Queremos Justiça!
Deriva de pulverização com agrotóxico em plantio orgânico de assentamento no RS completa 1 ano
Linha do Tempo
Por Comunicação do MST no Rio Grande do Sul
Da Página do MST
“Quando tu mexes com o agronegócio, tu mexes com algo que comanda a sociedade e o espaço local. Eles têm um poder enorme, político, de relações partidárias, de controle da prefeitura, da imprensa, de órgãos governamentais. Eles têm dinheiro, também. Tudo que se pode imaginar se move contra a gente. “- morador do assentamento Santa Rita de Cássia II
“Fazer agroecologia, fazer produção orgânica é uma luta permanente. Esta luta é contra o modelo que nega esta condição. Mais cedo ou mais tarde, entra o agronegócio, empresas transnacionais para destruir o que conquistamos, essa articulação que tem como objetivo concentrar e centralizar a riqueza. Nosso objetivo é o contrário, é de descentralizar e de acabar a concentração de renda.” – MST
Entre os dias 10 e 12 de novembro de 2020, os moradores do assentamento Santa Rita de Cássia II, localizado na cidade de Nova Santa Rita, no Rio Grande do Sul, foram atingidos por avião pulverizador que despejou agrotóxicos em lavouras vizinhas de arroz, afetando hortas, pomares de árvores frutíferas, vegetação nativa e açudes das casas dos produtores agroecológicos. Na época, algumas pessoas se queixaram de enjoo e dor de cabeça, sintomas relacionados à intoxicação. Esse foi o primeiro ataque enfrentado pelas famílias naquele mês, mas não o último.
Considerada prática ilegal, agora pela Justiça Federal, o despejo dessas substâncias tóxicas no Assentamento inviabiliza a produção orgânica dos pequenos agricultores e, consequentemente, afeta o sustento econômico das famílias, além de provocar danos ao solo, ao meio ambiente, animais e à saúde dos moradores. Esse acontecimento foi chamado de “Deriva”. Há denúncias de episódios semelhantes desde 2017. As primeiras decisões contra as pulverizações aéreas no território de Nova Santa Rita, no entanto, datam de 2021.
O assentamento tem cerca de 1.667 hectares de solo, ocupado por mais de 100 famílias, o que totaliza cerca de 2 mil pessoas. Situado em um município que comercializa e faz fronteira com produtores de arroz convencional, o Assentamento produz cerca de 400 hectares de arroz orgânico por mês, de acordo com comunicado emitido pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). A presença dos assentados da Reforma Agrária, produzindo em pequenas e médias áreas de terra e sem o uso de agrotóxico, confronta diretamente com o agronegócio presente na região, que ocupa cargos na prefeitura da cidade, controla a maioria dos veículos de comunicação local e, assim, têm vínculo estreito com as esferas de poder. Portanto, o lógico – para o agronegócio – é que destrua tudo que é produzido pelos moradores do Assentamento Santa Rita de Cássia II. No laudo produzido pelas famílias assentadas, só na primeira deriva estima-se que as perdas sejam de R$1 milhão.
No episódio ocorrido no final de 2020, os prejuízos nos plantios orgânicos foram verificados logo após a passagem do avião, como folhas queimadas e variedades que morreram por completo. Um laudo técnico da EMATER emitido em 18 de Novembro confirmou visualmente a contaminação por agrotóxicos.
Depois da deriva, várias famílias procuraram atendimento médico, pois estavam com sintomas de enjôo, dor de cabeça, febre e náuseas. Os agrotóxicos usados em Nova Santa Rita foram Loyant, Bifentrina e 2,4-D, glufosinato. De acordo com a Fiocruz, esses venenos podem causar câncer e outras formas de mutação nas moléculas. Aviões pulverizadores não podem, por lei, colocar seus produtos na população desta forma. Vale ressaltar que utilizar agentes biológicos nocivos é o princípio de uma arma química, como as utilizadas no Vietnã pelos Estados Unidos com o objetivo de desfolhar a mata, para que a população e os militares não pudessem se esconder nas florestas. A crueldade do agronegócio, realmente, não tem limites.
Foram realizados diversos movimentos para que se coletassem amostras do solo e da água para posterior denúncia ao Ministério Público e demais órgãos competentes. De acordo com os assentados, quando levaram as amostras a técnicos não vinculados ao governo municipal, estes disseram que os agrotóxicos despejados eram do tipo hormonal e poderiam causar contaminação de moderada a severa. Vale lembrar que, depois das amostras, os produtos do Assentamento que eram produzidos de forma agroecológica correm o risco de perder a sua certificação de orgânico, o que leva a uma série de problemas, sendo o primeiro e imediato a impossibilidade de comercializá-los. Desta forma, o agronegócio cumpre seu papel de destruição quando coloca um veneno que mata tanto o sistema imunológico das pessoas quanto a sua possibilidade de geração de renda.
No dia 17 de março de 2021, ocorreu um atentado criminoso com despejo aéreo de substâncias químicas. Da mesma forma que a deriva de novembro de 2020, provocou sintomas de dor de cabeça, ardência nos olhos e enjoo. Também, os galhos das árvores ficaram retorcidos. Uma das pessoas entrevistadas narra que, durante o momento deste ato criminoso, seus filhos estavam brincando no pátio quando passou um avião. No instante de pegar todos e levá-los para dentro de casa, o agrotóxico pulverizou o terreno da casa, destruindo posteriormente hortas, outras plantações e trazendo sérias consequências no modo de viver e de geração de renda dos assentados. Sentiram um forte odor, ardência nos olhos e a queda de alguma substância na pele – agrotóxico – que levou à irritação da derme. Seus exames, seis meses depois, apontam substâncias malignas presentes no fígado. Não há compensação por danos individuais causados por este atentado.
Com relação ao episódio ocorrido entre os dias 8 a 12 de novembro de 2020, a Cooperativa Central Dos Assentamentos do Rio Grande do Sul, (COCEARGS) oficiou o Ministério e solicitou a coleta de amostras. Estas foram analisadas pelo Instituto de Tecnologia de Pernambuco, laboratório credenciado pelo MAPA, com resultado negativo para o aparecimento dos princípios ativos (agrotóxicos) analisados.
Com a intenção de qualificar os processos jurídicos, e em acordo com o Setor de Direitos Humanos do MST, a COCEARGS formalizou para as secretarias de Agricultura e Meio Ambiente a solicitação de todos os documentos referentes aos três comunicados de voos ocorridos até o momento. A documentação foi entregue e está sendo analisada pelo jurídico no sentido de ver se pode ser usada em uma nova denúncia, ou se ainda tem questões que não foram respondidas pela prefeitura, mas que poderiam ser questionadas, inclusive com solicitação de novas informações e, se necessário, com mandado de segurança.
No dia 30 de novembro passado, ocorreu uma tentativa de intimidação por parte do agronegócio. Começando às 6h da manhã, aviões agrícolas sobrevoaram as lavouras de arroz, pousaram próximo delas e decolaram em seguida, por repetidas vezes. Também, moradores ouviam foguetes e estouros toda vez que os aviões decolavam. Um assentado, não identificado por razões de segurança, contou ter visto os aviões largarem agrotóxicos nas áreas de arroz que fazem divisa com o assentamento. Com o vento, é praticamente certo que essa nova leva de agrotóxicos chegou no Assentamento iniciando uma nova deriva. Esse ciclo venenoso promovido pelo agronegócio prega a morte de quem obstrui o caminho do lucro.
Certificação Orgânica foi conquista da sociedade civil em termos de cumprimento de direitos dos agricultores e do consumidor para a produção agroecológica
A certificação orgânica é uma conquista da sociedade civil, em especial dos Movimentos Sociais e Entidades Ambientalistas que lutam pela agroecologia. A luta por uma legislação para a certificação da produção orgânica é uma reivindicação histórica e compõe a pauta de direitos dos agricultores e consumidores, que se materializou com a lei promulgada em 2003. Por meio do sistema de certificação de terceira parte (auditoria), ou do Sistema Participativo de Garantia – SPG, o processo de certificação da produção orgânica em acordo com o que preconiza a Lei dos Orgânicos – Lei dos Orgânicos (Lei 10.831/2003), é uma garantia ao consumidor final que a produção foi gerada considerando os manejos técnicos e os sistemas de garantia da produção orgânica previstos na legislação.
Dessa forma, o Ministério da Agricultura, como responsável pelo credenciamento das certificadoras, é responsável por zelar pelo bom andamento dos processos de garantia da produção orgânica, na medida em que valida os processos ao autorizar a comercialização dos produtos certificados. O que é evidenciado no episódio da deriva de agrotóxicos provocada pela aviação agrícola, torna a produção orgânica altamente vulnerável pelo uso de um método de pulverização que não respeita barreiras de contenção dada à capacidade de alcance dos princípios ativos por meio da deriva. Ainda que as famílias certificadas adotem todos os procedimentos técnicos previstos no Manual de Procedimentos para Garantia da Produção Orgânica, o risco de contaminação de veneno nas produções pelo uso da aviação agrícola é incontrolável.
A situação é mais alarmante ainda ao perceber que a contaminação da produção provocada pela deriva no mês de novembro de 2020 levou o Ministério da Agricultura, Setor dos Orgânicos, a cancelar a comercialização por um período de 2 meses, como orgânico, daquelas espécies em que se evidenciou a fitotoxidez por agrotóxicos. Essa condição trouxe enormes prejuízos econômicos como demonstrado no laudo técnico elaborado pela EMATER, mas também prejuízos ambientais, psicossociais e de saúde que estão sendo incomensuráveis por meio do apoio do professor Antonio Liborio Philomena, da Universidade Federal do Rio Grande (FURG).
O agronegócio, ao destruir as hortas, lavouras, estufas, deixando-as impróprias para serem comercializadas como orgânicas, além de provocar perdas materiais, afeta a subjetividade das famílias assentadas, colocando em risco o processo de garantia da produção orgânica e a luta histórica dos Movimentos Sociais, das famílias e das entidades defensoras da produção orgânica pelo direito a uma legislação que garanta a certificação da produção orgânica e a soberania das famílias na produção de alimentos agroecológicos e a um ambiente saudável.
Agronegócio passa por cima da Justiça e se beneficia da omissão dos governos e da fragilidade legal de um município de menos de 30 anos para avançar sobre as áreas de produção orgânica em Nova Santa Rita (RS)
A cidade de Nova Santa Rita, distante quase 27km da Capital do estado, Porto Alegre, é conhecida como a Capital da produção Orgânica no RS e possui 4 assentamentos onde dezenas de famílias de produtores agroecológicos estão sofrendo com o uso de venenos aplicado por avião em fazendas vizinhas. A situação vivenciada pelo Assentamento Santa Rita de Cássia II e Itapuí, infelizmente, é mais um entre tantos outros já registrados no município e no estado inteiro. Isso expõe a omissão dos governos e a ineficácia dos órgãos de fiscalização frente ao poder econômico do agronegócio na região, que não respeita sequer a Justiça e suas decisões.
Os produtores de arroz, como prática, seguem desrespeitando as regras, em ações que beiram a chacota. As últimas derivas, inclusive, ocorreram após a decisão da 9ª Vara Federal de Porto Alegre, que proibiu a pulverização aérea de agrotóxicos no território do Assentamento Santa Rita de Cássia II após a primeira deriva. Os moradores relatam o descaso das autoridades responsáveis em relação à fiscalização da pulverização, que está expressamente proibida e regulamentada por lei municipal, a qual fala que não é possível pulverizar em locais próximos ao assentamento. A lei também é descumprida pelos arrozeiros, que até o momento não foram punidos ou penalizados.
As famílias dos assentamentos de Nova Santa Rita, organizações ambientalistas, como a Amigos da Terra Brasil, entidades de produção agroecológica e outras mais denunciam essas práticas ilegais, denunciam que o agronegócio não é pop, mas sim, uma política de morte, que se utiliza de métodos de guerra para atingir quem está no seu caminho. É inaceitável que armas químicas sejam utilizadas. É inaceitável que o lucro esteja acima da vida!
Basta de impunidade! Que se garanta os direitos à vida, a proteção dos territórios, das águas, das áreas de reserva ambiental! As famílias querem justiça e que a lei seja cumprida, garantindo o DIREITO dos produtores orgânicos produzirem alimentos saudáveis para a população!
*Editado por Fernanda Alcântara