sempre um momento de grande emoção e de tristeza, em saber que infelizmente há muita gente hoje desalentada, desamparada, passando fome. São homens, mulheres, crianças, idosos, pessoas, famílias inteiras que não tem o que botar na mesa na próxima refeição. Então, essa é uma emoção muito forte, que nos coloca numa condição de responsabilidade, saber que aquilo que a gente está fazendo é importante para garantir o mínimo de dignidade, pelo menos naquele período àquelas famílias, que a gente está se relacionando durante a doação.
Mas, também é um sentimento de fraternidade, afetividade, um reconhecimento no trabalho do MST em manter o esforço de garantir a permanência das ações, e um reconhecimento por parte das famílias, das lideranças das comunidades e há um sentimento mútuo de gratidão. Temos conseguido estabelecer canais de diálogo, de construção, de outras ações de cooperação e de trabalho com essas comunidades, a partir das nossas ações de solidariedade.
Qual a expectativa do MST em relação à recepção da população que necessita desses alimentos e o impacto da campanha na sociedade?
Ceres: A expectativa é que a gente possa garantir mais uma vez, cestas diversificadas, com qualidade e bastante fartura para maioria das famílias. A gente espera continuar fazendo a nossa parte, contribuindo para enfrentar esse momento tão duro pelo qual passamos, que pra além de uma pandemia temos uma crise estrutural profunda do sistema capitalista, com consequências em todas as dimensões da nossa vida. E no Brasil ainda vivenciamos as mazelas desse governo genocida, neofascista e antipopular, que é o Governo Bolsonaro.
Seguir com as ações de solidariedade é seguir em resistência, apostando de que é possível ter esperança, de que é possível acreditar em um mundo melhor. E nada melhor do que um momento do fim do ano, do natal, pra refletir sobre isso. Seguir com as ações de solidariedade nos indica que é possível continuar acreditando, que a Reforma Agrária Popular é o caminho para produzir alimentos saudáveis, é o caminho para construir pontes com a classe trabalhadora do campo e da cidade, e é o caminho pra gente construir um mundo melhor.
José Ricardo: Para nossas famílias acampadas e assentadas está sendo uma missão honrosa, um ato gratificante, de formação da consciência, místico e de intensa cooperação e solidariedade. O MST já é conhecido em muitos lugares onde pretendemos fazer as doações e a recepção sempre é muito afetuosa, carregada de emoções, respeito e troca de saberes.
Mais do que levar uma cesta, uma marmita ou outra lembrança, queremos trocar experiências, dialogar, esperançar, anunciar a Reforma Agrária Popular, levar motivação para se organizar e apontar a luta como caminho para resolver nossos problemas. Esperamos ampliar laços, organizar o trabalho de base e ampliar alianças com a classe trabalhadora e suas organizações. Em alguns locais estamos organizando ceias com comunidades e povo em situação de rua no dia de Natal, queremos nessa ação de classe, levar alimentos para o corpo, a mente, o espirito e o coração.
*Editado por Fernanda Alcântara