Denúncia

Câmara aprova urgência do PL 191 que visa destruir o meio ambiente e os territórios indígenas

Em dia marcado por manifestações de indígenas, artistas e parlamentares, Câmara aprovou urgência do PL 191/2020, que libera mineração em terras indígenas
Na manhã desta quarta (9), povos indígenas da Bahia marcharam pela Esplanada dos Ministérios, em protesto contra o PL 191/2020 e projetos anti-indígenas do governo e do Congresso. Foto: Tiago Miotto/Cimi

Do CIMI

Ato pela Terra, reuniões com parlamentares, marcha indígena e mobilizações em órgãos públicos agitaram esta quarta-feira (9) em Brasília. Apesar das mobilizações para barrar o Projeto de Lei (PL) 191/2020, a Câmara dos Deputados aprovou, já durante a noite, o requerimento de urgência para a tramitação do projeto que libera mineração e outras atividades, como agronegócio e grandes obras de infraestrutura, nas terras indígenas de todo o país, colocando em risco a vida dos povos originários e promovendo a devastação ambiental.

O requerimento do líder do governo, deputado Ricardo Barros (PP-PR), foi levado à votação pelo presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), e aprovado por 279 votos a 180. Lira garantiu o compromisso firmado com líderes da oposição de que o PL só será levado ao plenário em abril e de que será formado um Grupo de Trabalho (GT) para analisá-lo, formado por 20 deputados – 13 da maioria e sete da minoria.

Dia de mobilização

A delegação de cerca de 150 indígenas de diversos povos da Bahia presentes em Brasília seguiu mobilizada nesta quarta (9), pressionando por várias frentes e somando forças com parlamentares aliados, artistas, integrantes de coletivos e com a sociedade civil.

Os protestos começaram cedo na capital federal, quando os cerca de 150 indígenas de diversos povos da Bahia realizaram uma caminhada pela Esplanada dos Ministérios e seguiram até à Câmara dos Deputados, onde realizaram um ato contra a agenda de retrocessos em seus direitos.

O PL voltou a ser aventado após declarações falaciosas do presidente Bolsonaro de que a guerra na Ucrânia poderia ameaçar a agricultura no país, uma vez que a Rússia é uma das principais fornecedoras de fertilizantes para o Brasil.

As lideranças indígenas também foram recebidas por parlamentares e expressaram sua posição contrária às propostas legislativas que atacam seus direitos. A primeira reunião aconteceu na liderança do PCdoB, quando os indígenas foram recebidos pelas deputadas Alice Portugal (PCdoB-BA), Jandira Feghali (PCdoB/RJ) e Perpétua Almeida (PCdoB/AC) e solicitaram apoio na luta contra o Projeto de Lei (PL) 191/2020. As parlamentares da bancada reafirmaram o compromisso contra a proposta e deram total apoio na defesa dos direitos dos povos originários às suas terras.

“Esse projeto de lei é maléfico aos povos indígenas brasileiros, [causando] desde a contaminação das nossas águas, dos nossos solos, até a devastação das nossas florestas e a invasão dos territórios indígenas tradicionais, território sagrado. Os povos indígenas da Bahia vêm manifestar a posição contrária ao PL 191, que autoriza mineração em terra indígena e é inconstitucional. A Constituição garante o direito territorial das nossas tradições, da nossa vivência harmônica com o meio ambiente e o PL ele vem justamente trazer a invasão dos nossos territórios”, afirmou o cacique Aruã Pataxó, da aldeia Coroa Vermelha, na Bahia.

Para a deputada Alice Portugal (PCdoB-BA), é preciso impedir o avanço da proposta e defender a autonomia dos povos indígenas sobre suas terras, garantindo as demarcações e homologações que estão travadas.

“Não é possível realizar mineração em terra indígena e isso está sendo intuído através dos interesses internacionais de grandes empresas que, infelizmente, atuam no sentido de retirar os povos das suas terras originárias e isso pra nós é intolerável. Estamos stamos completamente alinhados e solidários nessa batalha”, destacou a parlamentar.

“Onde o garimpo chega tem fome, prostituição e miséria. Só quem enriquece são os grandes empresários. É uma tragédia na vida dos povos indígenas. Por isso, reforçamos a luta contra esse projeto”, pontuou a deputada Perpétua Almeida (PCdoB-AC) durante o encontro.

Para a deputada Jandira Feghali (PCdoB/RJ), o conceito de demarcação não é um só um conceito territorial, mas um conceito amplo, que leva em consideração outros aspectos como a cultura e a religião. Na ocasião, a parlamentar destacou a ganância de outros setores vem na contramão do direito originário, da questão da água, da terra e do equilíbrio ambiental da biodiversidade.

“Temos uma luta histórica na questão indígena e essa é uma batalha que para nós é muito cara, com uma ligação política e ideológica muito forte. O PL 191, nessa conjuntura do Bolsonaro, vem para passar a boiada mesmo. Desde a Constituinte, temos nos posicionado com muita clareza a favor dos povos indígenas, e com o PL 191 não será diferente, nós vamos nos posicionar com muita clareza contra sua aprovação”, frisou.

Pela manhã, a parlamentar destacou para os indígenas que a oposição estava trabalhando para garantir a formação do GT, anunciado à noite por Lira. “Aprovada a urgência, não temos controle sobre a pauta. Mas com o GT conseguimos propor debate e apresentar uma solução. Acredito que a criação desse GT pode nos ajudar a intensificar o debate, para que a gente consiga rejeitar esse projeto”, analisou Feghali.

Manifesto

Os deputados e senadores da Frente Parlamentar em Defesa dos Povos Indígenas também divulgaram, nesta quarta, uma carta-manifesto endereçada ao presidente da Câmara, pedindo que o PL 191 não fosse pautado.

“Nenhum depósito de potássio localizado na Amazônia está dentro de terras indígenas já homologadas e apenas 11% têm alguma interferência com terras em processo de demarcação. Ou seja, uma quantidade irrisória de reservas de potássio está em territórios indígenas”, ressaltam os parlamentares da Frente.

O PL 191 “ataca diretamente os direitos dos povos indígenas e a proteção da Amazônia brasileira. Esta legislatura não pode ficar registrada na história como a incentivadora da destruição dos povos e das terras indígenas”, descreve o texto.

A Frente Parlamentar aliada aos povos indígenas aponta ainda que um estudo da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) mostra que dois terços das reservas nacionais de potássio, principal insumo para a produção de fertilizantes, estão fora da Amazônia Legal, bioma que concentra 98% das terras indígenas homologadas no país.

“Segundo a pesquisa, as jazidas já disponíveis e situadas fora de territórios indígenas poderiam suprir a demanda atual de potássio por mais de 80 anos – o que acaba com a justificativa do governo federal para avançar sobre a liberação de mineração nesses territórios”, diz a nota.

Liderança da Minoria na Câmara manifesta apoio aos povos indígenas

A liderança da Minoria na Câmara também recebeu a delegação dos indígenas da Bahia ainda na manhã desta quarta. Na ocasião, os deputados Alencar Santana (PT-SP), Nilto Tatto (PT-SP), Elvino Bohn Gass (PT-RS), Airton Faleiro (PT/PA), Talíria Petrone (PSOL-RJ), Alice Portugal (PCdoB-BA) e Jandira Feghali (PCdoB/RJ) externaram sua posição contrária aos projetos de morte do governo federal e favoráveis às pautas indígenas.

Na ocasião, o secretário executivo do Conselho indigenista Missionário (Cimi), Antônio Eduardo de Oliveira, destacou que mesmo colocando as vidas em risco, no contexto ainda perigoso da pandemia, a delegação da Bahia veio à Brasília para lutar contra os intensos ataques contra seus direitos fundamentais, assegurados pela Constituição Federal de 1988.

“Os povos vieram para lutar por suas demandas locais, mas também para lutar contra os projetos nefastos, projetos de morte, que tenta vitimar todos os povos indígenas do Brasil, o PL 191 e o PL 490. A mobilização também se estende ao Supremo Tribunal Federal para que o marco temporal não prevaleça no julgamento do recurso extraordinário”, frisou.

O representante do Cimi pediu ainda uma atenção especial no combate às ações da nova direção da Fundação Nacional do Índio (Funai) que vem, “de uma forma extremamente violenta, atacando os indígenas e adotado uma série de medidas nocivas aos direitos dos povos originários”.

Agnaldo Francisco, liderança Pataxó Hã-Hã-Hãe e coordenador geral do Movimento Unido dos Povos e Organização Indígenas da Bahia (Mupoiba), ressaltou que o parlamente brasileiro, em sua maioria, defende o genocídio dos povos indígenas. “Estamos aqui para denunciar, mas também para fortalecer os guerreiros que defendem a vida dentro do parlamento”, relatou.

Também participou do encontro a indígena Txai Suruí, Fundadora do Movimento da Juventude Indígena do estado Rondônia e ativista indígena brasileira que durante a COP-26, cúpula que aconteceu em Glasgow, na Escócia, disse que os líderes globais “fecharam os olhos” para a mudança climática.

Na oportunidade, Txai destacou que o governo Bolsonaro tentará a todo custo aprovar os projetos de morte antes das eleições desse ano. Ela frisou que “a estratégia parece ser deixar o máximo de destruição possível nesse ano. Os inúmeros PLs propostos de ataque às nossas vidas estão passando. Justamente no lugar que deveria ser de defesa dos nossos direitos”, afirmou.

Alencar Santana (PT-SP), da Liderança da Minoria, destacou que a Câmara deve estar sempre aberta para promover o devido respeito aos povos. “Representamos aqui a voz de uma maioria que está sendo mal tratada e desprezada por esse governo, em uma política de morte, de exclusão e de destruição”, ressaltou.

Ministério não recebe indígenas

Na parte da tarde, os cerca de 150 indígenas de oito povos da Bahia realizaram manifestações em frente ao Ministério da Justiça e ao Ministério do Meio Ambiente (MMA), onde reivindicam uma audiência com o ministro Joaquim Leite. Além de manifestar sua posição contrária às proposições anti-indigenas que tramitam no Congresso e são apoiadas pelo governo, os indígenas buscam discutir projetos de sustentabilidade ambiental em territórios indígenas do estado, especialmente nas áreas sobrepostas por unidades de conservação.

Depois de os indígenas ocuparem o hall de entrada do prédio do MMA, representantes do ministério assumiram o compromisso de receber a delegação nesta quinta (10), às 15h.

Ato Pela Terra

Durante a tarde e a noite, a capital federal também foi marcada pelo Ato Pela Terra, convocado pelo cantor e compositor Caetano Veloso com o intuito de denunciar o chamado “Pacote da Destruição”, que inclui, além da proposta de liberar a mineração em terras indígenas, projetos que tramitam no Congresso e buscam flexibilizar as regras de licenciamento e ampliar a liberação de agrotóxicos no Brasil.

Contra esses projetos de impacto ambiental, artistas, indígenas, integrantes de coletivos e a sociedade civil se uniram no movimento que tomou a Esplanada dos Ministérios na tarde desta quarta-feira (9).

Além de Caetano, artistas Daniela Mercury, Emicida, Nando Reis, Maria Gadú, Bela Gil, Malu Mader, Rafa Kalimann, Elisa Lucinda, Duda Beat, Criolo, Paola Carosella, Letícia Sabatella, Christiane Torloni, Cissa Guimarães, Paula Lavigne, Lázaro Ramos, Alessandra Negrini, Mariana Ximenez, Maria Paulo, Seu Jorge, Paula Burlamaqui, Maria Ribeiro, Zezé Polessa e muitos outros foram alguns dos que marcaram presença no ato.

O secretário executivo do Cimi ressaltou, em sua fala no evento, os embates vividos pelos indígenas no governo Bolsonaro. “A boa notícia é que está havendo resistência e luta, este ato é uma comprovação disso. Os povos indígenas jamais vão desistir dos seus direitos e nós temos que reforçar e dar apoio”, destacou Eduardo de Oliveira.

“Hoje, em Brasília, os povos indígenas estão lutando pelos seus direitos e pelos direitos do povo brasileiro. Cerca de 150 lideranças dos povos indígenas da Bahia estão presentes contra a tramitação do PL 191, do PL 490, contra o marco temporal, para dizer não a este projeto de morte. Temos o desafio de manter a resistência e manter a esperança nestes últimos oito meses deste governo, que pretende destruir todas as políticas públicas e a vida da maioria da população brasileira por meio destes projetos de lei”, ressaltou.