Solidariedade Sem Terra
Mutirões do MST colhem feijão agroecológico para “Marmitas da Terra” no PR
Por Leonardo Henrique, MST-PR
Da Página do MST
O feijão é o primeiro alimento servido em cada Marmita da Terra. Depois vêm o arroz, verduras e legumes e a carne, até a refeição chegar às mãos das pessoas que mais precisam em Curitiba e Região Metropolitana. A ação solidária só é possível com muito trabalho coletivo; em dois sábados de fevereiro, dias 5 e 12, cerca de 80 voluntários colheram 1.400 quilos de feijão agroecológico no assentamento Contestado, na Lapa (PR).
“São duas variedades de feijão que plantamos na saída de outubro de 2021. Muito gratificante a produção dele. É o sentido de vir, somar e depois fazer a partilha”, afirmou Enivaldo da Silva Pena, camponês morador do Contestado.
A união entre campo e cidade marcou os mutirões. Integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e trabalhadores/estudantes urbanos partilharam experiências e saberes. Em mística ao fim da atividade, participantes entregaram saquinhos de feijão entre si dizendo palavras de luta e alegria.
“É a dinâmica da troca de conhecimentos; chega alguém que não sabe o plantio e a colheita, vem aqui e aprende, e acontece esse diálogo”, disse Gisele David, da juventude do MST, sobre o processo do trabalho na terra. “O plantio foi feito junto com a cooperativa Terra Livre, aqui do Assentamento. Entraram com o maquinário, pessoas que limparam o terreno, e agora estamos fazendo a colheita. A gente vem todo sábado para fazer o manejo da produção em uma parceria com a Escola Latino Americana de Agroecologia (ELAA), também do Contestado”.
A ação faz parte da campanha nacional do MST de solidariedade a quem enfrenta a fome na pandemia. Por todo o estado, as comunidades do Movimento doaram mais de 880 toneladas de alimentos.
Os acampamentos Maria Rosa do Contestado e Padre Roque Zimmermann, de Castro, e Reduto de Caraguatá, em Paula Freitas, também cultivaram lavouras coletivas de feijão para uso da comunidade e para destinar a doações.
Trabalho coletivo na colheita do feijão agroecológico. Fotos: Valmir Fernandes
União para combater a fome
De acordo com o Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, organizado pela Rede PENSSAN, mais de 116,8 milhões de brasileiros estão em situação de insegurança alimentar. Significa que a população não tem acesso à alimentação por diversos motivos, como falta de renda.
Os dados são de abril de 2021, momento em que o país havia voltado ao mapa da fome – e segue até hoje. O alto índice de desemprego – 13,5 milhões de pessoas, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) – e a falta de políticas públicas de cuidado com a pandemia são fatores decisivos na crise que passa o país.
A produção de comida saudável se faz essencial na luta pela dignidade humana; não apenas com alimentação, mas também moradia, saúde e a garantia de direitos. Maria Natividade de Lima, do Setor de Saúde do MST e moradora do Contestado, contou os benefícios do feijão.
“É um feijão de boa qualidade sem agrotóxico, sem nada de produtos químicos. É uma produção saudável, o feijão contém muito ferro. A saúde entra pela boca através da boa alimentação dentro do projeto da agroecologia, que é o mutirão, a coletividade, a solidariedade”, declarou.
Fotos: Juliana Barbosa
O feijão é a base das refeições no Brasil. “Está aqui o feijão preto. Se algo que singulariza a maneira de se alimentar do brasileiro é o gosto pelo feijão preto. Esse feijão preto simboliza a agricultura do Brasil”, declarou o advogado Wilson Ramos Filho, voluntário no mutirão.
“Não tem nada mais obsceno na contemporaneidade o país que mais produz alimento estar no mapa da fome. As políticas públicas voltadas ao agronegócio para enriquecer as oligarquias de sempre contrastam com as necessidades mais primárias da população, que é o direito a poder se alimentar. O trabalho feito nesse assentamento e em todos os outros é fundamental”, completou.
Etapas da colheita do feijão: juntar em “montinhos”, colocar na máquina e partilhar o alimento saudável.
Marmitas da Terra aproxima trabalhadores da cidade ao campo
As Marmitas da Terra surgiram no início da pandemia de Covid-19, em Curitiba. Professores, estudantes, integrantes de sindicatos, trabalhadores da cidade, junto com integrantes do MST formam a equipe. As atividades sempre se encerram com almoço coletivo e seguem os protocolos de cuidado com a pandemia: vacina em dia, uso de máscara e álcool gel.
Todos os sábados, a equipe sai cedo para trabalhar na roça do Assentamento Contestado, na Lapa, e aprender o processo agroecológico de produção de alimentos. Batata, mandioca, abobrinha, salsinha, cebolinha, tomate, escarola, couve, beterraba são alguns deles. Às quartas-feiras, usando toucas de cabelo e luvas, 1.100 marmitas são montadas e distribuídas com o resultado dos plantios e colheitas. Parte dos produtos serve cozinhas comunitárias pela capital paranaense.
A administradora Ana Paula Rodrigues, 37 anos, esteve pela primeira vez nos mutirões solidários. Segundo a voluntária, é enriquecedor entender como a plantação funciona. “Eu não tenho nenhuma experiência de envolvimento com a terra; agora tenho a possibilidade de fazer esse processo até chegar à mesa da gente”, disse. Além da colheita de feijão, também foram plantadas mudas de escarola, repolho e espinafre.
Pessoas em situação de rua e trabalhadores urbanos recebem as marmitas em praças centrais de Curitiba e comunidades da cidade e da Região Metropolitana. Muitas dessas áreas são de ocupação; a luta pela democratização da terra, para que o camponês tenha seu espaço de trabalho, se alia à luta pela moradia, que busca um local digno para a população morar.
Em janeiro de 2021, mais de 4 toneladas de feijão agroecológico foram colhidas nas lavouras coletivas do Contestado.
*Editado por Fernanda Alcântara