Homenagem
Conheça o legado de Aline Maria e sua luta por uma vida feminista, popular e agroecológica
Por Fernanda Alcântara
Da Página do MST
Agricultora, assentada da reforma agrária, mãe, advogada popular. Estas eram apenas algumas das identificações de Aline Maria, integrante do MST que teve sua linda história interrompida precocemente pela Covid-19. Mas Aline deixou um legado de palavras, sonhos e esperanças, materializados no livro “Aline Maria: uma construção de vida feminista, popular e agroecológica”.
Inspirados nesta bela história de luta, a publicação foi uma iniciativa da Movimento, da Terra de Direitos e da Universidade Federal do Paraná (UFPR), onde Aline foi aluna do curso de Direito, junto à turma do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera) “Nilce de Souza Magalhães”. A convite destas instituições, a família foi envolvida na construção do livro, especialmente com a participação de suas filhas e irmãs, que elaboraram textos e cederam as imagens.
“O intuito da publicação foi o de manter viva a memória desta mulher aguerrida, que durante sua vida fez a luta pela terra e reforma agrária desde as ocupações, resistência, construção da organicidade, desde a sua singela e importante atuação na base social do MST, tornando-se uma mulher que, a partir da luta do MST, desafiou e superou muitas das dificuldades impostas pelo latifúndio, pelo Estado e pelo capital”, conta Selma Santos, da coordenação do MST e irmã de Aline Maria.
No livro é possível conhecer o legado de Aline Maria, misturado à sua trajetória de vida, de militância, de estudos e de trabalho produtivo no assentamento. Selma lembra que Aline rompeu os muros e cercas da universidade e fez do estudo e da formação uma trincheira importante. “Atuou defendendo três principais bandeiras; enquanto camponesa defendeu e praticou a Agroecologia (na teoria e na prática), fazendo da praxis transformadora cotidiana seu principal legado de Vida.”
O texto de homenagem feito pelo MST na obra ressalta a trajetória histórica de Aline, ligada com a história de milhares de trabalhadores e trabalhadoras, que desde muito jovem, ainda na infância, tiveram que lidar com a contradição entre capital e trabalho. “Oriunda de uma das regiões mais pobres do estado de São Paulo, sudoeste paulista (conhecida como corredor da fome), enfrentou a colheita de legumes, alienando seu trabalho nos tomateiros no município de Ribeirão Branco. Enfrentando o plantio, os tratos culturais e a colheita de um produto portador de grandes cargas de agrotóxicos.”
Selma lembra também que, após os cinco anos de duras lutas acampada, ajudou a construir a associação de produtores no assentamento, organizar as mulheres, organizar as festas da comunidade. “Como advogada moradora no próprio assentamento, ajudava, orientava e defendia os direitos das assentadas/os da região a conquistar os benefícios de aposentadoria, salário maternidade, dentre outros, se posicionando a favor das trabalhadoras/es, vencendo o cansaço da burocracia e da lentidão do INSS e ajudando a garantir as conquistas previdenciárias”, conta.
“Na luta contra o golpe de 2016 em diante, atuou firmemente na batalha das ideias, no combate ao bolsonarismo e a propagação da ideologia fascista no país. Indignava-se com a forma como vinha sendo tratada a pandemia no Brasil. Fazia a defesa apaixonada da democracia, dos governos populares, da luta do povo e fazia crescer a esperança com as mudanças sociais no Brasil a partir da luta popular.”
Inspiração
Ao reunir os materiais e as homenagens de todos e todas que ela cativou com seu jeito ao mesmo tempo doce e forte de ser as quais trazem presente da luta, o livro traz a dimensão de Aline que, como mulher, “defendia a bandeira do feminismo camponês e popular, uma construção originária das mulheres camponesas, na luta pela superação do patriarcado e a opressão de gênero sobre as mulheres”, ressalta Selma.
Aline se comprometeu com a construção do Movimento, de forma intensa, fazendo parte do coletivo estadual da Rede de combate a violência doméstica do MST no estado de São Paulo, produzindo conteúdos para os podcasts, rádios, revistas, etc. E ajudando no fortalecimento e articulação de diversas ações da Rede. Estava como membra da direção regional pelo Setor de Direitos Humanos quando foi acometida pelo vírus.
Além das homenagens, o livro traz materiais produzidos por Aline. Um deles é o trabalho de conclusão de curso (TCC) defendido em 2019 “Titulação conjunta de lotes: a contribuição do feminismo camponês e popular para a função social da terra”, onde a autora especifica uma das políticas sobre a titulação conjunta de lotes para beneficiários da reforma agrária, a partir de um estudo empírico com as mulheres assentadas em dois assentamentos do estado de São Paulo.
O livro contém ainda relatos de experiência de extensão EKOA e Majup e capítulos de livros e textos de jornais já publicados, além de três artigos inéditos: “Mulheres e agroecologia na resistência ao agronegócio”; “Mulherando – percepções e compreensões sobre ‘atividades femininas’ em um assentamento de reforma agrária” e “Os boias-frias”.
Por fim, para Selma, um dos principais legados de Aline foi a coerência política. “A unidade entre o dizer e o fazer, a humildade, a generosidade, o trabalho de base permanente, morando, atuando e convivendo com sua comunidade, assumindo concretamente os desafios políticos organizativos que estão na ordem do dia dos debates mais candentes do MST.”
Em seu discurso de formatura, Aline ressaltava o compromisso de todas e todos, enquanto lutadores do povo, de levar adiante a luta pela justiça social, e concluía: “Avante companheiras e companheiros, pois a nossa luta está apenas começando!”.
*Editado por Wesley Lima