Luta Indígena
O MST está na trincheira da luta pela demarcação das Terras Indígenas
Por Janelson Ferreira
Da Página do MST
O Mato Grosso do Sul é o segundo estado com maior população indígena do país. É também o segundo colocado no que diz respeito à concentração de terras, segundo levantamento realizado pelo Instituto Socioambiental, com autoria de Anderson de Souza Santos, Luiz Henrique Eloy Amado e Dan Pasca. No entanto, em um índice o estado é o campeão: conflitos envolvendo áreas indígenas.
De acordo com análise de dados georreferenciados, enquanto as áreas privadas ocupam 92% do estado, as terras indígenas estão em apenas 2,5% do MS. Já outro estudo, do Conselho Indigenista Missionário – CIMI -, afirma que o Mato Grosso do Sul concentrou 39% dos 1.367 assassinatos de lideranças indígenas ocorridos no Brasil, entre 2003 e 2019. Só em 2019, o estado registrou 10 mortes, o maior número entre as 35 observadas nacionalmente.
É neste contexto, de constante ameaça e violação de direitos, que o Movimento Sem Terra se mantém, desde sua criação, em aliança estratégica com os diversos povos indígenas que estão no MS. “Só resistiremos com força se estivermos unidos”, afirma Atiliana Brunetto, da direção nacional do MST e militante Sem Terra no Mato Grosso do Sul. Em entrevista, ela aponta como se tem construído esta articulação entre os povos indígenas e as famílias Sem Terra no MS.
Confira a entrevista completa:
O Mato Grosso do Sul é um dos estados com maior população indígena do Brasil e também foi e é palco de importantes lutas do MST. Como se desenvolveu, historicamente, a luta conjunta de povos indígenas e Sem Terra no MS? Por que é importante esta luta unitária?
Com o avanço do capital no campo sob a forma do agronegócio, a partir dos anos 2000, trazendo mudanças importante no modo da agricultura agir e se estruturar, as empresas internacionais passaram a controlar a produção e o mercado agrícola (insumos, agrotóxicos…), e se instalaram fortemente, sem considerar os povos, a natureza, as comunidades. Isto acirra os conflitos por terra, inclusive em sua dimensão social.
O MST, em seus 37 anos, tem respeitado a luta ancestral que os povos indígenas fazem na defesa de seus territórios. Em 2014, através de seu Programa Agrário, se colocou na trincheira da luta pela demarcação das Terras Indígenas. Deste modo, em todas as pautas de luta mantém a reivindicação dos direitos indígenas por seus territórios, reconhecendo a importância para sobrevivência não só das comunidades indígenas, mas para a defesa dos bens naturais .
No MS, a Luta pela Terra não pode seguir sem que reconheçamos esses antecessores da defesa da terra, a terra mãe que nos dá a vida. Apesar do MST ainda não aprofundar essa aliança, no sentido de intencionalizar objetivos mais coletivos, vamos construindo espaços para fazer a luta, nos reconhecendo como força política e de luta pela democratização da terra, pela Natureza, pelos povos do campo e das florestas.
Enquanto MST, aprendemos que não construiremos uma sociedade de iguais apenas na nossa trincheira, mas na unidade daqueles que são explorados/as, oprimidos/as por esse sistema de destruição, de morte… Só resistiremos com força se estivermos unidos – campo, floresta, cidade – na certeza do que queremos , neste caso, viver com direitos, com dignidade!
Poderia nos citar exemplos de lutas unitárias?
No MS , participamos das atividades que os camaradas indígenas nos convocam, como as Assembleias dos Povos, atividades de formação, bem como de lutas que realizam, como nas retomadas de territórios, nas denúncias de violações de direitos. E o MST no MS teve a oportunidade de ter os camaradas indígenas inseridos em diversas marchas que realizamos (como em 2013 e 2015) e outros espaços de formação que estamos construindo coletivamente.
Durante a pandemia nos encontramos para nos conhecer, realizamos atividades virtuais de formação, onde podemos aprender sobre a vida, a cultura, os desafios enquanto defensores e defensoras do bem viver , de um mundo melhor para a população. Espaços que nos provocaram para o debate e refletir sobre o papel da Soberania Alimentar na nossa autonomia de luta.
Muitos dos latifundiários que tomam as terras dos povos indígenas, também mantém suas propriedades improdutivas no MS. Em termos gerais, como se organiza, atualmente, o agronegócio no estado e quais as principais práticas violentas que eles realizam sobre indígenas e Sem Terra?
A Região Centro-Oeste é o berço mais atrativo para o agronegócio e seus aliados, pelas fartas terras férteis e água potável , sem falar do espaço que se refere à mineração. O MS está nesta região, e nós temos uma das maiores fontes de água potável do mundo, o Aquífero Guarani, em terras que são, historicamente, cuidadas pelos povos indígenas. Além destas, outras tantas vão se renovando nas mãos de assentados e assentadas da Reforma Agrária.
O agronegócio tem encontrado apoio no governo estadual, que segue a cartilha do governo federal, facilitando sua territorialização no estado, através de políticas públicas, incentivos fiscais… Hoje temos um avanço do plantio de milho, celulose e soja. Segundo dados da Aprosoja/MS, no ano de 2019/2020 o MS passou a barreira de 3 milhões de hectares plantados de soja.
O que isso significa na existência das comunidades seja indígenas, quilombolas ou de assentamentos? As aldeias recebem chuva de veneno, as pessoas estão adoecendo; os conflitos por terras aumentam, causando perdas e perseguições às lideranças. Nos assentamentos estão desconstruindo as propostas da agroecologia, da importante prática do plantio que respeite a natureza…
Mas também estão nos espaços das escolas, com autorização deste governo de morte. Esta semana ficamos sabendo que uma professora foi coagida em sala de aula, no município de Bonito, por falar dos malefícios do monocultivo, forma de produção empregada pelo grande capital.
Dada a situação política, econômica e social que o país e o estado de MS enfrentam, quais são os principais desafios atuais à esta luta conjunta?
Primeiro, neste momento, que todas as lutadoras e todos os lutadores se vacinem. Isso é muito importante para a luta prosseguir. Depois, precisamos garantir uma articulação entre indígenas e Sem Terra que trace o organizar, formar e lutar. Para isto, é necessário a construção de espaços de formação que nos proporcione intercâmbios de sabedorias, permitindo, inclusive, refletir sobre o papel da Soberania Alimentar para os nossos processos de emancipação.
Parte deste processo de aprofundamento da aliança entre indígenas e Sem Terra passa pelo fortalecimento da Via Campesina, como um instrumento importante para a luta das/dos pobres do mundo.
Como a solidariedade contribui para o avanço desta luta unitária?
A Solidariedade tem nos feito aproximar, estreitar os laços, firmando uma confiança necessária para a unidade. Nos faz ir aos territórios, conhecer e receber a permissão para dialogar e tornar-nos parceiros/as . Aprendemos que não é só levar a muda e as sementes, mas interagir na coletividade com permissão da Mãe Terra.
*Editado por Fernanda Alcântara